Como viver certa fragilização sem perder a potência? Rosa não sabe a resposta, pois está vivendo essa fase.
Rosa Cukier, renomada psicóloga, psicanalista e psicodramatista, é uma referência indispensável para quem se dedica ao estudo do psicodrama. Suas obras, marcadas por uma didática clara e concisa, exploram desde os fundamentos teóricos até as aplicações práticas da técnica, com destaque para os traumas infantis e seus impactos na vida adulta.
Em minha jornada, encontrei no psicodrama uma ferramenta poderosa. A cada etapa percorrida, percebi a força da dramatização e a importância de seguir as etapas integralmente. A obra de Rosa, que tive o privilégio de ler por completo, é uma fonte de inspiração constante. Concordo plenamente com ela quando diz que a dramatização é fundamental para o sucesso dessa abordagem terapêutica.
Em mais uma alusão ao psicodrama, numa conversa ainda inédita para Rosa, falamos sobre seu processo de envelhecimento e sua fase atual de redefinição de vida.
Aquecimento inespecífico
O convite e a nossa conversa antes de iniciarmos a entrevista serviu como aquecimento, como classificado pela própria Rosa, nossa entrevistada: “Fui pensando na temática e no momento da entrevista. Tudo isso foi um aquecimento dentro de mim. Acho legal, um psicodrama ao vivo!”
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Aquecimento específico
Rosa assistiu o vídeo de Fernanda Montenegro, recitando Simone de Beauvoir sobre a velhice.
Silmara: Após assistir esse vídeo, o que ele reverberou em você?
Rosa: Eu concordo com ela sobre o não deixar o passado pesar no presente, mas ao contrário da Beauvoir, eu sinto os meus 74 anos.
Como sente?
Como é que eu sinto? Eu já não sou tão ágil mais. Faço ginástica e mais um monte de coisas, mas tenho dores nas costas, por exemplo. Eu não sinto mais ser o “vulcão” que eu era! Eu tinha uma velocidade ao falar, ao fazer e ao escrever. Enfim, agora sinto que tenho uma idade mais avançada. Essa fragilidade que falo que sinto é porque o corpo fala. É o corpo que carrega a gente. Logo, ele também dá sinaizinhos. Muitas vezes, eu vejo inclusive nos clientes que muitos sentem isso como uma impotência, como quando somos crianças e não temos a autonomia de fazer as coisas. Mas, na verdade, não tem que ser assim. A gente tem muita autonomia, apesar de algumas limitações. Como viver uma certa fragilização sem perder a potência? Não pense que eu sei a resposta, pois estou vivendo essa fase e penso várias vezes nisso.
Dramatização
Em uma live você citou que recebe ternura e gratidão de seus alunos, e ainda completou: “Estou mais velha, 74 anos, sozinha às vezes. Estou em outro momento de vida…”. Que momento de vida é esse?
É uma fase de diversos momentos: a saída dos filhos, a vinda dos netos (tenho nove) e a volta dos filhos através dos netos. Hoje, como meu neto mais novo está com três anos, vai à escolinha e já não me visita tanto. Em minha família, desenvolver o papel de avó é uma tradição e eu fiz questão de dar continuidade a isso. A questão de ser sozinha está mais relacionada ao meu trabalho. Hoje já não tenho aceitado a demanda de palestras e trabalhos internacionais como aceitava anteriormente. Esse ano resolvi ficar mais “esvaziada”. Vejo que todos estão mais autônomos – os filhos, os netos e até os meus alunos. Tenho um aluno que acompanho há 25 anos e já está até escrevendo livros. É um momento de redefinição de como vou viver meus 70, 80 anos… estou no meio do caminho, não sei ainda. No mais, tenho meu marido que me acompanha em viagens, coral e outras atividades que nos divertem. Uma nova fase para nós dois.
Falamos de “velhices” plurais. E quando tratamos de papéis, eles são prescritos de acordo com cada sociedade. Você tem a Polônia como berço familiar. Ela influencia na construção do seu envelhecer?
Minha vó, que foi a mais longeva, morreu aos 86 anos. Ela era uma vovozinha. Eu colocava colar nela e pintava suas unhas. Ela não falava português. Eu sempre falei que iria viver igual ou mais que a vovó. Ela foi uma grande influência, visto que perdi meus pais quando tinham 50 anos. A diferença é que hoje os papéis mudaram. Minha vó nunca trabalhou e eu ainda trabalho três dias na semana e ainda tenho alunos, o que traz muita vida a esta sala. O que fica da Polônia é a saudade da comida da minha mãe, sinto mais nessa fase. Falo: “Isso minha vó fazia… minha mãe fazia”. Assim, faço também para meus netos. Minha história é importante, assim como ter visto minha vó envelhecer, pois com meus pais não tive essa oportunidade. Tenho vontade de pegar esse passado.
O que quer resgatar do passado?
O afeto. Pegar o carinho e a ternura que eu tenho. Tenho cozinhado, feito trabalhos manuais, sou boa no crochê etricô. Percebo que tenho tido mais vontade de realizar essas atividades, pois isso me traz novas ideias.
Na visão moreniana, quando assumimos um papel passamos pelo treino de papéis com as fases de imitação, jogo e criação, na teoria Role Playing. Quem foi sua inspiração na fase da imitação do envelhecer?
