Pesquisa caracteriza e analisa a interação entre as políticas – Aqui Tem Farmácia Popular do Brasil (ATFP) e a Assistência Farmacêutica à Atenção Básica (Afab) -, situando-as em um contexto mais amplo de desafios e disputas em curso no Sistema Único de Saúde (SUS).
Redação ENSP *
“As políticas farmacêuticas no Brasil têm se pautado pelo acesso aos medicamentos, que atualmente pode ser considerado alto, e deixado questões fundamentais para a consolidação de um sistema de saúde universal e redistributivo, como os altos e regressivos gastos privados com medicamentos, a falta de qualificação dos serviços farmacêuticos – com foco na distribuição de medicamentos em detrimento do cuidado -, e a péssima regulação do setor privado, que permanece como a principal fonte de acesso à medicamentos no Brasil.” Essa discussão foi encadeada pelo aluno do mestrado em Saúde Pública da ENSP Leonardo Vidal Mattos em sua dissertação orientada pela pesquisadora Vera Lucia Luiza. O estudo buscou caracterizar e analisar a interação entre as duas políticas – Aqui Tem Farmácia Popular do Brasil (ATFP) e a Assistência Farmacêutica à Atenção Básica (Afab) – e situá-las em um contexto mais amplo de desafios e disputas em curso no Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com a pesquisa, a Afab é bem mais eficiente na utilização do dinheiro público – os estudos disponíveis estimam que o setor público gasta de 150% a 250% por medicamento subsidiado no ATFP. No entanto, a Afab enfrenta enormes problemas estruturais, de gestão e no cuidado: faltam profissionais (tanto para gestão, quanto para dispensação e cuidado relacionado ao medicamento), estrutura física (armazenamento, local de dispensação precário, falta de refrigeração, internet, sistema de informação, etc.), recursos financeiros, existem graves problemas na programação de compras e aquisição de medicamentos. “São parcos os recursos e a prioridade política dada à qualificação dos serviços farmacêuticos na AB”, disse Mattos.
No ATFP, todos estes problemas são “terceirizados”, explicou o aluno, uma vez que se contrata as farmácias comerciais para isso. Entretanto, continuou ele, além do alto custo, estas também não possuem profissionais qualificados dispensando medicamentos, são estabelecimentos desintegrados do SUS e possuem uma lógica de funcionamento mercantil.
Conforme relata a pesquisa, o financiamento federal do Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB) tem crescido de maneira exponencial – passou de R$247 milhões em 2010 para R$2,4 bilhões em 2014. Enquanto isso, a Afab permanece sem reajuste do repasse federal, que há cinco anos fica por volta de R$1 bilhão anuais para compras de medicamentos do componente básico da assistência farmacêutica. Somando-se este valor ao que estados e municípios devem investir por lei, o PFPB já supera o gasto global com a Afab.
A situação precária da Afab, conforme Mattos, pode ser explicada em partes pelo subfinanciamento que marcou a trajetória do SUS e pela deslegitimação ideológica dos modelos de administração direta pelo Estado, a partir da década de 1990. Por outro lado, estes fatores não explicam o motivo da clara priorização do ATFP (política, financeira e ideológica) frente à Afab. “Uma possível explicação para isso seria a articulação do AFTP com as políticas para o CEIS, que teria como função, entre outras questões, ampliar o consumo de medicamentos genéricos. Pesam também o fato das facilidades trazidas pela gestão terceirizada, em um momento onde os princípios da reforma do Estado já eram aceitos e difundidos ideologicamente.”
Para ele, a priorização do ATFP tem impactos assistenciais: amplia a segmentação do acesso a medicamentos, criando uma terceira forma de acesso; amplia a mercantilização e privatização dos serviços de saúde. Por fim, Mattos disse que tanto o ATFP quanto a Afab, em suas condições atuais, reforçam a noção de atenção básica seletiva.
A implementação do Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB), em 2004, introduziu no país uma terceira fonte de provisão de medicamentos, sendo as outras duas a Assistência Farmacêutica a Atenção Básica (Afab) e as farmácias comerciais. O PFPB trouxe inovações nas políticas públicas para o setor, como a introdução do copagamento e as parcerias com o varejo farmacêutico na modalidade ATFP.
Durante a acelerada evolução do programa, esta modalidade passou rapidamente a ser a mais importante quando comparada com a Farmácia Popular Rede Própria (FPRP) tanto em termos de recursos financeiros destinados quanto em quantidade de pontos de dispensação.
Leonardo Vidal Mattos é farmacêutico graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais (2011), e atua na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sua dissertação, intitulada Assistência Farmacêutica na Atenção Básica e Programa Farmácia Popular do Brasil: uma análise crítica das políticas públicas de provisão de medicamentos no Brasil, foi defendida no dia 7/4, na ENSP.
* Informe ENSP-Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca. Fiocruz/RJ. Texto publicado em 19/05/2015. Disponível Aqui. Foto: Arquivo pessoal.