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Instituições de longa permanência: trabalhar com pequenos projetos

Os profissionais que desenvolvem trabalhos em instituições de longa permanência para idosos conhecem a dificuldade de se trabalhar com a população asilada e, por isso, muitas vezes precisam utilizar a criatividade e alguns artifícios para que seus objetivos profissionais sejam atingidos de maneira otimizada, fazendo uso de seus conhecimentos técnicos em benefício dos residentes.

Maria Amélia Ximenes

 

Trabalhar com pequenos projetos, tendo como meta atingir objetivos imediatos, estabelecidos através de avaliações prévias, foi a solução encontrada para que os alunos do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade do Sagrado Coração (Bauru/SP) desenvolvessem a capacidade de diagnosticar os pontos de intervenção de maneira minuciosa e elaborada, sensibilizando-os, para que percebam o asilo como um lugar onde moram pessoas diferentes, que carregam uma história pessoal que deve ser respeitada, que têm opiniões e vontades próprias, poder de decisão e, mesmo que este esteja alterado, essa pessoa deve ser tratada com respeito e atenção.

Esses projetos visam, acima de tudo, trabalhar “um dia de cada vez”, sempre buscando a melhora da qualidade de vida dos residentes dando “significado aos fazeres” trabalhados pelos alunos. Isto não significa que cada dia é um projeto, mas sim que se estabelece determinado número de encontros, dentro de um projeto, e cada encontro é imediatamente registrado. Ao final há a análise geral dos resultados. O projeto descrito a seguir, sob minha supervisão, foi desenvolvido nesses moldes pelas alunas durante o 2º semestre de 2004 em que elas descrevem suas dificuldades e angústias, porém finalizam o trabalho deixando possibilidades de continuação através da organização da sala de jogos.

Integrar e criar novas relações sociais:

A reforma da mesa adaptada de bochas

Alunas-autoras responsáveis pelo projeto da reforma da mesa adaptada de bocha no asilo Vila Vicentina Abrigo para Velhos: Aline A. Valesque, Camila Cristina Macagnani, Flávia Pereira, Kátia Francisco Nogueira e Maria Carolina Canalli, juntamente com Maria Amélia Ximenes, professora responsável e pesquisadora mentora do Portal.

Introdução

A parte prática da disciplina de Terapia Ocupacional Aplicada a Gerontologia e Geriatria foi realizada no asilo Vila Vicentina Abrigo para Velhos. É uma instituição filantrópica que possui 82 abrigados sendo 45 homens e 37 mulheres.

Um asilo deveria ter uma dupla missão: ser um lar e ao mesmo tempo uma casa especializada, como parte de um sistema continuado de cuidados. Portanto, deve procurar ser uma residência, mostrando, tanto nos seus aspectos físicos quanto em toda sua programação, detalhes que lembrem uma casa, uma moradia, a vida numa família. Para muitos idosos, esse novo lar é o lugar onde passarão os seus últimos dias (Born e Boechat, 2002).

Sabe-se que o histórico de vida do idoso e sua cultura, entre vários outros fatores, pesam na reação do novo residente à sua vida na instituição. É possível que a maioria dos idosos de hoje venha a interpretar uma admissão como situação de falência. Independentemente de todas as causas que a determinaram ou a precipitaram, o planejamento de vida do individuo foi alterado. Seu projeto existencial foi desviado e, na maioria das vezes, de maneira dramática (Idem, p.773). Percebe-se, portanto, uma tendência da maioria dos residentes a se manterem isolados, recusando qualquer contato.

A Terapia Ocupacional é uma profissão da saúde e da reabilitação, ajuda o indivíduo a recuperar, desenvolver e construir habilidades para sua independência funcional, sua saúde, sua segurança e sua integração social. A ênfase da Terapia Ocupacional é na capacidade de desenvolvimento funcional das pessoas, compreendida nos aspectos sensório-motores, nos componentes de integração cognitiva e nos aspectos psicossociais que são considerados essenciais para a realização das atividades cotidianas de autocuidado, de trabalho e lazer.

