Quando não possuímos aparatos de fé, uma religião para nos assemelhar ao criador e nos fazer eternos, o futuro poderá ser encarado como encontro único com a finitude, o caos, a falta de lógica da vida, o medo. Pois, é por lá, onde está construída a inevitável e não contraditória residência da traiçoeira, oportunista e necessária morte.
Alcides Freire Melo * Texto e Fotos
Quando não possuímos aparatos de fé, uma religião para nos assemelhar ao criador e nos fazer eternos, o futuro poderá ser encarado como encontro único com a finitude, o caos, a falta de lógica da vida, o medo. Pois, é por lá, onde está construída a inevitável e não contraditória residência da traiçoeira, oportunista e necessária morte. Pior, quando por descuido, ou traição ela, a morte, lambe lâminas mortíferas, foge do futuro e chega ao presente, trapaceia e suborna a vida, para destruir todos os tempos, todas as datas, propostas, paixões; transforma quase tudo em saudades. Quebra paradigmas e deixa tudo para continuarmos vivos aos cuidados do passado, das memórias e das lembranças.
O futuro só poderá existir, ser vivido, virar presente e materializado se conseguimos trazer do passado, todos os nossos tempos desperdiçados e nossas várias formas de vida. As histórias traumáticas, as lágrimas alegres e as que doeram ao saírem de dentro da alma, levando pedaços dela, seriam uma referência. Os carrinhos de brinquedo que puxamos nas pistas de corridas da nossa infância. O cheiro de bolo de milho.
A primeira paixão, a falta que senti de ti, o alívio que te dei. O que parecia ser sobra, eram excessos. O que perdeu o valor, o cheiro, o paladar. O que nunca saiu de nossas bocas. Quem, por uma vida inteira sonhamos em beijar, pegar, fechar uma porta, juntos. O que ainda cheira. O que foi traição. Quem nós traímos, negamos, enganamos. Quem nos alimentou de tesão, por uns meses.
Um canivete, meu relógio mecânico suíço que recebi de presente do meu irmão e, ele, claro: meu livro. Uma 12, dois canos, para quando decidir morar no Sítio, criar galinhas, plantar tomates e pimentão. Uma moto Trail. Muita lenha pra queimar no fogão. Encontrar com meu grande amigo que chega sempre com uma garrafa de vinho e um charuto cubano. Dar risadas e falar que estamos no “futuro”, comemorar porque que deu tudo certo. Eu, também, confirmado como bagagem de uma grande história vivida.
As fugidas de moto para tomar sorvetes pelas madrugadas. Os Alpes gelados, um olhar. Minha bicicleta “Catirina”, sem freios. Outro Saint Émilion, em Paris, dúzias de Czechvar Premium, em Praga, República Tcheca. Uma viagem de 15 mil Km de Fortaleza – CE até Buenos Aires, Argentina. A mesma companhia para todas estas aventuras. Uma câmera fotográfica. A filha Isadora; o filho Rafael.
* Alcides Freire Melo – Repórter fotográfico e cronista em diferentes periódicos. No Portal do Envelhecimento colabora com crônicas e fotos. Email: alcidesfreiremelo@gmail.com