O quarto nunca foi de muitas cores mesmo. Agora, sem nenhuma mudança nas altas temperaturas do mês de dezembro, parecia frio. Na parede, duas fotos em preto e branco “coloriram” dias passados. Uma delas, Robert Capa sorri ao lado da namorada Gerda Taro, na guerra Civil Espanhola; a outra, minha, da festa do Pau da Bandeira, no município de Barbalha-CE, mostrava homens carregando um pau que serviria de mastro para hastear a bandeira do casamenteiro Santo Antônio. A foto “cortava” a metade da parede na horizontal. Por quase um ano, fechado a chaves, o quarto do pequeno apartamento, agora aberto, não cheirava a nada. Lembranças e traições, todas aparecem de uma só vez. Mesmo com a porta aberta, nada quis sair de lá. Da cama, principalmente. Nem a mais insignificante delas.
Alcides Freire Melo. Texto e Fotos
Uma das funções da fotografia, quando chega a questões pessoais e familiares, seria não deixar nunca morrer, por exemplo, uma breve passagem do tempo de uma criança que joga suas primeiras partidas de futebol. Deixá-la suspensa no ar quando brinca até chegar aos braços e abraços confiáveis do amigo adulto. O uniforme branquinho no primeiro dia de aulas e na volta, completamente embarrado. Fotografar a Monster High, boneca preferida da filha. Monstrinho, boazinha e horrorosa que dorme agasalhada na improvisada cama de papelão até ser “acordada” ao final do dia, para depois das tarefas feitas, fazer esqueléticos desfiles na “passarela” sobre a mesa.
No fotojornalismo, a dimensão da fotografia supera e vai além de todos os sentimentos individuais. É uma fotografia que nunca mais poderá parar de “falar”. Sobreviver a todos os tempos. Ser eterna e contar, em várias línguas, a história que só o fotógrafo viu e ouviu. Poderá, sem nenhum esforço, desfazer equívocos, convocar a justiça, um povo e a verdade em todos os idiomas falados ou até mesmo os silenciados do planeta. O fotojornalismo poderá por vezes encontrar dificuldades de fotografar e sem ajuda de legendas falar sobre o final de Brit-Burberry, deixado, “esquecido”, num travesseiro. E nunca, dependendo de quem “escreve” com pixels, deverá encontrar dificuldades de fotografar a dor de uma família que encontrou o corpo do filho assassinado, embora venha a se somar à lágrima presa do repórter fotográfico.