Quando se considera o atendimento a pessoas idosas, os elementos independência, saúde, segurança e integração social ocupam lugar de destaque, uma vez que, com o processo de envelhecimento, eles sofrem modificações significativas. Assim a Terapia Ocupacional gerontológica visa manter, restaurar e melhorar a capacidade funcional, mantendo o idoso ativo e independente o maior tempo possível. (Barreto e Tirado, 2002, pg.866)

Objetivos

Além de promover a integração entre os homens que residem no asilo, o trabalho teve como objetivos específicos os seguintes: trabalhar a postura, força muscular, equilíbrio, coordenação e relaxamento .

Justificativa

O intuito deste trabalho é a integração masculina, visto que eles moram no mesmo lugar, dormem juntos e não possuem um contato para conversa ou diversão. Para que os objetivos fossem atingidos, as atividades escolhidas foram os jogos. Estes se justificam pelo fato de proporcionarem um trabalho em grupo, favorecendo a integração. Os jogos ainda nos dão a possibilidade de trabalhar a postura, força, equilíbrio, coordenação e o relaxamento de tensões vividas, favorecendo um bem estar.

Ao trabalhar a postura haverá uma maior conscientização corporal, favorecendo as atividades de vida diária, estimulando sua independência. A força muscular proporcionará uma melhor conservação da massa e de toda musculatura do corpo, aumentando também sua resistência, prevenindo deformidades, estimulando independência locomotora.

O equilíbrio exige uma boa integração do esquema corporal e um esquema de atitude, tornando o indivíduo mais seguro na sua locomoção e assumindo, em suas tarefas de vida diária, uma posição mais simétrica. A coordenação é a base do movimento homogêneo e eficiente e exige uma extensa organização do sistema nervoso, com utilização dos músculos certos, no tempo certo e intensidade correta.

O relaxamento, evitando esforços conscientes para aliviar a tensão de um segmento muscular, devendo o individuo controlar ou inibir tensões, através da conscientização corporal.

Procedimentos e comentários

Logo nas primeiras visitas ao Asilo da Vila Vicentina foi possível verificar a realidade da vida monótona e solitária de um asilo como também a dificuldade de “chegar” até esses idosos. Parecia que nada lhes agradava.

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Porém, diante dos objetivos propostos, as alunas inicialmente se propuserama reformar a mesa adaptada de bocha juntamente com os idosos. Talvez esse trabalho os interessasse, já que foi constatado que a maioria gosta de jogar. Após encontrar a mesa, abandonada, elas realizaram uma inspeção das condições em que esta se encontrava. Para planejar a reforma foi necessário medir a mesa e listar os materiais que seriam usados e quais etapas seriam necessárias para seguir. Nesse dia, foi decidido que além da mesa adaptada de bocha, seria organizada uma sala para jogos.

Tendo como objetivo principal do trabalho a integração dos idosos da ala masculina, as alunas se dirigirama elespara convidá-los a participar da atividade. Estes, porém, demonstraram pouco interesse em colaborar e participar da reforma da mesa. Dentre as pessoas que conversamos, algumas demonstraram total resistência às nossas aproximações. Durante esse contato percebemos as dificuldades que iríamos enfrentar ao longo do trabalho. Percebeu-se que esses idosos estão acostumados à rotina diária da instituição e não são estimulados a participar das atividades. Alguns deles se encontram isolados e não desfrutam nem mesmo do bate-papo com os colegas.

Alguns comentários dos idosos ao serem convidados a participar constatam esse fato:

– Ai, bem, eu não posso ajudar porque tenho a perna machucada e me canso fácil. (…) Também não gosto de jogos.

– Não quero ajudar. Estou aqui pra descansar.

– …este serviço é coisa de mulher.

Perante o desinteresse dos idosos em participar das atividades as alunas iniciaram a reforma da mesa de bochas, sozinhas, porém na esperança de que eles aos poucos fossem se chegando (esse foi o artifício usado). O trabalho foi demorado e cansativo, pois a mesa adaptada encontrava-se em péssimas condições pelo fato de estar totalmente abandonada, exposta ao sol e a chuva.

Foram arrancadas as tábuas que forravam a mesa e com a ajuda do serralheiro (da instituição) encontraram novas tábuas que foram cortadas na medida correta. Nessa fase alguns idosos se aproximaram para observar o trabalho, porém não participaram. Um deles se aproximou e ofereceu-se para ajudar, indagou sobre o que estava sendo feito, as alunas explicaram qual era a proposta da atividade, este, porém, logo se retirou.

