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Gerofobia

A constatação de que vivemos uma revolução da longevidade, fruto de um continuado aumento da esperança de vida e um galopante processo de envelhecimento populacional, coloca a gerofobia (social, profissional e comunitária), ainda tão arraigada no seio de uma sociedade que sobrevaloriza a cultura da eterna juventude e cultiva o preconceito e estereótipos com relação à pessoa idosa, como um profundo desafio a ser vencido na busca por uma sociedade de todas as idades e na formação de uma nova cultura gerontológica, que inclusive contribua para redução da violência e maus tratos contra idosos.

Neilson Santos Meneses *

Ainda que as transformações demográficas tenham cada vez mais repercutido no aumento da proporção e do número de idosos na sociedade de maneira global, se observa que certos estereótipos com relação a velhice seguem prevalecendo como visões parciais e confusas desta etapa da vida (Martinez, 2010; Gomes, 2012; Fraiz, 2015). Um conjunto de atitudes, em geral negativas que se expressam de diferentes maneiras, no que diz respeito ao envelhecimento, ainda que nem sempre de modo intencional, caracteriza a gerofobia (do grego gero=velho ou idoso fobos=temor, medo) que atrás do racismo e sexismo é a terceira forma mais comum de discriminação. Termo utilizado pela primeira vez pelo gerontólogo norte-americano Robert Butler, o mesmo implica em consequências prejudiciais e visões e atitudes depreciativas para com os idosos, a exemplo da discriminação pela idade ou da imposição da perda de protagonismo, que se observa a partir de uma lógica marginalizadora, respaldada socialmente na “ditadura” da idade.

Isso faz com que o status social das pessoas idosas, conscientemente ou inconscientemente, acabe sendo desvalorizado e repercute em baixo reconhecimento social e político, certa invisibilidade, que dificulta a possibilidade de participação social e exigibilidade de direitos.

A imagem da velhice, ainda muito baseada na concepção biológica do envelhecimento, evoca a ideia do declínio e segue muito associada às perdas, enfermidades, isolamento e depressões. Essa imagem é evidenciada na utilização de frases, comentários irônicos, expressões verbais com conteúdo gerontofóbico, que revelam preconceito e reforçam o tratamento pejorativo, configurado nas relações sociais e até mesmo nas relações familiares do idoso. Ideias que levam a comparar a velhice com o inverno da vida, que revelam o peso ou incômodo em conviver com idosos, a quem se atribui o mito da inutilidade ou ainda que reforçam os mitos da incapacidade de aprender, da inflexibilidade ou do isolamento social, são exemplos de uma visão parcial, incompleta e castradora da velhice.

Como se sabe, o envelhecimento humano não apresenta apenas aspectos biológicos, mas também aspectos de caráter social, cultural e histórico, devendo ser entendido nessa multiplicidade e complexidade de fatores, isto é, em uma perspectiva do entendimento do processo de envelhecimento relacionado, por exemplo, aos padrões de sociabilidade e de controle do corpo historicamente determinados. Como se verifica no contexto da sociedade capitalista, onde o idoso em geral é visto como indivíduo passivo, afastado do mercado de trabalho e que se insere no contexto da cultura do descartável, que não serve para nada, devido a sua condição de não se enxergar mais na sua função no mundo do trabalho.

Constata-se ainda que prevalece, na realidade social onde vivemos, o medo de envelhecer, que implica entre outras coisas, em esquemas desumanizadores, traduzidos na repulsa ao “velho”, através da falta de atitude dialógica, da indiferença, de insultos, da exclusão das decisões familiares, entre outras atitudes que acabam afetando a dignidade e a autoestima do idoso e que resultam no aumento da vitimização de idosos, também associada ao crescente processo de envelhecimento populacional.

Em geral, o contexto sociocultural contemporâneo nos induz a atitudes de negação da velhice, decorrente, segundo Martinez (2010), da nossa incapacidade de aceitar nosso destino futuro associado a um “narcisismo corrosivo”, ou seja, estamos apaixonados por nós mesmos jovens”. Isso, nos “obriga” a esconder dentro das possibilidades, os sinais da velhice, como as rugas ou os cabelos brancos. Como destaca Araújo et al (2005) “observa-se a busca incessante pelo rejuvenescimento, as dificuldades dos relacionamentos intergeracionais e outras consequências físicas e psicológicas da gerofobia”. Por outro lado, uma visão idealizadora do envelhecimento, também parcializa a visão da velhice, como ocorre, por exemplo, na utilização de termos como o da “melhor idade”, que segundo Machado (2005) se propõe a ser uma forma de “resistência” aos estigmas sociais do envelhecimento.

Sabe-se que perdas, fazem parte do processo de existência dos indivíduos, mesmo os jovens estão sujeitos a perdas, não sendo as mesmas uma exclusividade da etapa da velhice. Além disso, também para o idoso, as perdas são apenas uma parte do processo de envelhecimento, e segundo a teoria da continuidade (Neugarten, 1968) a velhice necessariamente não implica em mudanças drásticas de vida, mas uma extensão das etapas anteriores. Sendo assim, o envelhecimento também traz consigo o potencial para o desenvolvimento pessoal e coletivo, a exemplo da continuidade do rendimento intelectual ou crescimento psicológico que não diminuem com a idade. Nesse sentido, a atitude de assumir ou vivenciar essa fase da vida de maneira consciente resistindo aos estigmas sociais e sem a idealização que muitas vezes se busca construir como fuga a visão negativa sobre a velhice, pode ser uma saída a ser construída.

