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Fernanda Montenegro – uma mulher de todos os tempos

No domingo 02/12/2012, quando eu mal acabava de entrar na casa de minha mãe, as primeiras palavras que ouvi além do costumeiro “oi e você dormiu bem a noite, minha filha?”, foram: você precisa ler a coluna da Monica Bergamo [Jornal A Folha de S.Paulo].

Luciana H. Mussi

 

Está imperdível com a entrevista da Fernanda Montenegro. Viu… eu te falo que a velhice não é essa maravilha que todo mundo insiste em dizer! A Fernanda diz isso na matéria”.

Devo esclarecer que minha mãe é uma senhora de 83 anos, nascida, assim como a atriz, em 1929 e que encara sua velhice de um jeito assim…“muito bem, obrigada”, ou seja, melhor não falarmos muito a respeito.

Mantendo nosso acordo silencioso, ela aceita abrir o assunto comigo, mas que fique claro que isso acontece apenas porque trata-se da “soberba” Fernanda Montenegro. Poucas pessoas tem tanta influência, carisma e poder da palavra e do gesto como a atriz. Ela sobreviveu a crueza da indefectível passagem do tempo. Talvez por isso a matéria tenha ganhado o título “Dona do tempo”. Mas prefiro ver Fernanda como uma mulher de todos os tempos, aquela que “pertence” a tudo que realiza.

É interessante pensar como as pessoas, de maneira geral, sentem enorme receio em comentar qualquer coisa que seja sobre a atriz e grande mulher que é Fernanda. Ela parece estar a margem das críticas, tudo que diz é considerado importante, de enorme sabedoria e meio que saído do forno e sempre fresquinho para eternos aplausos de quem tieta, venera e admira.

Esse fato se comprova quando lemos os comentários dos internautas no site da Folha:

Juliano Mattos de Moraes: – Morro de vergonha de tecer qualquer comentário sobre esta mulher, não tenho nem mesmo coragem para adjetivá-la. É uma criatura tão maior que qualquer adjetivo que prefiro dizer que não existe uma palavra sequer que dê conta de demonstrar toda a grandeza deste ser. Contudo, sinto-me honrado de tê-la visto na pele da Vó Manoela, na casca grossa da Naná e, por todos estas mulheres, entendo o porquê de ela recusar os elogios, por ter sido tantas mulheres, sabe que elas só precisam ser respeitadas.

Marisa Clara Pinto: – Concordo com Fernanda Montenegro quando diz: a idade avançada não é elogiosa, e digo o seguinte, a Terceira Idade é a dita como Melhor Idade porque depois dela não existe outra pior.

Francisco Carlos Lopes: – Maravilhosa, Fernanda. Que lucidez! Por isso a parte mais consciente deste país vive tirando o chapéu pra ela. Além da atriz magnífica, um ser humano corajoso, que assume a velhice sem frescuras e sem consolos, recusando-se a entrar nessa “Melhor Idade” que só é melhor idade para médicos e farmacêuticos, nada mais que um golpe de propaganda que deixa patéticas certas criaturas que acreditam muito nele. Fernanda é um exemplo e tanto! Ah, se todas as mulheres idosas desse país fossem assim!

A reportagem começa lembrando a frase irônica da personagem “Dona Picucha” – especial de fim de ano, 2012, da Globo – a um atendente de um laboratório de análises clínicas: “Essa coisa de melhor idade é pra vender pacote de turismo pra velho”. Fernanda concorda: “Não me diga que ter de 80 para 90 anos é a melhor idade. É demagogia”, diz ela à repórter Eliane Trindade.

Poderíamos levantar inúmeras respostas para essa questão quase “insuportável” de viver a velhice, mas o que parece ser o ponto crucial é a proximidade do fim, o enfrentamento da finitude quando há tanto de bom para viver (mesmo que, de fato, não haja).

Esse é, de uma certa forma, o pensamento da atriz quando põe na balança os prós e contras dos muitos anos que carrega: “O mais difícil é saber que você está na fase definitivamente conclusiva da vida. É melhor encarar”.

Um processo entremeado, necessariamente, de muitas perdas: referência de experiências vividas, corpo e mente que já não respondem como gostaríamos e pior, amigos, amantes e amores que se vão levando parte de nós e de nossas histórias. É…a finitude bate à porta de todos, ninguém escapa, nem mesmo os “soberbos”.

Perdas democráticas, todos, um dia, as terão. Lembrando a morte do companheiro de 60 anos de vida, Fernando Torres, a atriz lamenta: “A coisa mais dolorosa pela qual tenho passado é ver a minha geração morrer. Nos últimos cinco anos, morreram, além dele, Paulo Autran, Raul Cortez, Gianfrancesco Guarnieri, Renato Consorte, Sérgio Viotti, Sérgio Brito, Ítalo Rossi e Millôr Fernandes”.

