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Idosos, e com AIDS

Uma preocupante estatística tem deixado médicos em alerta. Os casos de Aids na população idosa estão alcançando índices alarmantes. Dados do Ambulatório de Aids do Idoso do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo ¿ um dos principais centros de referência no tratamento da doença no País ¿ mostram que nos últimos três anos o total de pessoas com mais de 60 anos atendidas mensalmente no serviço aumentou 400%. Saltou de 20, em 2005, para 100, em 2007. Pelo menos 20 delas são indivíduos recém-contaminados. Outro dado que chama a atenção refere-se ao perfil dos pacientes. Segundo o relatório, 85% são homens, 75% casados. E 80% se contaminaram em relações sexuais sem proteção. “Essa constatação revela o risco que as esposas estão correndo. Muitas se infectam por meio dos maridos”, afirma o infectologista Jean Gorinchteyn, médico do centro.

Greice Rodrigues, Colaborou Fernanda Mendes *


Dificuldade no diagnóstico
Terezinha Vilela –
72 anos, socióloga e professora universitária aposentada. “Sempre tive boa saúde. Mas quando fiz 56 anos, comecei a sentir cansaço, a ter febre e diarréia. Por causa disso, fui internada. Passei um mês no hospital sem que ninguém descobrisse o que eu tinha. Os médicos só diziam que eu tinha uma doença no meu sistema de defesa. Voltei para casa e os sintomas não melhoraram. Novamente, fui para o hospital. A esta altura, estava bastante debilitada. Nesta internação, fui atendida por um médico que decidiu investigar se o que eu tinha não era Aids. Mas ele não falou comigo. Pediu à minha família autorização para me submeter ao teste. Mesmo surpresos, meus familiares concordaram. Dias depois, o médico contou a mim e à minha família que o resultado era positivo. Jamais pensei em ouvir esse diagnóstico. Mas eu me descuidei. Depois que me separei, anos antes de tudo isso, tive um relacionamento sem me proteger. Ninguém acredita que pode se infectar com a Aids a essa altura da vida. Nem eu e nem os médicos. Meu diagnóstico demorou a ser feito porque muitos deles não levantavam a possibilidade de uma pessoa mais velha ter a doença. Na hora da notícia, não chorei. Apenas pensava que queria ficar viva para ver meus dois netos crescerem. Encontrei apoio na família e no Grupo pela Vida, um espaço de convivência onde dividimos as dores e nos fortalecemos.”

Outra estatística, do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids, do Ministério da Saúde, aponta a mesma tendência registrada pelo Emílio Ribas. Em 2000, foram notificados 29.778 casos na população até 49 anos. Seis anos depois, eram 32.628. Ou seja, um crescimento de 10%. Já entre os indivíduos com mais de 60 anos, o aumento foi de 65% no mesmo período. Em 2000, foram notificados 675 casos. Em 2006, o número subiu para 1.113. “Essas pessoas não envelheceram com a doença. Elas se contaminaram numa fase mais madura da vida”, afirma a médica Mariângela Simão, diretora do Programa Nacional de DST/Aids.

Há várias explicações para esse fenômeno. O primeiro é o incremento da vida sexual dos mais velhos favorecido pelos remédios contra impotência. Depois, há o aumento da expectativa e da qualidade de vida proporcionado principalmente por medicamentos com menos efeitos colaterais. Com mais vigor, eles trabalham, se divertem e se relacionam mais. “Isso configura uma situação de risco porque entre essa população o sexo é praticado sem proteção”, diz Mariângela. A médica toca em um ponto crucial. Entre homens e mulheres com mais de 60 anos, há a percepção de que não correm risco de serem infectados. “Eles são de uma geração que cresceu sem a Aids e, por isso, vivem como se fossem imunes ao vírus”, afirma a especialista.