Para tanto e como forma de combate a essa realidade, se faz necessário trabalhar o processo educacional coletivo, a partir da lógica de emancipação humana e que logre uma aprendizagem onde se desassocie a visão do envelhecimento da perspectiva fragmentada presentes em ideias como de fragilidade, dependência ou ainda do tratamento de caráter paternalista e assistencialista, que por vezes desembocam no infantilismo (tratar idosos como crianças) e estimula a visão do idoso apenas como objeto de cuidados, tendo o efeito da coisificação da pessoa idosa.

Segundo Silva (2005), “faz-se necessário que o envelhecer seja percebido nos seus mais diversos aspectos” uma percepção mais abrangente do indivíduo idoso que possa gerar maior apreço e reconhecimento por parte do seu entorno de vivência. Deve-se ter em conta a fundamental importância de combater a gerofobia, ainda tão arraigada no seio de uma sociedade que sobrevaloriza a cultura da eterna juventude e cultiva o preconceito e estereótipos com relação à pessoa idosa, que segundo Palmore (1999) se divide em pelo menos três categorias: a gerofobia social (exclusão de idosos com relação às políticas públicas e serviços de saúde) a gerofobia profissional (mau trato por parte dos profissionais que interagem com os idosos) e a gerofobia comunitária (negligência e pouca atenção por parte da comunidade com relação as necessidades e uso de serviços sociais por parte dos idosos, comparada a outas parcelas da população).

Vale destacar também que a população idosa não é homogênea e nesse sentido é preciso ter em conta que dentro da diversidade e pluralidade deste coletivo de pessoas a gerofobia, varie, entre outros fatores, em função do gênero, em geral sendo mais acentuado com relação às mulheres idosas, em função da escolaridade, as pessoas idosas de menor grau de escolaridade são mais susceptíveis à gerofobia e em função da idade, se detecta maior gerofobia com relação aos idosos de idade mais avançada.

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A constatação de que vivemos uma revolução da longevidade, fruto de um continuado aumento da esperança de vida e um galopante processo de envelhecimento populacional, coloca a gerofobia como um profundo desafio a ser vencido na busca por uma sociedade de todas as idades e na formação de uma nova cultura gerontológica, que inclusive contribua para redução da violência e maus tratos contra idosos.

Dar maior visibilidade ao problema e sensibilizar as pessoas sobre a gerofobia pode resultar em transformações no imaginário social sobre envelhecimento e com isso ajudar a construir imagens mais realistas sobre esta etapa da vida, desmitificando os estereótipos existentes. Isto significa que devemos refletir sobre as nossas crenças e atitudes sociocultural e historicamente difundidas e que configuram nosso tratamento para com os idosos. Pelo que parece, ainda temos que trilhar um bom caminho, para qual os estudos, pesquisas e particularmente os meios de comunicação social, devem contribuir, para alcançar uma percepção mais adequada da velhice, que evite a discriminação e incentive um envelhecimento saudável e ativo.

Referências

ARAUJO, Juliana Gomes de et al. Representações Sociais do Medo de Envelhecer: Um Estudo sobre Gerofobia na Amazônia. In: REUNIÃO ANUAL DA SBPC, 57, Fortaleza, 2005. Anais eletrônicos. São Paulo: SBPC/UECE, 2005. Disponível Aqui. Acesso em 10 de junho de 2015.

BUTLER, R.N. Age-ism: Another form of Bigotry. The Gerontologist, 9, 1969.

FRAÌZ, Teresa Orosa. Portal Granma, 28/04/2015. Habana, Cuba, 2015. Disponível Aqui . Acesso em 10 de junho de 2015.

GOMES, Iara de Oliveira. Narrativas fílmicas na educação para a velhice. Dissertação de mestrado, programa de Pós – Graduação em Educação, Universidade Estadual de Maringá, UEM, 2012.

MACHADO, Selma S. L. Pessoas Idosas Responsáveis por Domicílios Familiares e Novas Faces da Velhice, em Belém-PA. In: Anais do Congresso Social da Amazônia. (4.:PA), 2005.

MARTINEZ,María
Belén
Serantes. Maltrato
y
Discriminación
por
Razón
de
Edad. Memorias Finales. IV CONGRESO MAYORES SIN FRONTERAS IMPACTANDO EL DESARROLLO INTERGENERACIONAL, FIAPAM, Medellin, Colômbia, 2010. Disponível Aqui. Acesso em 10 junho de 2015.

NEUGARTEN, B. L. Adult personality: Toward a psychology of the life cycle. Em B. L. Neugarten (Org.).Middle age and aging: a reader in social psychology (pp. 137-147). Chicago: University of Chicago Press, 1968.

PALMORE, E. Edadismo: Negativo y Positivo (2ª ed). New York: Springer, 1999.

SILVA, Marina da Cruz. O processo de envelhecimento no Brasil: desafios e perspectivas. Textos Envelhecimento. V. 8.n. 1. Rio de Janeiro, 2005.

(*)Neilson Santos Meneses – Doutor em geografia pela Universidade de Zaragoza-Espanha. Prof. do Departamento de Geografia, Universidade Federal de Sergipe. É membro da Rede de colaboradores do Portal do Envelhecimento. Email: nmeneses@bol.com.br

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