João Ambrósio, uma vida, um destino

João Ambrósio, uma vida, um destino

Na sua viuvez João Ambrósio não perdeu só a mulher, perdeu também, a si mesmo. Talvez tenha perdido o próprio nome. Já não sabe quem é.

Elisa Augusta de Andrade Farina (*)


João Ambrósio, um nome, uma história, uma vida. Quem o conheceu, não o reconhece como aquele homem distinto, amoroso, cavalheiro, sempre disposto a celebrar a vida. Viúvo, foi depositado pela família, como objeto inútil, numa instituição de longa permanência para idosos (ILPI), os antigos asilos, chamado “O Lar Feliz”, que destoava de todo efeito que se entendia por felicidade.

Na sua viuvez não perdeu só a mulher, perdeu também, a si mesmo. Talvez tenha perdido o próprio nome. Já não sabe quem é: o homem que julgava ser não passa, quem sabe, de um sonho, agora perdido para sempre. Um sonho que foi sonhado por ele e pela mulher, agora já não dispõe de um sonhador. Tudo o que lhe resta de vivo, está no passado. O presente não existe. Um fosso enorme separa passado do presente. O passado de alegrias, o presente de restos, sobras. O futuro de incertezas.

Mesmo assim, insiste em (sobre) viver.

Escuta o companheiro de quarto e desditas que o adverte: “não seja bobo João Ambrósio, eles aqui estão esperando que não pensemos, mas se isso acontecer e deixarmos de pensar estamos enterrados. É no pensamento, com e através dele, que permanecemos vivos. Temos que resistir, para existir”.

João parecia nem escutar o que seu companheiro de infortúnios lhe dizia, continuava apático, alheio a tudo.

Dia de visitas. Todos ansiosos, menos o João que continuava deitado, absorto, olhar perdido…

De repente, uma menina aproxima-se da sua cama e chama-o: “vovô João, vim contar para o senhor uma história legal que aprendi nesta semana, na Escola. O senhor quer ouvir? Lembra-se de mim? Eu sou a Mariana, filha da Henriqueta que trabalhou em sua casa. O senhor gostava um tanto de mim. Dava-me muita atenção, brincava comigo. Lembra das nossas brincadeiras? Uma vez me deu um cachorrinho, o Pirralho. Ele manda lembranças…

João Ambrósio abriu um sorriso e com lágrimas, abraçou a menina.

A mãe da garota se aproximou e disse: “senhor João, estamos aqui para alegrar os seus dias, o senhor foi tão bondoso para com a gente quando foi meu patrão. Não é porque foi abandonado pelos seus que será esquecido por quem só recebeu e não teve tempo de retribuir o carinho que nos dispensou. O amor não pode se separar da gratidão. Apesar das circunstâncias, a vida continua a valer a pena.

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Em todos dias de visitas, o João Ambrósio, ficava inquieto esperando a doce Mariana, que com sua alegria e inocência, mudava o rumo de sua triste existência. Estava mais animado, corado, até conseguia sorrir. A sua vida tomou outro rumo. A neta “do coração”, substituiu os netos, filhos dos seus filhos, que nunca vieram vê-lo, nem sequer seus filhos se fizeram presentes para escutá-lo e sanar as suas dificuldades.

E o tempo passava… Cada dia sobreponha as tristezas com a alegria que a pequena Mariana e sua mãe lhe proporcionavam.

Gostava de ficar pensando em todas as coisas boas que a vida lhe dera. Agora tudo tinha se esvaído, como bolhas de sabão soltas, só vento. Não conseguia entender o abandono que sofrera. Isso doía tanto nele que foi abandonado…

Será que repercutiu nos filhos que o abandonaram naquele asilo triste e frio? Se isso acontecesse de fato, será um peso imensurável nas costas dos filhos por toda uma vida. Isto se tiverem sentimentos e aquilatassem o mal que lhe fizeram. Por mais que pensasse não via justificativa sobre os motivos para o abandono definitivo e irrestrito.

Essas reflexões consumiam a sua alma e entristecia o seu pobre e fraco coração. Não sabia até quando iria resistir… Isto não importava…

Este é o triste e avassalador cenário vivenciado pelos idosos que são tratados como trastes inúteis por aqueles que devotaram o melhor de suas vidas e eles não tiveram a capacidade de dar-lhes amor, por mais ínfimo que fosse…

(*) Elisa Augusta de Andrade Farina – professora, filósofa, escritora, contadora de histórias, cronista e pietisa Teófilo-otonenses, é graduada em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais, com pós-graduação em Docência do Ensino Superior pela PUC-MG. Sócia efetiva do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri e membro fundadora da Academia de Letras de Teófilo Otoni, titular da cadeira 6 e atual presidente. Em 2018, recebeu do governo de Minas Gerais a comenda Teófilo Otoni, em reconhecimento aos relevantes serviços prestados na área da Educação e Cultura no Vale do Mucuri, MG.

Foto destaque de Zhanzat Mamytova/pexels.


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