Outros, no decorrer do trabalho, se aproximaram mais e até demonstraram interesse pela atividade, se propondo a ajudar. Alguns não podiam ou não queriam ajudar na realização da reforma, porém davam palpites sobre a melhor forma para a realização. Dentre os que se aproximaram apenas um senhor demonstrou-se interessado em participar da reforma, ajudando em várias etapas da atividade e até mesmo conseguindo materiais para a realização.

Houve momentos do trabalho em que surgiram divergências de opiniões entre o idoso que estava colaborando e participando da reforma e outro que ficava apenas observando. Isto foi visto de forma positiva pelas alunas, pois de certa forma a integração entre eles estava ocorrendo.

Para finalizar a reforma da mesa adaptada de bochas foi proposto forrar a mesa com três camadas de espuma e por último o feltro, estes seriam pregados com tachinhas. Nessa etapa da reforma, o senhor J. veio oferecer ajuda e ao ver os materiais fez uma crítica, dizendo que eram inapropriados:

Ah, não. Estes pregos são muito grandes e podem trincar a massa corrida que colocamos e as tachinhas são pequenas e não atingirão a madeira para se fixar. O ideal é cola de madeira e tachinha 13x15mm para prender melhor. (…) Eu falo isso porque eu entendo, já fui tapeceiro, mas perdi tudo quando fiquei viúvo e do Rio de Janeiro eu vim parar aqui.

Por esse motivo foi decidido, então, que os materiais seriam trocados e terminaríamos um outro dia e se o tempo fosse insuficiente os materiais seriam deixados no asilo para que aqueles que se interessassem terminassem o projeto sem a presença das alunas. Porém ficou a dúvida se isso realmente aconteceria. Num outro dia, as alunas voltaram ao asilo, organizaram o espaço onde seria a sala de jogos e com auxilio do marceneiro as tachinhas foram substituídas por pregos e a mesa ficou pronta. Nessa etapa vários idosos se aproximaram da mesa, porém não ajudaram fisicamente, mas deram palpites. Avaliamos esse momento como válido, afinal estavam participando de forma indireta.

Encerrada a reforma, as alunas testaram a mesa para verificar como seria o deslizar das bolas. Nesse momento vários idosos se aproximaram comentando que a mesa tinha ficado bonita e se interessaram pelo jogo. Eles se dividiram em times e jogaram junto com as alunas em um primeiro momento e depois sozinhos. Alguns idosos optaram por somente observar, mas a aproximação deles foi muito importante.

A mesa adaptada

Infelizmente a idéia do ócio é entendida como desocupação e, em muitas instituições, os idosos não recebem estímulos para o trabalho cooperativo e não tem em sua rotina um momento para o lazer dirigido. Ficando assim desestimulados para interagir uns com os outros e acabam não realizando atividades que ocupam seu tempo de forma prazerosa e produtiva, ou seja, com atividades significativas, que por isso tendem a melhorar a qualidade de vida desses residentes.

A inauguração da mesa de bocha adaptada: primeiro jogo

Conclusão

Durante as visitas foi possível verificar que o distanciamento entre os idosos moradores é maior entre os homens do que entre as mulheres e que há grande dificuldade de relacionamento entre estes e as alunas que realizam trabalhos na instituição.

Ao final do trabalho foi possível concluir que o objetivo traçado (promover a integração entre os idosos do Asilo Vila Vicentina) não foi plenamente alcançado, devido à dificuldade de relacionamento e à mentalidade já formada pelos idosos, de que estão na instituição somente para descansar. Porém, na última etapa do trabalho houve a participação de alguns idosos.

Concluímos que para a integração entre os idosos foi necessário além do conhecimento, persistência e criatividade, a utilização de atividades de tempo breve e que dêem a idéia de lazer e nunca de trabalho.

Referências bibliográficas

BARRETO, K. M. L.; TIRADO, M. G.A. Terapia Ocupacional. In: FREITAS, E.V.; PY, L.; NERI, A.L.; CANÇADO, F.A.X.; GORZONI, M.L.; ROCHA, S. M. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

BORN, T.; BOECHAT, N.S. A qualidade dos cuidados ao idoso institucionalizado. In: FREITAS, E.V.; PY, L.; NERI, A.L.; CANÇADO, F.A.X.; GORZONI, M.L.; ROCHA, S. M. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

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