Quando fiz 60 anos tentei me aposentar, deixei de trabalhar à noite e depois comecei a viajar, até que cansei. Voltei ao trabalho com grupos de supervisão. Odiei a coisa de perder o papel profissional, mas voltei e consegui me organizar de maneira mais reduzida, a fim de não me exaurir, mas sem parar. Acho que estou tateando, jogando com os papéis. Quanto a minha grande inspiração, foi minha prima, Rosa Sheiva Spindel. Era 20 anos mais velha que eu, agora já falecida. Temos o mesmo nome, pois minha mãe admirava a beleza que ela tinha. Ela foi uma grande socióloga e pesquisadora. Tenho sempre a lembrança de uma parceria que fizemos quando fui convidada a fazer um trabalho sobre aleitamento materno para o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Sempre gostei de pesquisar e lá permaneci trabalhando por oito anos.
Também sabemos que, ao assumirmos um novo papel, as três fases podem ocorrer de forma alinear. Você já se vê criando nesse papel?
Acho que sim, mas não do jeito que eu quero. Pretendo criar mais, deixando mais coisas escritas. Me dedicar mais à literatura.
No livro de Simone de Beauvoir, A velhice, ela descreve que “para escritores e professores a velhice tende a não ser complicada devido à criatividade”, se referindo em contraponto àqueles que só investem no corpo. No entanto, para Moreno, todo ser humano pode e deve resgatar a espontaneidade e a criatividade que veio como potência desde o nascimento. Como você se vê em relação a essa questão?
Vivemos numa época muito narcísica e quando envelhecemos temos perdas no corpo. Eu me cuido, buscando a saúde. Fiz recentemente uma cirurgia de catarata. Me preocupo com os olhos, pois preciso muito deles. Sobre a criatividade, não escrevo tanto quanto antes, mas em outras atividades me vejo bem criativa. Como falei anteriormente, não sou mais um “vulcão” [Risos], não em erupção. Talvez um vulcãozinho, mas com chamas!
Beauvoir cita que a chegada dessa velhice será melhor se houver um projeto de vida. A Rosa tem um projeto?
Acho que um grande projeto que ainda não realizei é o de escrever um livro de poesias. Tenho rascunhos de poesias e contos, coisas pra sair ainda.
Você tem 50 anos de carreira, sendo 35 deles dedicados ao psicodrama. Você diz se considerar uma psicoterapeuta do mundo. Solilóquio! (falar alto o que pensou)
Através de publicações internacionais acompanho o que acontece em terapias do mundo todo. Sempre fui xereta. Sou psicodramatista, mas leio sobre todos os tipos de psicoterapia que chegam a mim. Busco conhecer mais sobre saúde mental e como podemos fazer pelo outro e como podemos estimular alguém a sair de uma depressão, por exemplo. Tenho muitos contatos com outros profissionais internacionais e tive muitos convites, mas sou muito de raiz e de família, o que me levou a apostar minhas fichas aqui. Ainda nessa questão de mundo, minha amiga Márcia Karp é muito mais que eu. Faz o psicodrama até no Japão.
Em 1992, quando escreveu o livro Psicodrama Bipessoal, você agradece ao professor Guerry pelas aulas de computação. Atualmente, no livro Viagens virtuais psicodramáticas, temos uma excelente aula com suas sugestões de como aplicar o psicodrama on-line. Qual cena lhe vem?
Naquela época ele era um dos poucos que davam aulas de computação. A cena que vem é a chegada do computador aqui em casa, que ganhei do meu marido. Morri de medo, pois não sabia mexer. Fui me desenvolvendo com as aulas e trocando figurinhas com o Moisés Aguiar (psicodramatista). Já ensaiávamos de alguma forma o psicodrama online em nossas conversas virtuais. Não existia o Zoom, mas trocávamos por mensagens, numa época em que a maioria das pessoas não apostava nos computadores. Nem imaginávamos que estaríamos assim no online, como ocorre hoje. Sou pesquisadora e curiosa. Me dá um pepino que eu descasco!
No seu livro Vida e Clínica de uma psicoterapeuta temos que o surgimento de novas terapias que contêm promessas de resultados rápidos levam as demais escolas anteriores a serem comparadas com dinossauros. De tabela, você complementa que: “O dinossauro em mim sempre fica muito animado com as novidades.” Vamos dar voz a esse dinossauro?
Eu não acho que serei um dinossauro fora do mundo. Sou um dinossauro curioso, saio coletando tudo, trago para o meu canto e vou usar. Ainda escrevo e mostro como é útil. Assim que eu reajo. Nunca topei ficar num lugar de antiga, daquele que só diz não saber. Quando não sei, assumo, mas vou atrás do saber. Ao estudar e ser curiosa, as respostas vêm. Não serei um dinossauro patético.
Em nossa dramatização, agora você tomará o papel de Moreno e eu farei uma pergunta a ele: ¨Moreno, qual a conserva cultural da sociedade em relação ao papel do velho que precisa ser transformada nesse momento?¨
Exatamente essa coisa do termo “velho impotente”. Todo velho tem uma história de vida que precisa ser considerada. O velho também precisa aprender a dividir o protagonismo com os filhos e com os mais jovens. Existe o estereótipo de que o velho não produz. Imagine! Só as histórias e situações que ouvimos dessas pessoas já é uma produção.
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Como foi pensar em seu processo de envelhecimento aqui?
Nunca pensei que falaria sobre isso, mas é interessante ver que é o meu momento. Tenho trocado com outras pessoas sobre o envelhecer. Percebo algumas tentando voltar à juventude pra viver o que não viveram. Acho válido, contudo, não é como me sinto. Estou num momento de redefinição, buscando onde apostar minhas fichas e minha energia. Te agradeço por me permitir falar sobre isso, me instigou.
Saiba mais
https://linktr.ee/rosacukier
Imagens: arquivo pessoal.
Atualizado às 14h33