Os encontros semanais e os intergeracionais no Estação Memória são dinâmicas que se contrapõem ao que estamos habituados no cotidiano. Essa é outra lógica. É a lógica da roda, do produzir juntos, da incorporação do erro como uma categoria do produto final.
Por Mirella Cordeiro Coelho (*)
Após as oficinas de memória, os relatos são transcritos e armazenados no site do projeto. Apesar de os depoimentos ficarem disponíveis online, a Estação Memória organiza encontros intergeracionais para não substituir as relações diretas.
O Colégio Termomecânica, mantido pela Fundação Salvador Arena e sediado em São Bernardo do Campo, mantém um trabalho com o programa. “A escola incorporou à agenda pedagógica um trabalho com a Estação Memória. Nós trabalhamos todos os anos com alunos da 8ª e da 9ª série”, afirma a professora.
Além do trabalho de cultura e extensão, o conhecimento gerado pelo programa é utilizado nas aulas dos cursos de graduação e de pós-graduação.
Histórico
No entanto, o projeto criado em 1989 pelo professor Edmir Perrotti, do CDB, nem sempre teve a mesma configuração. O primeiro nome da iniciativa foi Memórias do Baixo Pinheiros, Memórias de Vida, Memórias da Cidade.
Na época, aconteciam grandes mudanças no bairro de Pinheiros. “Era a época da criação da nova Faria Lima. O eixo da Paulista estava se deslocando para lá”, conta Ivete. E uma senhora da região perguntou ao professor Edmir por que as histórias de pessoas simples, como aquelas que moravam ali e estavam sendo deslocadas, não tinham visibilidade.
Ele, professor de um departamento que cuida da preservação e difusão da memória, criou o Memórias do Baixo Pinheiros, Memórias de Vida, Memórias da Cidade. “Nesse momento, o projeto tinha como perspectiva confirmar se essas histórias de velhos ainda tinham algum interesse, principalmente para as novas gerações. Esse era o primeiro ponto”, afirma a professora.
Entretanto, não havia autonomia por depender da escola para a realização das atividades. A segunda fase do projeto, Arquivo Cultural, manteve a coleta de depoimentos e mudou a disponibilização deles, foram criados catálogos. Mas foi uma fase curta, pois manteve as atividades sem um lugar próprio.
Em 1997, houve a inauguração da terceira fase: a Estação Memória, quando o projeto conseguiu um espaço na biblioteca Álvaro Guerra e passou a ser aberto ao público. “Esse lugar foi reformado”, lembra, “a gente recuperou alguns elementos a partir das histórias que os próprios velhos contavam – como piso de tábua – e agregou elementos da contemporaneidade”.
A professora explica que “a arquitetura do espaço buscava representar essa perspectiva e o próprio nome “estação” traz essa metáfora. O que é “estação”? “Estação” é lugar de chegada e de partida. É um local de transformação, de processamento, no nosso caso, processamento da memória”.
Foi neste período que Ivete Pieruccini se envolveu com o projeto. Ela era funcionária da biblioteca e usou a Estação Memória em seu mestrado. Após aposentar-se pela biblioteca, tornou-se professora na ECA. Ao mesmo tempo, o espaço conquistado através de convênio com a prefeitura foi perdido.
Estação Memória na teoria e na prática
Desde então, os encontros acontecem na ECA. A Estação Memória tem apenas uma sala de aula, mas ganhou espaço virtual para que nenhuma memória seja perdida. A turma que se reúne às quartas tem 25 velhos e, todos os anos, abrem cerca de 5 vagas através do programa Universidade Aberta à Terceira Idade.
“Muitas pessoas falam que é muito pouco”, diz a professora, “é pouco se a gente pensar em uma política pública para a cidade de São Paulo”. Ela explica que essa não é a intenção do projeto: “nós não somos instância de desenvolvimento da política. Nós podemos fornecer referenciais para que uma política pública séria se constitua nesta direção.”
Ivete Pieruccini acredita que, como está vinculado à universidade, é papel da Estação Memória complexificar seu funcionamento. Assim, os recriadores do projeto podem beneficiar-se do essencial: a noção de experiência. “A experiência é aquilo que eu vivi, curtido pelo tempo e pela linguagem, somado àquilo que eu vou incorporando e metabolizando a partir das narrativas dos outros”, esclarece.
Esses encontros semanais e os intergeracionais são dinâmicas que se contrapõem ao que estamos habituados no cotidiano. “Essa é outra lógica. É a lógica da roda, do produzir juntos, da incorporação do erro como uma categoria do produto final”, afirma, “agora, onde é que, nos tempos contemporâneos, há a possibilidade dessa dinâmica, dessa interlocução?”. Esta é a importância da Estação Memória.
(*) Mirella Cordeiro Coelho escreve para o jornal da ECA. Artigo publicado inicialmente em: http://www3.eca.usp.br/noticias/projeto-da-eca-base-para-ensino-pesquisa-cultura-e-extens-o. Fotos: divulgação.