O crescimento de casos de idosos portadores do HIV coloca um grande desafio à medicina e aos governos. Isso porque algumas peculiaridades precisam ser consideradas no que diz respeito ao tratamento e às políticas de prevenção. Como impedir a proliferação da Aids nessa população? Como encontrar o melhor tratamento que leve em conta as limitações físicas dos idosos? A medicina corre atrás das respostas enquanto aplica os recursos de que dispõe. Hoje, o coquetel de drogas anti-retrovirais, que atacam o vírus, é a conduta-padrão de terapia. O problema é que uma pessoa mais velha em geral já é portadora de doenças como diabete e distúrbios cardiovasculares, enfermidades que podem ser agravadas pelo uso dos medicamentos contra a Aids. Por isso, é preciso escolher aqueles que apresentam menor risco de complicações.

Aventuras amorosas sem proteção
Francisco Rosa –
74 anos, segurança. “Fui casado por 40 anos com um mulher maravilhosa. Uma esposa exemplar. Tivemos sete filhos. Mas depois que ela morreu, eu me sentia muito só. Tinha 65 anos e uma saúde de ferro. Meus filhos me diziam que eu deveria encontrar uma mulher e casar novamente. Então comecei a ter algumas aventuras amorosas. E tudo sem proteção. Na minha época não tinha esse negócio de usar camisinha para fazer sexo. Nunca havia usado com a minha esposa e nem por isso tinha tido qualquer problema. Já tinha ouvido falar de Aids, mas nem sabia direito o que era. Quando comecei a sair com outras mulheres, não me preocupei com isso. Tive um relacionamento com uma moça que tinha 29 anos. Na época eu estava com 69. Ficamos juntos por um tempo, mas depois nos separamos porque ela bebia muito. Meses depois, tive uma pneumonia. Fiquei internado por quatro meses. Emagreci 30 quilos. Os médicos me perguntaram se eu podia fazer o teste da Aids. Mesmo sem saber direito o que era, concordei. Quando chegou o resultado, tudo que eu tinha feito veio na minha cabeça e me lembrei na hora da mulher. Pedi aos médicos que avisassem à minha família. Eles foram compreensivos e carinhosos.”

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Outro desafio é identificar a doença rapidamente. Como se trata de um cenário novo, os profissionais de saúde não estão habituados a pensar em Aids como uma possibilidade de diagnóstico. O resultado é que não são poucos os casos de pneumonias e diarréias tratadas como sintomas de qualquer outro problema, menos Aids. A mesma coisa ocorre com a demência, sinal de males típicos do envelhecimento, como o mal de Alzheimer, mas também com chance de acontecer com soropositivos.

Na verdade, a raiz dessa falta de atenção pode estar na maneira como em geral a sociedade encara a sexualidade na velhice. “O velho é invisível como cidadão. Ninguém imagina que aquele senhor ou senhora de cabelos brancos tenha vida sexual ativa”, afirma Gylce Cruz, coordenadora do curso de pós-graduação em infectologia e geriatria da Universidade Católica de Santos, em São Paulo. A pesquisadora é uma das poucas no País que se dedicaram a estudar o assunto com mais profundidade. Entre 1999 e 2003, ela realizou sua tese de mestrado traçando um perfil epidemiológico de soropositivos na terceira idade atendidos no município paulista. Foram estudados 54 homens e 43 mulheres com idades entre 60 e 79 anos. Entre outros dados, o estudo mostrou que 31,5% dos homens tinham se infectado em relações com múltiplas parceiras. Em relação às mulheres, 39,5% haviam sido contaminadas pelos maridos. “É ingênuo pensar que o idoso não se relaciona sexualmente. Portanto, é urgente que se criem medidas preventivas para essa faixa etária,” afirma Gylce. Porém, um dos sinais de quanto a questão ainda é ignorada é o fato de o assunto não ter entrado na pauta de prioridades da Organização Mundial da Saúde, por exemplo.

