Um dos principais focos da mídia ao abordar o envelhecimento é o uso de medicamentos. O ”velho acabado” é ilustrado como dependente de inúmeros remédios e o ”velho enxuto” não precisa deles ou toma-os de maneira preventiva. Temos aqui a sombra da indústria farmacêutica que visa o lucro.Uma questão que está sendo trazida à luz nestes últimos anos é a do aumento de pessoas longevas e suas implicações. Sabe-se que a expectativa de vida continua crescendo. Segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a expectativa de vida do brasileiro de ambos os sexos subiu para 74,9 em 2014.
Andreia Bergmann e Ruth Gelehrter da Costa Lopes *
A mídia é um importante meio pelo qual a opinião da grande massa é formada. Ela contribui para uma conceituação do que é (ou deveria ser) a velhice e o idoso. A velhice é então mostrada pela mídia como um momento onde a pessoa se encontra debilitada/doente ou pelo contrário, saudável ao extremo. Porém nenhuma dessas representações é fidedigna. A partir do momento que faz um recorte da realidade, acaba-se limitando as possibilidades de vivência desta etapa, distorcendo e negando o sujeito em sua condição individual.
Consequentemente um dos principais focos da mídia ao abordar o envelhecimento é o uso de medicamentos. O ”velho acabado” é ilustrado como dependente de inúmeros remédios e o ”velho enxuto” não precisa deles ou toma-os de maneira preventiva. Temos aqui a sombra da indústria farmacêutica que visa o lucro.
Explicitaremos a representação do idoso como consumidor assíduo de medicamentos por meio do vídeo chamado ”Que Remédio?” (transcrito mais abaixo).
A partir do diálogo do vídeo é possível perceber que existe uma patologização da velhice, ou seja, a velhice é vista/retratada como um período em que as pessoas necessariamente possuem várias doenças (atendente tentando adivinhar o que o idoso tem: pressão alta, Parkinson e Alzheimer).
Esta patologização gera um risco de incitar os idosos a se automedicarem, o que acarreta vários problemas. A automedicação mascara doenças afetando o fígado e o rim, além de causar efeitos colaterais.
Por ser tomada sem prescrição médica a posologia dos medicamentos é incorreta e o idoso não recebe explicações sobre a forma que o fármaco deve ser tomado, ou até das possíveis consequências das interações medicamentosas.
Porém, se pelo contrário, a velhice é positivada, cria-se seu oposto/negativo: o idoso que não se encaixa no padrão da velhice saudável é tido como doente. O ideal de velhice está muito elevado e poucos o alcançam.
Pode-se concluir que é preciso retratar a velhice por outros ângulos e desmistificar a velhice como patológica ou seu ideal assim como explicitar os perigos da automedicação.
Descrição do vídeo
Um idoso entra na farmácia e começa a dialogar com o balconista/caixa:
— Bom dia — diz o idoso.
— Bom dia — Responde o balconista.
— Eu queria um remédio pra..
— pra.. pressão alta?
— É.. não.
— Parkinson?
— É.. não.
— Alzheimer?
— Isso!
— Qual o nome do remédio?
— Que remédio?
— Remédio de Alzheimer.
— Alzheimer?
— O senhor pediu um remédio, de Alzheimer, qual o nome?
— Ah tá.. é.. deixa me lembrar.
— Tá.
— E aí, lembrou?
— Lembrou do quê?
— Lembrou o nome do remédio?
— Que remédio?
— Remédio de Alzheimer.
— Alzheimer?
— O senhor pediu um remédio, não lembrava o nome e agora tá tentando adivinhar, lembrou?
— É eu acho que eu não lembrei.
— Vamos fazer o seguinte, esquece isso, vamo lá, vamo procurar aqui o nome, aqui ó, tem um aqui que o preço é de 87,90.
— Preço do quê?
— Preço do remédio.
— Que remédio?
— Que remédio? O remédio de Alzheimer!
— Alzheimer?
— Alzheimer! Isso, só um minutinho.. tá vendo ó preço, remédio, Alzheimer, 87,90, vai querer?
— Ah sim, vou querer.
— Ótimo.
— Tá aqui o dinheiro.
— Tá aqui o remédio.
— Tá aqui o dinheiro.
— Pra que esse dinheiro senhor?
— Pra pagar o remédio.
— Mas que remédio senhor?
— O remédio de Alzheimer.
— Mas você já pagou senhor — diz o atendente muito nervoso.
— Mas você não me deu o remédio.
— Olha pra sua mão! — Idoso olha a mão sem o remédio — Pra outra! — Diz o atendente.
— Que é isso?
— É o seu remédio.
— Que remédio??
— De Alzheimer — berra o atendente e fala um palavrão.
— O senhor tá nervoso?
— Um minuto, tá? Não sai daqui.. ‘fala outro palavrão’
‘Atendente volta com um copo d’água, olhando os cantos para ver se não tem ninguém perto’
—Dá isso aqui – diz pegando a caixa de remédio para Alzheimer.
— Pra que isso?
— Isso aqui vai curar teu mal.
— Que mal?
— Mal de Alzheimer.
— Eu to com Alzheimer?? — responde aflito o idoso.
Atendente bufa — Toma o remédio por favor, toma tá. — Lhe entrega o copo com água.
‘Idoso toma o remédio’
— Isso, isso toma tudo, vai.. e aí? — Olha-o esperançoso.
— E aí o quê?
— Lembrou por que que ce tá aqui?
— Ah sim, é eu vim comprar um remédio pra..
— Alzheimer — diz o atendente revirando os olhos.
— Não! Dor de cabeça.
— E por que o senhor comprou o remédio de Alzheimer?? — diz muito bravo.
— Pra lembrar o que que eu vim fazer aqui..
‘Se olham’
— Quem é você? — pergunta o idoso.
Referências
IBGE. Expectativa de vida no Brasil sobe para 74,9 anos. Disponível Aqui. Acesso em: 19/04/2015.
”Que Remédio?” vídeo. Disponível Aqui (acesso em: 14/04/2015).
* Andreia Bergmann – Aluna do curso de graduação de Psicologia, da Pontifícia Universidade Católica – PUCSP, 5º semestre. E-mail: andreiaberg.1994@gmail.com
Ruth Gelehrter da Costa Lopes – Supervisora Atendimento Psicoterapêutico à Terceira Fase da Vida. Profa. Dra. Programa Estudos Pós Graduados em Gerontologia e no Curso de Psicologia, FACHS. E-mail: ruthgclopes@pucsp.br