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Envelhecimento: novo assunto para as políticas públicas

No fim de agosto o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou sua projeção da população para 2050. Nesse ano, pela primeira vez o número de idosos será igual ao de jovens. Se em 2000 as pessoas com mais de 65 anos representavam 5% da população, na década de 50 deste século elas serão 18%, mesma porcentagem dos que terão entre zero e 14 anos. Em pouco mais de quatro décadas, o número de pessoas com 80 anos ou mais será quase oito vezes maior do que era há quatro anos. De 1,8 milhão, a quantidade pode chegar a 13,7 milhões.

 

 

Diante dessa situação, o IBGE alerta: “tais números revelam a importância cada vez maior das políticas públicas relativas à previdência, diante do crescente número de indivíduos aposentados, em relação àqueles em atividade. Também se tornam cada vez mais importantes as políticas de saúde voltadas para a terceira idade”. Porém não é isso que tem acontecido.

A socióloga Clarice Ehlers Peixoto, professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e autora de livros sobre a terceira idade, avisa que está na hora de o país se preocupar com o assunto. “Sendo um sistema de repartição simples, a seguridade social brasileira financia as aposentadorias com o salário dos ativos e a questão é: quem financiará as aposentadorias de amanhã, considerando o aumento assustador do mercado de trabalho informal e do subemprego?”. Peixoto, autora de “Família e Envelhecimento” (Ed. FGV 2004), afirma que essas pessoas, muitas vezes associadas ao ócio, são na verdade bastante ativas. Em tempos de dificuldade econômica cuidam de netos, ajudam afetiva e financeiramente filhos e buscam trabalho. “Um dos fatores para evitar que as pessoas de mais idade se sintam isoladas e improdutivas é permitir que continuem a exercer um papel dentro e fora do núcleo familiar”, defende.

Nesta entrevista, a socióloga, que já realizou pesquisas comparando a realidade dos idosos no Rio de Janeiro e em Paris, fala sobre as conseqüências do envelhecimento da população e as formas de amenizar problemas como depressão e ociosidade.

Rets – As ciências sociais só há pouco se interessaram pela temática da terceira idade. Qual o atual nível de produção acadêmica sobre o assunto no Brasil e por que essa demora?

Clarice Peixoto – De fato, na ultima década, houve um crescimento das pesquisas sociais, qualitativas e quantitativas, sobre a população de mais de 60 anos, e isto é reflexo das altas taxas de crescimento dessa população, maior do que a da população total. A partir do momento em que o Brasil deixa de ser “um país de jovens” e que a velhice, através do sistema previdenciário, passa a ser “um problema econômico e social”, é natural que os estudos sociais se voltem para a análise desta questão. Nesse sentido, os pesquisadores não “demoraram” a se debruçar sobre o tema, apenas estavam mais interessados em outras questões sociais brasileiras.

Rets – A última projeção da população feita pelo IBGE revela uma tendência de envelhecimento acentuado da população. A previsão é de que em 2050 o número de idosos seja maior do que o de pessoas com até 14 anos. Quais podem ser as conseqüências desse fenômeno? As políticas públicas estão preparadas para a inversão da pirâmide etária brasileira?

Clarice Peixoto- As transformações nas relações familiares podem seguir um modelo mais individualizante no qual cada membro da família buscará a realização do seu projeto pessoal e de suas escolhas. Mas o universo da família não desaparecerá, pois ele é sempre uma referência importante para as trajetórias individuais.

Em relação às políticas públicas, a preocupação não é com a inversão da pirâmide etária, mas com o déficit da previdência social. Sendo um sistema de repartição simples, a seguridade social brasileira financia as aposentadorias com o salário dos ativos. A questão é: quem financiará as aposentadorias de amanhã, considerando o aumento assustador do mercado de trabalho informal e do subemprego? Esta deve ser a preocupação maior.

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Rets- O processo de envelhecimento é gradual. Mas e quanto à consciência de estar em uma nova etapa de vida? Pela sua observação, quais os principais conflitos que ocorrem quando as pessoas se dão conta de que estão na terceira idade?

