Quem teme a velhice, sentirá um estranhamento, alguma dificuldade para digerir o filme Histórias Mínimas, de Carlo Sorín.
Don Justo não pode sequer ficar de pé. O filho corre a socorrê-lo: deixe que eu faço; deixe que eu pego, deixe a vida comigo. Don Justo permanece sentado, como diria Raul Seixas, esperando a morte chegar. Não pode desfrutar o jantar, a nora corta e recorta o bife até esmigalhá-lo para não exigir esforços do sogro velho e cansado. Don Justo vive uma vida insossa. Vive a morte na vastidão da Patagônia.
Três histórias se cruzam no filme “Histórias Mínimas”, de Carlo Sorín, mas é a história de Don Justo que se destaca. O velho, herói fora de hora, recebe um chamado à aventura. O arauto, um empoeirado caminhoneiro, diz acreditar ter visto Malacara, o inseparável cão de Don Justo que o largou depois de sofrer uma grande decepção, em um canteiro de obras na província de San Julian.
Há poucos dias o velho havia ganho de um alpinista uma bota novinha. O objeto mágico manda sinais, convence o velho que pode levá-lo a qualquer lugar. Don Justo atende ao chamado.
Outros dois moradores da região seguem na mesma direção atendendo a chamados distintos. Maria Flores, sorteada para participar de um programa de TV tipo Roda da Fortuna, deseja não apenas o grande prêmio, mas aparece para o mundo dentro daquele quadrado mágico. Roberto, vendedor ambulante, segue para San Julian com o objetivo de comemorar o aniversário de Rene, filho da mulher dos seus sonhos, uma viúva que perdeu o marido em um raro acidente provocado por um raro carro.
A peãozada comemora o fim da jornada com música, bebida e churrasco. Don Justo entra na dança, bebe, saboreia nacos de carne rasgadas com os dentes e baila com a vida. Don Justo vive. Dorme no alojamento e no dia seguinte tem uma conversa muito séria com o cão fujão.
Contando assim não dá para se ter uma ideia dos meandros dessa história que tem início no consultório de um oftalmologista e termina com Don Justo alcançando o perdão que fará com que os últimos anos de sua vida se tornem mais leves.
A história de Don Justo está umbilicalmente ligada a do vendedor Roberto. Eles não sabem, e se você cochilar é provável que fique sem saber. Mas isso não altera em nada a beleza do filme, das jornadas empreendidas por cada personagem e o resultado inusitado de cada uma delas.
Quem teme a velhice, sentirá um estranhamento, alguma dificuldade para digerir o filme. Embora tenha outras duas histórias marcantes, a história de Don Justo é a que impacta mais. Faça um teste e depois nos conte como foi assistir a Histórias Mínimas do diretor argentino Carlo Sorín com o brilhante roteiro de Pablo Solarz.