Com o advento do Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/03, surgiu a possibilidade de se requerer judicialmente, ou até mesmo do Ministério Público, determinar a inclusão do idoso ou a pessoa de sua convivência que lhe cause perturbação, em programa oficial ou comunitário de auxílio e tratamento a usuário e dependentes de drogas ilícitas.
Roberta Terezinha Uvo *
Antes mesmo da entrada em vigor deste Estatuto, já constava no Código Civil, a possibilidade de interdição dos viciados em tóxicos, bem como a possibilidade de “tratamento em estabelecimento apropriado” (inciso III do artigo 1.767 c/c 1.776). Ainda, o artigo 1.777, do mesmo diploma civil, dispõe que quando os viciados em tóxicos não se adaptarem ao convício doméstico serão recolhidos em estabelecimento adequados.
Além da esfera cível o legislador pátrio se preocupou com a criminal e aprovou a Lei nº 11.343/06, nova Lei de Drogas, que entrará em vigor no dia 8/10/2006, na qual consta que o usuário de drogas não se submeterá a pena privativa de liberdade, sendo aplicadas as seguintes medidas sócio-educativas, isoladas ou cumulativas: advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviço à comunidade e comparecimento a programa ou curso educativo (incisos I, II e III do artigo 28 da Lei de Drogas). Além disso, dispõe o § 6º, do referido artigo, que para a garantia do cumprimento dessas medidas educativas, “a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submete-lo, sucessivamente a: I – admoestação verbal; II – multa”.
Referente ao assunto, o promotor de justiça aposentado, Eudes Quintino de Oliveira Júnior conclui que:
Não vai ocorrer a legalização do uso de drogas, o ato continua sendo crime, porém, não se aplica pena restritiva de liberdade e sim uma medida de caráter educativo. A pena de prisão foi afastada justamente para que o agente possa se recompor socialmente, tendo consciência da ilicitude de sua conduta e oportunidade para se submeter a tratamento de desintoxicação. A intenção é recuperar o homem e não penalizá-lo. Tanto é que a própria lei determina ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado. (In: A nova lei de drogas. Migalhas. (disponível aqui. Acesso em: 13 set. 2006.)
Contudo, infelizmente o Poder Público não está adequadamente preparado para atender os comandos, que se encontram expressos no Código Civil, no Estatuto do Idoso e na nova Lei de Drogas, uma vez que faltam estabelecimentos adequados destinados ao tratamento de dependentes de drogas ilícitas.
No presente momento, pode-se vislumbrar a existência de várias casas, centros, clínicas de recuperação, comunidades terapêuticas, que na maioria são mantidas por instituições religiosas e conveniadas com o Poder Público. No entanto, a maioria desses ”centros terapêuticos” disponibiliza um tratamento deficitário, ofertando a crença na força divina (não que essa não seja importante), esquecendo de que os dependentes químicos possuem em seu organismo uma química, necessitando, dessa forma, de tratamento especializado, com acompanhamentos médicos, psicológicos, dentre outros.
O reflexo desta negligência do Estado é vivenciado no dia-a-dia de boa parte dos idosos brasileiros, pois o filho, o neto ou qualquer outra pessoa dependente químico que reside com eles, brigam, falam palavras de baixo calão, furtam, ameaçam e cometem diversos crimes contra seus ascendentes idosos com intuito de angariar dinheiro ou objetos para serem trocados por drogas ilícitas.
Destaca-se que é dever das Entidades Públicas prestarem serviços e desenvolver ações voltadas para o atendimento das necessidades básicas do idoso, conforme dispõe o artigo 10 do Estatuto do Idoso:
Art. 10. Na implementação da política nacional do idoso, são competências dos órgãos e entidades públicos:
I – na área de promoção e assistência social:
a) prestar serviços e desenvolver ações voltadas para o atendimento das necessidades básicas do idoso, mediante a participação das famílias, da sociedade e de entidades governamentais e não-governamentais.
b) estimular a criação de incentivos e de alternativas de atendimento ao idoso, como centros de convivência, centros de cuidados diurnos, casas-lares, oficinas abrigadas de trabalho, atendimentos domiciliares e outros.