Clarice Peixoto – Um dos principais momentos de apreensão do avançar da idade é a aposentadoria, pois ela reflete o princípio da vida não-produtiva, da inatividade. Se em décadas anteriores, ela representava o inicio do processo de envelhecimento, hoje, com o prolongamento da vida e os avanços da medicina, a aposentadoria preocupa pela incerteza de se manter um nível de vida próximo àquele do período de atividade. Assim, o retorno ou a permanência no mercado de trabalho pode se dar tanto para manter as mesmas condições de vida como para preencher o vazio social promovido pela liberação do tempo do trabalho, razões que não se excluem mutuamente.

Rets – A depressão é comum em pessoas da terceira idade. Como é possível lidar com isso no ambiente familiar?

Clarice Peixoto – A depressão não é inerente à velhice, indivíduos de todas as idades e camadas sociais são acometidos por depressão. Na França, por exemplo, o mais alto índice de suicídios é entre os jovens e não entre os velhos. Um dos fatores para evitar que as pessoas de mais idade se sintam isoladas e improdutivas é permitir que continuem a exercer um papel dentro e fora do núcleo familiar.

Rets – Como se dão, de forma geral, as relações em família com a pessoa mais velha? Em que momento o idoso costuma ser “excluído” das conversas e das decisões familiares e como se relaciona com isso?

Clarice Peixoto – Existem maneiras diferenciadas de tratar da velhice e as pesquisas que tenho realizado sobre relações entre gerações mostram uma participação importante das pessoas de mais idade nas atividades cotidianas familiares, principalmente quando existe coabitação entre gerações. No Brasil, a coabitação entre três ou quatro gerações é freqüente, principalmente nos casos de desemprego ou divórcio dos filhos/as. São os avós que vêm ao socorro de seus filhos/as, responsabilizando-se tanto pela manutenção da família quanto pela guarda dos netos. Muitos “criam” ou “cuidam” dos netos, o que favorece o desenvolvimento de múltiplas trocas, em todos os domínios — presentinhos, conselhos, passeios, ajudas, confidências, entre outras -, permitindo, assim, a construção de verdadeiros laços entre avós e netos. Estes foram os resultados de pesquisa comparativa entre França e Brasil que realizei em 2000.

Rets – É possível dizer que pessoas idosas exercem sua cidadania no Brasil?

Clarice Peixoto – A cidadania é direito de todos os indivíduos. Não se limita, portanto, a determinados grupos de idade ou camadas sociais. Em um país onde reinam tantas misérias, onde raras são as políticas voltadas para a infância, para os jovens e para a família, não é de estranhar o desinteresse pelas pessoas que já não são mais produtivas.

Contudo, o novo Estatuto do Idoso permite que esses indivíduos de mais idade reivindiquem seus direitos, em todos os domínios. No entanto, é preciso atentar para o fato de que em tempos de crise econômica, com altas taxas de desemprego entre jovens e adultos, são os aposentados que apóiam seus filhos e netos, seja através das transferências afetivas (cuidado dos netos, apoio moral, etc) seja das transferências materiais (financeira, pequenos serviços e moradia). É o que indicam as pesquisas qualitativas que tenho desenvolvido bem como os dados estatísticos do IBGE e os estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Rets- De que forma medidas de socialização de idosos como a Universidade Aberta da Terceira Idade (Unati), da Uerj, podem ser estimuladas?

Clarice Peixoto – A forma e a implementação cabem às políticas públicas. Em pesquisa que realizei sobre a Unati, ficou claro que as pessoas que buscam esses espaços de sociabilidade vêm em busca de novas amizades e de atividades físicas como os cursos de ginástica, ioga, dança de salão, oficina da memória (cursos mais solicitados na época da pesquisa – 1997). As Universidades da Terceira Idade oferecem atividades voltadas para a educação permanente mas, principalmente, a possibilidade de estabelecer relações entre as pessoas da mesma idade e, também, com as gerações jovens. Reconhecer a importância dessas instituições e práticas sociais permite uma melhor compreensão dos mecanismos de construção de uma nova representação da velhice.

Fonte: Rede Integrada do Terceiro Setor. Acesse Aqui. Data:10/09/2004.

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