Ela se emociona ao concluir: “Você olha em volta e a sua memória está ligada a todo esse mundo que se vai. É muito forte”. Na lista de baixas recentes, tem ainda Hebe Camargo que, como ela, nasceu em 1929. “Vivemos o mesmo período da história. Quem substitui? Ninguém”.

E continuam morrendo. Hoje, por exemplo, foi a vez do poeta Décio Pignatari. Morreu aos 85 anos.

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É bobagem dizer que tudo e todos são substituíveis. Se assim fosse, apagaríamos a essência de quem somos. Como bem lembra Fernanda, lá se vai, e eu diria, se esvai nossa memória.

Ao mergulharmos no poço fundo das nossas memórias, nada melhor do que as palavras do sociólogo francês Maurice Halbwachs (2006: 30): “Nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isto acontece porque jamais estamos sós. Não é preciso que outros estejam presentes, materialmente distintos de nós, porque sempre levamos conosco e em nós certa quantidade de pessoas que não se confundem”.

Lembranças que invadem o pensamento de quem fica, viúva desde 2008, Fernanda fala da dor da saudade, do seu jeito, sem sentimentalismos extremos: “À noite, eu fico sozinha, não tenho empregada nem dama de companhia”. Ela não se habituou à ausência do marido: “É estranho. Ainda acho estranho, mas não tem solução”.

Quando indagada sobre temer ou não a solidão, sua resposta precisou de tempo: “Essa palavra é tão forte. Eu gosto de estar só. Não que goste de solidão. A minha não é vazia”.

Assim como o cineasta Ingmar Bergman (1918-2007), Fernanda não padece da dor do vazio. Esse, definitivamente, não é um de seus demônios, aliás, não mencionados na reportagem. Quais seriam os demônios de Fernanda Montenegro? Se é que ela os tem.

“Sinto que meus filhos se preocupam”, ele admite. Ela é mãe da atriz Fernanda Torres, 47, e do cineasta Cláudio Torres, 49. “Quando toca o telefone e não atendo logo, um telefona pro outro, que telefona pra produtora, que telefona pro secretário. E eu só estava no banho. Como amor de filho, isso me toca”.

Dona Picucha foi escrita para a atriz. Os quatro filhos da personagem se veem às voltas com o dilema: Quem vai cuidar da mamãe? “É inevitável. A velhice chega, os filhos têm suas vidas, suas casas e suas necessidades. Há uma preocupação de que é preciso dar atenção à famosa terceira idade. É um desassossego para os dois lados”.

“Os quatro filhos da Picucha não são diferentes de nós. Eles têm que levar a própria vida, que não deixa mais espaço para se cuidar dos velhos”, constata o ator Matheus Nachtergaele, um dos filhos na ficção.

Jorge Furtado, o diretor, conta que o papel foi escrito para Fernanda: “É uma mulher da idade dela, que não fez plástica para tentar ficar ‘forever young’”. Fernanda agradece: “Picucha é uma mãe e avó que aceita, com humor, o tempo vivido”.

Quanto ao estica e puxa comum nas atrizes, Fernanda revela: “É de temperamento. Se você quiser tomar banhos de cirurgias plásticas, ótimo. Há quem fique feliz em ir se esticando pela vida, às vezes, com resultados extraordinários. Perdi esse bonde. Quem me quiser, tem que me querer com meus papos, minhas rugas”.

Para as filmagens de “O Tempo e O Vento”, a atriz embranqueceu o cabelo: “Se parasse de representar, e eu não penso nisso, deixaria meu cabelo branco sem problema. Se me der na veneta, não pinto mais”.

Traçando um paralelo entre infância e velhice, Fernanda resume que cada qual carrega seus problemas e inquietudes: “Criança sofre muito. É todo um processo de civilização, de coerção e de enquadramento em cima delas. E isso é uma agressão violenta. Quando ouço alguém dizer que a infância foi a parte mais feliz de sua vida, olho com muita desconfiança. Deve ter sido tão terrível que nem se lembra”.

Fernanda se emociona ao falar de legado: “Nada é mais importante do que meus filhos e netos. Eles justificam a minha vida. Algo meu vai estar lá no fim deste século. Se eles procriarem, parte minha restará pelos milênios afora. Penso muito nessa cadeia de seres que foram se sucedendo e chegaram até mim. Não parei a corrente”.

Como finalizar? Eu diria que mesmo sem filhos e netos, sempre deixaremos um legado, qualquer que seja ele. Com o término da nossa existência, um tanto de nós continua e nas palavras de Charlie Chaplin: “Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha e não nos deixa só porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso”.

Carl Gustav Jung (1875-1961) chamaria esse fenômeno de “sincronicidade” (acontecimentos que se relacionam não por relação causal e sim por relação de significado).

E é por isso que estamos aqui, eu, minha mãe, Fernanda Montenegro, os internautas e você!

Referências

BERGAMO, M. (2012). Dona do tempo. Disponível Aqui. Acesso em 02/12/2012.

HALBWACHS, M. (2006). A Memória Coletiva. São Paulo: Centauro.

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