Atuo, semanalmente, em 4 Instituição de Longa Permanência para Idosos – ILPIs -, com atividades que tem como um dos objetivos quebrar a rotina na instituição. Uma das ILPIs é instituição filantrópica, na cidade de Guarulhos, e as outras três são instituições particulares localizadas em São Paulo.
Rita Amaral. Texto e Foto *
Trabalho também com resgate de histórias de vida, por meio da escuta e registro escrito com a atividade – História do Mês, que dá voz ao residente, o apresenta aos seus companheiros de moradia e aos profissionais que o atendem na instituição, ação que amplia os laços entre os residentes e pode melhorar a autoestima de quem relata.
Nas semanas que antecederam o Mês das Mães, conversei com 51 idosos institucionalizados. Como estratégia de abordagem do tema escolhi um texto intitulado A benção da Bisa, de Arthur Nestrovski (2000), no qual o personagem relembra sua bisavó, as visitas que fazia com sua mãe ao apartamento em que ela morava, as guloseimas que eram de sua especialidade, e que servia para as visitas, férias na praia e a benção, uma espécie de oração, que ela dava ao seu bisneto, como sendo “um momento raro na minha vida, uma coisa que ninguém sabia ou estava disposto a fazer, só ela.”
A partir da leitura feita para grupos que reuni nas ILPIs, pedi que cada idoso descrevesse algumas características de suas mães dizendo, ao menos, uma frase sobre elas. Algumas pessoas se emocionaram quando fizeram o relato. Duas idosas, que foram “dadas” para serem criadas por outras pessoas, inicialmente me disseram que fazia tanto tempo e que mãe era algo tão distante, mesmo assim concordaram em participar. Na semana seguinte levei para os idosos as palavras registradas em texto, para que endossassem seus relatos.
Fizemos juntos pequenos acertos.
Percebi que as pequenas narrativas ouvidas e registradas, e que serão fixadas no mural destas ILPIs, vão revelar para os familiares algumas impressões que lhes são desconhecidas. Idosos demenciados se referiram às suas mães, já falecidas, e falam delas no tempo presente.
Seguem alguns relatos deste universo narrativo:
T., mulher, 76 anos
Minha mãe se chamava H. Era da minha altura, metade do meu peso, e tinha bom gosto extraordinário para tudo. Meus pais formavam um casal engraçado. Eles construíam a casa sempre linda, decoravam a casa e quando era colocado o último babadinho no banheiro de empregados, resolviam se mudar. Aos 17 anos eu já tinha morado em 15 casas todos feitas por eles. Mamãe desenhava a planta no chão com carvão e um amigo arquiteto fazia a planta. Acho que eles eram meio malucos. Móveis de época, tapetes importados, tudo muito sofisticado. Minha mãe se denominava a arquiteta do carvão.”
A., mulher, 96 anos
“Minha mãe se chama E. P. Ela tem idade já. Ela é normal que nem nós. Ela é muito boa, não se mete na vida dos outros, nem nada. Alegre trabalheira, toma conta dos meninos, mas não judia das crianças.”
I., mulher, 94 anos
“Minha mãe faleceu nova com 38 anos, mas eu me lembro muita coisa que aprendi com ela: ser uma dona de casa e cozinhar. Ela se chamava O. Ela ficou doente e eu que trabalhava na lavoura fiquei em casa com ela. Aprendi a limpar frango, criar porco, fazer linguiça. Em casa tinha horta. Ela tinha cabelo castanho claro, temperamento bom e calma. Quando ela morreu desmoronou a casa. Ficaram 8 irmãos; a caçula tinha 2 anos e eu acabei de criar. Fui irmã-mãe.”
A., homem, 66 anos
“Minha mãe se chamava M. D. de J. Ela era filha de índios, mineira, era uma benzedeira de crianças e adultos. No sítio onde a gente morava e quem tinha problemas ia lá em casa. Em 1950 e pouco teve a febre tifo e amarela e muitas pessoas ficaram atacadas e a procuravam e ela benzia. As tulhas de café estavam vazias e forravam com folha de bananeira e punha as pessoas deitadas nas folhas e depois do benzimento iam pro banho. Saravam. Era conhecida como a M. Benzedeira. Muito carinhosa, criou 7 filhos. Não conheci meu pai nem de fotografia. Minha mãe era uma pessoa enérgica e dizia para nós, os filhos: Quando eu tiver conversando com alguém, nem passe perto e nem pergunte o que estou conversando. Não é coisa de criança. Na hora da visita, os filhos não participavam. Fui criado naquele regime e não existia o que existe hoje.”
D., mulher, 89 anos
“A gente nasceu e ela deu. Minha mãe teve 24 filhos. Fui criada um pouco aqui, outro pouco ali. Com 17 anos comecei a trabalhar. Me criei, tive sorte com patroa. Minha mãe não ligava pra gente. Nome dela era E. B.”
T., mulher, 87 anos
“Minha mãe se chamava I. Ela parecia uma francesinha, miúda, cabelos compridos, a cara do meu irmão. Ela tinha temperamento muito bom. Ela era calma, atenciosa, vivia para os filhos. Os 2 primeiros filhos morreram e falava muito das filhas N. e R. Só conheci de fotografia, ainda tenho cabelo da R. Ela era loira de olhos azuis como a minha mãe. Minha mãe está sempre presente no meu pensamento.”
L., homem, 64 anos
Minha mãe teve 19 filhos. Só conheci 12. Muito preocupada e quando não estivessem todos dentro de casa ela não ia dormir. Dei muita preocupação pra ela. Ela ficava rezando pra eu chegar em casa. O nome dela era G. Tinha gênio bom demais. Só fazia o bem. Trazia pessoas para comer em casa. Muitos irmãos não compreendiam nossa mãe. Não esqueço da minha mãe. Quando ela morreu minha vida acabou-se!
Este pequeno recorte revela a potência das narrativas, e a importância da escuta sensível. Noto que os idosos se sentem “agradecidos” e reconhecidos quando veem seus relatos escritos. Concordamos com Momberger (2008, p.97) quando afirma “nós não fazemos a narrativa de nossa história porque temos uma história; temos uma história porque fazemos a narrativa de nossa vida.”
Referências
MOMBERGER, C.D. Biografia e formação continuada: a experiência e o projeto In Biografia e Educação Figuras do indivíduo – projeto. Paulus /Edufrn, 2008.
NETROVSKI, A. Historias de avô e avó. Cia das Letrinhas. São Paulo, 2000.
* Rita Amaral – Pedagoga, pesquisadora do Grupo de Estudos da Memória- GEM/ NEPE, PUCSP. Membro da rede de Colaboradores do Portal. Email: rita@oficinamemoriaviva.com.br