Na adolescência já gostava de fotografias. Começou a comprar alguns postais, encantou-se. Leu sobre um grupo de colecionadores de Brasília, decidiu filiar-se. Passados 23 anos, o que era somente entretenimento virou uma grande paixão. É um dos maiores (o maior?) cartofilista do Brasil, com nada menos de 180 mil cartões-postais de todo o mundo. “Postal é cultura. Por meio deles viajamos até lugares desconhecidos e sonhamos acordados”. Daltozo tem 62 anos, completados em setembro. Encara seu envelhecimento com “tranquilidade, como um processo natural”. Mas acrescenta: “Isso é certo, mas tenho medo da morte, que é inevitável e é o fim de tudo”.
Guilherme Salgado Rocha / Fotos: arquivo pessoal
Daltozo – Sempre gostei de fotografias, mesmo antes de possuir máquina fotográfica. Desde a adolescência, lia livros ilustrados por fotos antigas ou belas fotos do mundo inteiro. Quando adquiri minha primeira máquina fotográfica, uma Olympus Trip 35, ao visitar uma cidade e tirar fotos, comprava alguns postais com vista aérea, um belo pôr-do-sol, o interior de uma igreja, que não conseguia obter com meu simples equipamento fotográfico. Mas ainda sem intenção de uma coleção sistemática de postais, guardava-os com as fotos. Um dia li em um jornal sobre a existência de um clube de colecionadores de postais, com sede em Brasília. Escrevi, obtive resposta, me filiei e não parei mais.
Portal – O número está certo? São 180 mil postais?
Daltozo – Exatamente. Hoje, 23 anos depois, tenho mais de 180 mil postais do mundo inteiro. Resultado de várias viagens, aquisições diretamente de editores, intercâmbio com cerca de 100 outros colecionadores e recebimento de muitas doações. Saem reportagens sobre minha coleção em jornais e revistas, e isso gera frutos. Em 2011, por exemplo, recebi uma grande doação, mais de 5 mil postais, de um senhor fluminense que tem um site de viagens na internet.
Portal – Postal é cultura?
Daltozo – Pelos postais viajamos por lugares desconhecidos, sonhamos acordados, sem passaporte ou espera em aeroportos, e nem mesmo precisando de dinheiro. Em uma coleção de postais estudamos arquitetura, urbanismo, fotografia, modo de vida, história, geografia, povos e países, usos e costumes, antropologia, sociologia. Muitos museus têm, no acervo, postais antigos para uso de pesquisadores. Diversos historiadores usam postais antigos como iconografia de seus livros. O cartão-postal pode ser objeto de estudo sociológico, como o que foi desenvolvido pelo escritor pernambucano Gilberto Freyre, em seu livro “Alhos e Bugalhos”. Ele dedicou 16 páginas a um ensaio sobre o postal do início do século 20 na Amazônia, mais especificamente sobre os postais remetidos daquela região para Portugal. Tudo começou quando ele visitava a Feira da Ladra, em Lisboa, e encontrou vários postais à venda numa barraquinha de antiguidades. Mostravam a Amazônia brasileira na época áurea da borracha, mas sua atenção foi despertada não só para as paisagens que não mais existiam, mas, principalmente, pelo conteúdo sociológico das mensagens escritas no verso. Ou seja, os imigrantes portugueses que vieram fazer a América, escrevendo para seus conterrâneos sobre a aventura no Inferno Verde. Freyre, sem ser colecionador, passou a admirador do cartão-postal.
Daltozo – Todos os hobbies, como filatelia, numismática, cartofilia e outros, são importantes nas diversas fases da vida. Na terceira idade são ainda mais vitais, pois aprendemos a ser organizados, manter contato e amizade com colecionadores de outras cidades e países. O postal é motivação para pesquisar sobre os locais desconhecidos retratados nesses simples retângulos de papel. A mente fica ocupada com algo útil e cultural. No entanto, em qualquer coleção, temos que ser obstinados, mas não obsessivos. Ou seja, devemos estar sempre atentos, eternos garimpeiros em busca da pepita de ouro – no caso, as novas peças para a coleção.
