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Idosos contam a jovens como era “antigamente” em Portugal

Adolescentes do Laranjeiro vieram falar com idosos que vivem, muitos deles sozinhos, em prédios cada vez mais cobiçados pela indústria turística. Perguntaram-lhes sobre como se vivia antes do 25 de Abril. As opiniões divergiram. Mas, na sala, a comunhão foi total.

Samuel Alemão

 

O regime autoritário de inspiração fascista de António de Oliveira Salazar, vigente desde 1933, foi deposto resultante de um movimento social, ocorrido a 25 de abril de 1974 (mais conhecido como Revolução dos cravos), iniciando-se com um processo que viria a terminar com a implantação de um regime democrático e com a entrada em vigor da nova Constituição a 25 de abril de 1976, com uma forte orientação socialista na sua origem. Seguiu-se um período de grande agitação social, política e militar, marcado por manifestações, ocupações, governos provisórios, nacionalizações e confrontos militares até as primeiras eleições legislativas da nova República.

Como era viver antes do 25 de Abril

“Aqueles que não podiam casar outra vez, amantizavam-se”. Camila, 85 anos, solta um riso como que a sublinhar o óbvio. A resposta à curiosidade de uma adolescente sobre como era a vida daqueles que, durante o Estado Novo, queriam contrair matrimónio por uma segunda vez sai-lhe como um fluxo natural. Com uma surpreendente vitalidade, a contrariar o que seria de supor na sua idade. Ela e outra dúzia de idosos da Baixa pombalina recordaram, a um grupo de oito jovens, com idades entre os 11 e os 19 anos, provenientes de bairros carenciados do Laranjeiro, Almada, e participantes no Programa Escolhas, como era viver antes do 25 de Abril.

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Numa sala de um primeiro andar da Rua da Prata, em instalações da nova Junta de Freguesia de Santa Maria Maior – que agregou uma dúzia de freguesias do centro histórico de Lisboa -, assistiu-se, mais do que a uma lição de história, a um compêndio de estórias. Tantas quanto as contidas nas biografias de que cada um. Dinamizado pelo Projeto Mais Proximidade, Melhor Vida (MPMV), do Centro Social e Paroquial de São Nicolau, o encontro foi o culminar de um trabalho de várias sessões de convívio, em que se discutiu a “revolução dos cravos”, realizadas mensalmente com 20 idosos – de um total de 122 apoiados pela instituição, no território correspondente às antigas freguesias de São Nicolau, Madalena, Santa Justa e São Cristóvão e São Lourenço.

O projeto, que se desenvolve há já quatro anos, tem como principal objectivo dar apoio aos muitos idosos daquela área que estão sozinhos. Nascido de um levantamento das necessidades dessa população, realizado no terreno pela Universidade Católica Portuguesa, privilegia uma “intervenção muito personalizada”, diz Maria João Xavier, a psicóloga do MPMV responsável pela dinamização destas atividades e que ontem serviu de moderadora na conversa entre as duas gerações. “A principal preocupação destas pessoas é a solidão, a falta de convívio. E nós tentamos dar resposta a isso, através de um acompanhamento quotidiano e também de atividades como esta”, explica a técnica.

Um trabalho que é complementar ao apoio social já garantido por outras entidades, como a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Se esta se encarrega de suprir as necessidades mais básicas, como a alimentação, a missão do projeto MPMV é mais “ao nível dos afectos”, promovendo a autoestima dos idosos, estimulando as suas capacidade cognitivas e apostando na integração social dessas pessoas. Esta é uma necessidade que ganha especial relevo, numa altura em que a Baixa deixou de ser um território reconhecível para a maior parte das pessoas que ali vivem há muito. O turismo e os negócios a ele associados, como os hotéis, vão ganhando terreno a ritmo acelerado. Muitas vezes, os donos dos prédios esperam apenas que o único habitante do seu imóvel faleça para poderem também eles abrir um hotel.

Mas esse é um assunto que pouco dirá ao grupo de rapazes e raparigas “da outra banda” que ontem se juntou na mesma sala que os dois homens e as onze mulheres com idades entre os 70 e os 90 anos. Mais do que sobre o 25 de Abril, falou-se sobre “o antes da revolução”. E também do contraste desse tempo face à atualidade – o que aos miúdos mais pareceu o relato de uma era demasiado longínqua para sequer a conseguirem imaginar. Assistiu-se ao saciar da curiosidade sobre tudo um pouco: dos assuntos mais centrais, como as liberdades de expressão e de associação política, aos mais comezinhos, como a forma de os casais dançarem nos bailes. Para além dos direitos cívicos, as diferenças materiais entre as duas épocas foram igualmente evidenciadas.

“Na vossa idade, não tínhamos sapatos para calçar e a roupa era pouca. Mas conseguimos sobreviver e, no final de contas, ter uma vida feliz. As coisas, agora, estão mal, mas peço-vos que não desanimem, porque isto tem alto e baixos”, dizia, a dada altura, Alzira, de 70 anos, em jeito de prescrição aos adolescentes, após ter confessado a apreensão sobre o que será deles, “quando se reformarem”. Esta mulher, que vive na Baixa há três décadas, depois de ter vindo de Marvila, reforçava ao Corvo, no final da sessão de ontem, a sua preocupação com os jovens. Mas com a consciência de ter vivido um tempo “muito pior”.

Fonte: O Corvo – Sítio de Lisboa. Disponível Aqui . Acesso em 23/04/2014.

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