Um grupo de pesquisadores se organizou para a escuta solidária das inquietações de pessoas idosas e problemas identificados durante o período de confinamento.
Em colaboração com Andréia Queiroz Ribeiro, Maria Sortênia Guimarães e Daniella Pires Nunes (*)
A confirmação da chegada de uma pandemia e de medidas de prevenção do contágio ainda não previa a duração do necessário distanciamento a ser respeitado. O cenário de possível contágio se mostrou mais demorado do que desejamos e o confinamento também. Diante da diminuição das funções do Estado e dos serviços essenciais para a vida coletiva, notadamente da Saúde, a capacidade de prover respostas à crise ficou limitada. Assim, as universidades estenderam seu papel social ao momento de crise sanitária de grandes consequências sociais e começaram a oferecer escuta para que idosos continuem seu processo de desenvolvimento cognitivo, físico, psicológico e social.
Um grupo de pesquisadores se organizou para o enfrentamento das possíveis dificuldades vivenciadas pelas pessoas idosas da Região da Zona da Mata de Minas Gerais, partindo da escuta de suas inquietações e de problemas identificados durante o período de confinamento, em um projeto intitulado “Escuta Solidária às Pessoas Idosas em Tempos de Pandemia”.
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- 31/07/2021
Os idosos são contatados por ligação telefônica, chamadas de vídeo ou mensagens via WhatsApp. O diálogo inclui perguntas simples, como: sentimentos em relação à pandemia, dúvidas sobre medidas de prevenção, atividades exercidas durante o afastamento social, necessidades ou problemas de aplicação (como aquisição de medicamentos e alimentos), situações e sentimentos positivos vivenciados, entre outros.
O projeto teve a adesão de docentes da Universidade Federal do Tocantins e da Universidade Estadual de Campinas, que passaram a desenvolver o trabalho em suas localidades.
À frente do Grupo de Estudos e Práticas em Envelhecimento, Nutrição e Saúde, da Universidade Federal de Viçosa (GREENS)/UFV, a professora doutora Andréia Ribeiro e seus estudantes e colaboradores estruturaram a iniciativa, em função das pesquisas e ações de extensão realizadas pelo GREENS que conta com uma extensa base de cadastros de idosos do município, em especial daqueles que participam do Programa Municipal da Terceira Idade (PMTI).
Professora Andréia Ribeiro, qual foi a motivação para a concepção do projeto?
As medidas de distanciamento social necessárias à prevenção da Covid-19 com consequente redução nas relações sociais físicas são sentidas diferentemente pelos indivíduos, inclusive pelas pessoas idosas. No entanto, é sabido que esse distanciamento social pode desencadear problemas de ordem fisiológica, psicológica e social neste momento pandêmico.
Esse novo cenário fez emergir a necessidade de reflexão, por parte do Grupo de Estudos e Práticas em Envelhecimento, Nutrição e Saúde, da Universidade Federal de Viçosa – GREENS/UFV, de desafios e possibilidades junto a idosos da comunidade, para mitigar os efeitos negativos do distanciamento e promover o bem-estar dessa população na cidade de Viçosa. Ao longo dessas reflexões, nasceu a proposta da Escuta Solidária às Pessoas Idosas em Tempos de Pandemia.
Quais foram os objetivos definidos para a iniciativa?
O principal objetivo é a escuta qualificada, numa perspectiva de acolhimento, de forma a proporcionar sentimento de conforto, tranquilidade, apoio social, além de imprimir novos significados para esse cenário de pandemia. Também se busca amenizar o sentimento de solidão, medo e ansiedade, bem como reforçar as medidas de proteção contra o novo coronavírus. Como objetivos secundários, o projeto pretende oportunizar aos acadêmicos a vivência de uma relação dialógica ensino-aprendizagem-comunidade, o desenvolvimento de habilidades de acolhimento, escuta qualificada e (re)conhecimento das necessidades do outro.
Houve barreiras ao acesso à população idosa de Viçosa que já estava em processo de distanciamento social? Como foi a implantação?
Uma base cadastral de idosos do município, organizada para fins das pesquisas do GREENS e os dados dos idosos que participam do Programa Municipal da Terceira Idade (PMTI) facilitou o acesso.
Para fins de implementação do projeto, além de uma base de contatos telefônicos, foi elaborado um roteiro de perguntas que os voluntários utilizam quando realizam a ligação para identificar a realidade do idoso (se está em isolamento sozinho ou com familiar, escolaridade, doenças mais frequentes, se é aposentado ou recebe benefício, sentimentos e dificuldades vivenciados nesse momento de distanciamento, atividades realizadas no período, entre outras), além de identificar necessidades (de informação sobre a doença, esclarecimentos, necessidades concretas de agendamento de consulta, de exames, de aquisição de medicamentos, de produtos alimentícios, entre outras). Para tanto, o projeto conta uma rede de colaboradores, para direcionamento de demandas específicas. Essa rede inclui psicólogos, o Telessaúde municipal (específico para triagem de COVID-19), a rede de assistência social e de saúde, o conselho municipal dos direitos da pessoa idosa, além da defensoria pública.
Como aconteceu a propagação para outras universidades?
Após breve divulgação do projeto no site da Universidade Federal de Viçosa, docentes da Universidade Federal do Tocantins e Universidade Estadual de Campinas entraram em contato para solicitar a replicação da experiência em Palmas e em Campinas, respectivamente. Com isso, além da partilha de experiências e vivências, novas propostas de ações de extensão e de pesquisa têm surgido.
O grupo que conduz a ação em Palmas (Tocantins) também tem acolhido os cuidadores de idosos acamados, na perspectiva de auxiliar as famílias tanto em aspectos emocionais quanto de cuidado.
O projeto continua a ser desenvolvido?
Com a evolução do projeto, foram identificados interesses e estratégias que as pessoas idosas têm desenvolvido para se ocuparem e se distraírem nesse momento. Muitos têm bordado mais, pintado, costurado (inclusive máscaras) e feito outros trabalhos manuais. Observou-se grande interesse deles por atividades que estimulem a memória. Assim, a partir de materiais da literatura sobre estimulação cognitiva e orientação de profissional psicólogo que compõe a equipe, os voluntários desenvolveram cadernos de atividades, com diferentes graus de dificuldade.
São atividades que trabalham memória, concentração, além de proporcionarem entretenimento e oportunidade de fortalecer os vínculos familiares, pois algumas atividades podem ser realizadas em companhia de alguém. Esses materiais são gratuitos e podem ser acessados a partir das redes sociais do GREENS – no Facebook e no Instagram. Esses materiais também compõem as ações da Rede de Apoio à Pessoa Idosa em Minas Gerais.
O projeto teve início em abril do presente ano. Atualmente, em Viçosa são acompanhados mais de 60 idosos. Palmas tem acompanhado mais de 120 idosos e em Campinas, a escuta solidária tem sido direcionada primariamente para idosos participantes do Programa UniversIDADE da Unicamp.
Ainda não há publicações com resultados do projeto. Há matérias de divulgação geral e a menção, ao mesmo, em capítulo do e-book “Enfermagem gerontológica no cuidado ao idoso em tempos da Covid-19”, publicado pela Associação Brasileira de Enfermagem.
(*) Andréia Queiroz Ribeiro, professora da Universidade Federal de Viçosa;
Maria Sortênia Guimarães, professora da Universidade Federal do Tocantins; e Daniella Pires Nunes, professora da Universidade Estadual de Campinas