Portal – Uma coleção é muito dispendiosa?
Daltozo – É fundamental não gastar além das posses para obter a peça desejada.
Portal – Agora vamos aos dados pessoais, que são muito importantes. Nome completo…
Daltozo – Meu nome é José Carlos Daltozo, nasci em Ibirá, interior de São Paulo, no dia 30 de setembro de 1950. Sou filho de Bruno Daltozo e Maria Antonio Elzark, tenho apenas uma irmã, Elizabeth Daltozo Sanches. Casei-me em 1975, com Célia Picchi Daltozo, com quem tenho três filhos: Carlos Eduardo, Cesar Augusto e Marcos Paulo, e dois netos, Gabriela (6 anos) e Pedro (3 anos).
Portal – Onde foram os estudos?
Daltozo – Sou formado em Letras (Português-Inglês) pelas Faculdades Associadas do Ipiranga (FAI), no bairro do mesmo nome, na capital paulista, faculdade que hoje faz parte da PUC. Trabalhei, na adolescência, em um escritório de contabilidade em Tupã, em São Paulo. Com 18 anos, passei no concurso público de escriturário no Banco do Brasil, exclusivo para agências da capital paulista, onde tomei posse. Trabalhei na agência Brás do BB, de 1969 a 1978, e em Martinópolis, de 1978 a 1995, onde me aposentei. No mês seguinte à aposentadoria, fundei o jornal “Folha da Cidade”, em Martinópolis, junto com um amigo, funcionário da Caixa Econômica Federal. Fiquei na sociedade seis anos, quando me desliguei para publicar os livros históricos.
Daltozo – Em 1999 publiquei meu primeiro livro. O último foi em 2010. Os históricos são “Martinópolis, sua história e sua gente”, “Banco do Brasil, 50 anos em Martinópolis (2002), Álbum histórico e fotográfico de Martinópolis (2004), “Cartão-postal, arte e magia” (2006), “Loja Maçônica Três de Maio (2007), “Nos trilhos da história” (2007), “Um novo amanhã” (2008), “60 anos semeando conhecimento” (2010) e “Fazenda São José (2010).
Portal – Depois de Ibirá…
Daltozo – Fiquei apenas um ano em Ibirá. Depois a família mudou-se para Rinópolis. Aos 13 anos, nova mudança, para Tupã. Fui para São Paulo trabalhar no BB. Em 1978 fui nomeado chefe de serviço em Martinópolis, cidade situada na Alta Sorocabana, próxima a Presidente Prudente. Não conhecia a cidade. Naquela época o funcionário que queria galgar postos na empresa se candidatava a diversas cidades, de todos os Estados. Por sorte, fui nomeado para Martinópolis, que fica a 550 km da capital paulista.
Portal – Como tem percebido o envelhecimento? Pensa nisso?
Daltozo – O envelhecimento é um processo natural de todos os seres vivos. Com saúde e disposição, encaro com tranquilidade essa etapa da vida. Lógico que, como toda pessoa normal, tenho medo da morte, que é o fim de tudo. Mas como ela é inevitável um dia, que espero ainda esteja bem longe (tenho 62 anos), tento viver intensamente todos os momentos da vida. Gosto de viajar, de conversar, de fotografar, de ler tudo que me cai nas mãos. Como dizia Carlos Drummond de Andrade, “leio de tudo, até bula de remédio”. Vivo com livros, jornais e revistas nas mãos. Brinco com os amigos que pretendo viver até 85 anos e, chegando lá, pedir mais uns anos extras. Não tenho nenhum tipo de tristeza, encaro tudo com otimismo. Alguns percalços são naturais, mas faço como a música do Vanzolini: “sacode, levanta a poeira e dá a volta por cima”.
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