Ademais, dispõe o artigo 3º da referida Lei que:
Art. 3º. É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitário.
Referente ao artigo supramencionado, explica Paulo Alves Franco, que:
A Lei fala em obrigação e não em faculdade que têm a família e as entidades públicas em assegurar esses direitos ao idoso. Se a família não tiver condições para socorrê-lo o poder público o substituirá dentro da sua possibilidade. (In: Estatuto do Idoso Anotado. São Paulo: LED, 2004. 169 p.)
Essa é uma questão que geralmente assola as famílias do idoso, tendo em vista que a grande parte não possui condições de estar custeando o tratamento adequado para o dependente químico, porque quando o estabelecimento de saúde não está conveniado ao Sistema Único de Saúde – SUS, cobram mensalmente quantias avassaladoras.
Não tendo condições de arcar com os altos custos, a família acaba por deixar o dependente químico internado em uma instituição que possui a indicação “casa de recuperação”, com a esperança de que o membro de sua família não venha mais a utilizar drogas. Infelizmente são para esses estabelecimentos inadequados que ao aplicar o disposto nas leis brasileiras juízes e promotores de justiça encaminharão os dependentes químicos que convivem com idosos, bem como o próprio idoso dependente químico, os quais, na maioria, brevemente voltarão para “aterrorizarem“ seus familiares.
Ocorre que a União, os Estados, o Distrito Federal, assim como aos Municípios estão incumbidos, nos termos do artigo 23 da Constituição Federal, de “combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos menos favorecidos” (inciso X). Nesse sentido, determina o artigo 230:
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
Nesse contexto, fundamentou o Promotor de Justiça Jean Pierre Campos, na Ação Civil Pública de nº 033.05.007851-0, da Comarca de Itajaí – Santa Catarina, na qual figura como réu o Município:
Cabe, desta forma, concorrentemente à União, aos Estados e aos Municípios, em especial a este último quando se trata de interesse local, a garantia de que nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e de que todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão será punido na forma da lei, conforme determina o art. 4° da Lei n° 10.741/03.
Nessa ação, que está em curso, o Promotor de Justiça tem como objetivo segundo dispõe em seu pedido definitivo que:
Seja condenado o réu a manter programa permanente de garantia dos direitos previstos na Lei n° 10.741/03, em especial que preveja atendimento aos parentes de pessoas idosas que lhes causem perturbação em virtude de dependência de drogas lícitas ou ilícitas.
São de profissionais com vontade e garra, comprometidos com a dignidade e paz dos idosos, que a sociedade está urgentemente necessitando. Grife-se que o Ministério Público não é o único legitimado para pleitear direitos como esses, ou seja, as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre os fins institucionais a defesa dos interesses e direitos das pessoas idosas, bem como na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, são também legitimados de acordo com o artigo 81 do Estatuto do Idoso.
Logo, verifica-se que as leis no ordenamento jurídico brasileiro estão nitidamente voltadas a “recuperação do homem”, porém, o Estado está sendo omisso na implementação de políticas públicas dirigidas ao tratamento para dependentes químicos idosos ou de indivíduos que convivam com esses, deixando, dessa forma, de assegurar ao idoso o seu direito à vida, à saúde, à dignidade, ao respeito e à convivência sadia.
*Artigo apresentado no IV Congresso Nacional de Direito de Balneário Camboriú, realizado nos dias 29 e 30 de setembro de 2006, na cidade de Balneário Camboriú/SC)
**Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Aluna do curso de Pós-Graduação em Preparação para a Carreira do Ministério Público e da Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal. Servidora do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Pesquisadora Mentora do Portal do Envelhecimento da PUC-SP. E-mail: ruvo@mp.sc.gov.br