Paulista de Bariri, amante da natureza e da fotografia, entre outras coisas,Entrevista Joe, como é conhecido, teve uma infância tranquila rodeado de natureza exuberante próxima ao Rio Tietê; cercado de livros, presenteados por zelosos pais, tornou-se também um apreciador da poesia.
Viviane de Moraes *
Após longo e sofrido período de tratamento, mas que foi encarado como aprendizado de grande importância para entender a vida foi encontrando caminhos que o levaram de volta à “vida normal”. Tratado e de alta médica, buscou um recomeço, fazendo cursos e mais tarde uma viagem emocionante à África, onde registrou com sua câmera, aproximadamente mil e seiscentas imagens, que ficarão registradas também em sua memória.
Sua paixão por fotos iniciou por mera curiosidade, aos dez anos de idade.
Denomina-se como um autodidata. Nunca fez curso, mas sempre procurou informar-se a respeito. Em seu local de trabalho chegou a montar um laboratório, onde passou a revelar suas fotos. Atualmente aposentado, planeja viajar com sua esposa pelo mundo afora, em busca de novas aventuras.
Falando um pouco de sua história, quando iniciou a primeira crise do transtorno bipolar?
Joe – No ano de 1967 ingressei na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, porém dois anos depois tranquei minha matrícula não retornando mais. Nessa época almejava várias aventuras, como por exemplo, viajar para a Inglaterra e fazer um curso de Desenho Industrial. Porém não foi possível. Em meados de 1970, comprei um jipe e comecei a fotografar e desenvolver trabalhos informais, viajando com frequência para o Rio de Janeiro. Era também participante ativo da política estudantil, frequentando passeatas contra a ditadura militar. Nessa época, iniciaram as primeiras crises. Não me alimentava corretamente, dormia na rua, dentro do jipe. Meu comportamento era percebido por familiares e amigos, como estranho. Mas para mim estava tudo bem, nada anormal. Percebia apenas que tudo estava mais rápido, ou ainda fazia determinadas coisas sem sequer perceber. Nesse ano de 1970, minha família buscou ajuda psiquiátrica. Estive internado por duas vezes, com a duração de noventa dias cada uma. Dessa forma teve início meu tratamento psiquiátrico com acompanhamento medicamentoso. Porém resistia ao tratamento acreditando não ser necessário. No final de 1983 tive uma crise forte, porém nessa época estava residindo em Bariri. Fui então levado de carro para Jaú, onde havia um hospital psiquiátrico mais próximo, sendo ali internado, por aproximadamente quarenta dias. Essa foi uma experiência horrível e muito dolorosa. No ano de 1984 iniciei meu tratamento em São Paulo no Hospital-Dia A Casa – Instituto de Desenvolvimento e Pesquisa Mental e Psicossocial, com um psiquiatra, dando continuidade ao tratamento medicamentoso e com uma terapeuta ocupacional, abordando a praxiterapia. Após longa experimentação, em 1988 minha medicação foi novamente alterada, passando a fazer uso de carbonato de lítio. Nesse ano obtive alta. Tempos depois passei a atuar no Instituto A Casa como voluntário. Atualmente vou até o centro de saúde somente a cada três meses para a dosagem da medicação.
Após alta psiquiátrica, como foi o recomeçar?
Joe – Depois da alta fiz um curso de serigrafia (silk-screen). Estampava camisetas e cartões de natal. Nesta época residia com meus pais. Em 1994, passei num concurso e comecei a trabalhar na Eletropaulo onde, entre outras funções, fui agente ambiental. No ano de 1996 conheci minha esposa, no Instituto A Casa, onde ela fez breve tratamento. Em 2001, quando saí da Eletropaulo, fiz um curso de massoterapia, trabalhando informalmente na área.
Sobre sua viagem à África…
Joe – Na verdade teve a ver com minha ligação com a natureza. A viagem foi planejada de modo a coincidir com as férias de minha irmã, na época, residente na cidade de Harare, capital do Zimbabwe. Fui para lá, viajando num boeing da South Afrika. Sempre fui fascinado por aviões. Foram quinze horas de viagem no total. Fiz escala em Johanesburgo e depois segui até Harare. Um fato interessante aconteceu: certo dia, passeando por essa cidade presenciei a passagem da comitiva de Nelson Mandela, na época presidente da África do Sul; fiquei emocionado e agradecido pela oportunidade vivida. Depois de instalado e descansado, fiz algumas viagens para conhecer um pouco das maravilhas da África. A maioria delas era feita por avião. Primeiramente fui para o Parque Nacional de Victoria Falls (Catarata de Vitória/ Rainha da Inglaterra). As acomodações do hotel pareciam cabanas típicas. Havia uma fazenda de criação de crocodilos, para comercialização do couro. Havia também uma aldeia, com duas “tribos” diferentes – meramente fictícia, onde os nativos dançavam e tocavam músicas típicas. E a comida era semelhante à nossa. Nesse local fiquei hospedado durante três dias aproximadamente. De volta a Harare, ia com freqüência ao Jardim Botânico, onde fiz várias fotos aproveitando a diversidade da flora local. Na cidade havia seis campos de golfe. Os jardins das residências eram muito bem tratados com exuberância de cores e formas (graças à colonização inglesa).
Em Hwange National Park – fiz o primeiro safári fotográfico, a bordo de um jipe. O guia-motorista, munido de rádio comunicador, podia informar aos outros colegas a posição de determinado grupo de animais. Às vezes não se encontrava nada. Nesse parque havia zebras, elefantes e hipopótamos. Fiquei instalado por três dias. Voltando a Harare, fui para Caves – onde havia pinturas paleolíticas em conjuntos rochosos, algo fascinante. Fiquei apenas um dia. Já em Chivi – havia animais mais velhos, como se fosse um “santuário”. Visita de apenas um dia. Durante a viagem conheci um restaurante indiano, muito bom. Nele degustei comida com sabor picante, vi e ouvi dança e músicas típicas de raro encantamento. No total, a viagem teve a duração de vinte e três dias inesquecíveis.