Além das questões que envolvem a prevenção e os cuidados físicos, os especialistas têm pela frente a tarefa de criar um sistema de apoio psicológico dirigido aos mais velhos, considerando sua situação. “A família fica abalada. É difícil para aquele homem visto como o bom pai, o avô carinhoso, por exemplo, assumir que está com Aids”, afirma Gorinchteyn. Quanto às mulheres, se forem casadas, há o ressentimento de terem sido infectadas por companheiros de anos e anos de casamento. “Mas em nome da família e da longa caminhada que o casal tem junto, ela o acolhe e passa a cuidar de si e da saúde do companheiro”, conta o médico.

Enganado pela aparência
Sérgio de Abreu Santos –
67 anos, administrador de empresas. “Estava com 51 anos e tinha mantido vários relacionamentos. Anos antes, fiz um teste para detecção de HIV depois da morte de um parceiro por causa da doença. Como o resultado deu negativo, fiquei sossegado. Tempos depois, conheci um rapaz. Ele tinha 21 anos e um físico invejável. Nem passou pela minha cabeça que ele poderia estar infectado. Se eu, com mais de 50 anos e depois de tantas experiências, não havia me contaminado, como um rapaz como ele poderia ser soropositivo? Naquela época, a imagem que eu e a maioria das pessoas tinha da Aids era a de uma doença que deixava as pessoas com péssima aparência, e em questão de meses. Não era o que eu via no meu companheiro. Iniciamos uma vida conjugal, mas sem pensar na prevenção. Quatro meses depois, meu parceiro fez um teste para HIV incluído numa bateria de exames admissionais para um emprego. Deu positivo. Continuamos nosso relacionamento sem prevenção. Em 1991, foi a minha vez de receber o diagnóstico positivo. Um ano depois, meu parceiro morreu. Até hoje não tive infecções oportunistas, embora sofra as mazelas dos efeitos colaterais dos anti-retrovirais, que nos reduz a quase esqueletos e nos deixa constrangidos até para expor o corpo na praia e tomar um banho de mar.”

A vergonha e o medo de serem julgados fazem com que mais da metade dos pacientes não conte às famílias. Também é comum recorrerem a disfarces para não ser descobertos. Mentem que vão ao cardiologista quando precisam ir ao infectologista, trocam a embalagem dos remédios e pedem ao especialista que não se identifique se precisar ligar para suas casas. O militar aposentado João, 60 anos, de Brasília, portador há quatro anos, é um dos que escondem sua condição. “As pessoas são preconceituosas. Ficaria muito deprimido se sofresse discriminação”, diz.

Preconceito destruidor
Beatriz Pacheco –
60 anos, advogada. “Fui casada durante 24 anos com o pai dos meus quatro filhos. Ele me deixou por outra mulher. Anos depois, comecei um relacionamento com outro homem. Ele tinha cirrose hepática e fazia transfusões de sangue. Como éramos parceiros fixos, fazíamos sexo sem proteção. Nem sequer pensava em Aids. Para mim, e naquela época, a doença era vista como a “peste gay”. Em 1997, recebi o diagnóstico. Fiquei chocada. Minha família também. A médica disse que eu teria 18 meses de vida. Vivi como se me despedisse de tudo a cada minuto. Mas socialmente foi tudo muito estranho. Me sentia uma pessoa diferente e tinha a sensação de que todo mundo sabia o que estava acontecendo comigo. Muita gente se afastou. As pessoas não nos olham como cidadãos. Somos vistos como indivíduos diferentes. Decidi lutar contra esse preconceito e ingressei no Movimento das Cidadãs PositHIVas, que dá apoio às mulheres infectadas. A discriminação alcança nossas famílias. Muitas vezes, meus filhos, que em momento algum me abandonaram, foram chamados nas empresas em que trabalhavam para que dissessem se tinham HIV porque, depois do meu diagnóstico, passaram a falar sobre prevenção. O preconceito que sofremos foi tão destruidor que até hoje há quem afirme que meu ex-marido, que por fim morreu de câncer, não de Aids, faleceu vítima do HIV!”

Fonte: Revista IstoÉ – Fevereiro de 2008

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