Lição de vida
Joe – O que filtro como lição de vida dessa viagem é o respeito à natureza. A convivência com animais nativos é uma questão de consciência e de respeito aos mesmos. Quanto à hospitalidade desse povo, é algo que reflete em nossa cultura. Em nenhum momento me senti hostilizado e fui sempre muito bem aceito por eles. Não percebi, como branco, nenhuma mudança de comportamento por causa de minha cor. “Se tivéssemos isso em nosso DNA, não teríamos os tsunamis da vida”…
Depois dessa viagem fantástica, retornou à África novamente?
Joe – Sim. Nessa época minha irmã estava enfrentando alguns problemas pessoais, e estava em depressão. Ela não estava sabendo como lidar com a situação, e o país possuía poucos recursos médicos. Após esse episódio, trouxe-a de volta ao Brasil, passou por tratamento no Instituto A Casa e depois retornou à África. No entanto, algum tempo depois o escritório da ONU, fechou. Minha irmã retornou então ao Brasil, indo trabalhar na Bahia, em uma ONG, desenvolvendo trabalhos sobre DST/AIDS, com prostitutas e travestis na comunidade do Pelourinho, em Salvador.
Que ligação faz com tudo que vivenciou nesse período com sua atual realidade?
Joe – Acredito que temos o livre arbítrio. E que mudanças de hábito podem acarretar em uma qualidade de vida ainda melhor. “O cuidado com o corpo que Deus me deu é fundamental”. E se hoje estou bem, foi por uma escolha consciente. Acredito ser necessário não só o auto-cuidado, mas também com o meio ambiente, na família, no trabalho. Na época em que viajei, no Zimbabwe, tudo era preservado, hoje já não sei se continua da mesma maneira. O turismo era uma grande fonte de renda para o país. Com a ditadura instalada, é possível que esse paraíso tenha se deteriorado. Ter uma referência divina é também muito importante. Porém, crer com parcimônia e ponderação. Fazendo um paralelo, um fato memorável aconteceu comigo há poucos dias. Na verdade um grande mérito: após todos os episódios de crises, internações, vida profissional desestruturada, afetos mal resolvidos, fui presenteado com o benefício de minha aposentadoria. “Não veio de graça. Reconheço e agradeço”, pois o que aconteceu em meu favor foi o dedo de um Ser Superior que viu méritos naquilo que dediquei ao próximo durante minha vida. Só eu e Ele sabemos o que ocorreu nesse tempo.
Atualmente está atuando profissionalmente?
Joe – Sim! Cuidando de uma pessoa acamada há mais de cinco anos e ultimamente trabalho em uma empresa, fazendo massagens, onde o objetivo é melhorar e manter a qualidade de vida dos funcionários. Estou atuando como voluntário, no Núcleo Assistencial Bezerra de Menezes, na Vila Mariana, com hansenianos carentes; no Lar para Idosos Vivência Feliz e no Instituto A Casa.
Planos para o futuro?
Joe – Fazer uma poupança e “dar um giro pelo mundo, em lua de mel com minha esposa”. Nosso relacionamento é um muito diferente do convencional. Ela mora em Analândia, uma cidade de estância turística próxima a Rio Claro, e eu em São Paulo. Quando falamos disso aos nossos amigos, eles sentem um pouco de inveja.
Relação com a espiritualidade
Joe – Nasci em berço católico, porém tive um período em que não acreditava em nada. Certa noite, véspera de natal, trabalhando com um arquiteto em um projeto na Vila Madalena, por sinal atrás de um cemitério, um vizinho bateu a porta para felicitá-lo. Em dado momento houve uma “incorporação mediúnica”. Na verdade houve três fenômenos de incorporação, e em um deles houve uma psicografia. Este fato foi algo que me marcou muito. E a partir disso comecei a freqüentar um centro de umbanda. Porém, nessa época (1975), tive uma crise e tive que me afastar. Em 1988, quando obtive alta médica, comecei a freqüentar o Núcleo Assistencial Bezerra de Menezes, na Vila Mariana, de cunho kardecista, onde fiz vários cursos e passei a entender um pouco mais sobre tudo o que aconteceu, desde o processo de internação.
Uma frase como lição de vida
Joe – É necessário acreditar, perseverar e fazer tudo com amor. Até porque é dando que se recebe. Meus pais deram a mim e a meus irmãos uma educação primorosa e muitas oportunidades de crescimento, evolução moral e firmeza de caráter. Esses ensinamentos foram e estão sendo ferramentas importantes para que eu tenha chegado onde estou com minha consciência tranqüila e com o coração transbordando de muita alegria e gratidão pela Vida.
Como foi expor suas fotos no CRECI@ – Centro de Referência da Cidadania do Idoso, no evento “África quase selvagem”?
Joe – Foi muito bom, apesar de o espaço físico ser um pouco limitado, não tenho como agradecer. Esse reconhecimento terei sempre. No CRECI@ sou sempre muito acolhido. E das poucas vezes que posso participar, participo também de palestras.
Viagens futuras…
Joe – Normalmente não viajo com aspecto turístico. Mas pretendo ir ao Pantanal. E posteriormente casar-me legalmente.
*Viviane Moraes é Técnica em Gerontologia do CRECI@ – Centro de Referência da Cidadania do Idoso. Especialista em Gerontologia pela PUC/SP. Terapeuta Ocupacional, pela UNISO/SP