Jeane, Conceição e Regina demonstram a importância vital de se expressar poeticamente, inspirando a todos ao compartilharem suas trajetórias de vida e seus sentimentos.
Em um cenário onde a discussão sobre envelhecimento saudável ganha cada vez mais relevância, projetos que estimulam a expressão poética e o protagonismo das pessoas idosas se destacam por seu impacto social e emocional.
Apresentamos a entrevista com a idealizadora de um projeto literário e poético pioneiro chamado Sarau 60/Projeto Continuar. Jeane Aparecida da Silva, Psicóloga e especialista em Gerontologia, iniciou seu trabalho com grupos de idosos em 2015, utilizando a experiência como contadora de histórias para pavimentar um caminho único: o de incentivar a escrita de poesias. O resultado dessa jornada é a publicação de livros autorais pelo grupo e mais de 10 participações em coletâneas, transformando memórias e vivências em legado.
A força desse projeto está em sua capacidade de promover um envelhecimento socialmente saudável e ativo, dando palco à voz de quem muitas vezes é silenciado. As participantes, como Regina Ramos e Conceição Costa, são o reflexo dessa potência: elas demonstram a importância vital de se expressar poeticamente, inspirando a todos ao compartilharem suas trajetórias de vida e seus sentimentos.
Esta conversa nos permitiu ouvir sobre o que é vivenciar a força de estar em grupo, um espaço onde o convívio transcende a individualidade e se transforma em um alicerce. O relato de como é sentir o coletivo conectado como seres relacionais enfatiza que a poesia é apenas o instrumento de uma profunda experiência de afeto, suporte e união.
A seguir, mergulhamos nos bastidores desse coletivo poético, explorando os versos, as conexões e as grandes bandeiras levantadas por esse trabalho transformador.
Aquecimento específico
Silmara: Imaginem que suas vidas são poemas. Em que verso vocês estão vivendo? E qual título você dá para o poema da sua vida hoje?
Conceição: O verso que estou vivendo é o da minha velhice. Eu estou envelhecendo bem em tudo que vivo e tudo que tenho. O nome desse poema é: “Sou feliz com a minha velhice!”
Regina: O verso que vivo é o do fazer, o da ação, estar aqui numa primeira entrevista é fazer; falar de mim, da família, das dores e das alegrias por meio da escrita é acessar o coração e se conectar com outras pessoas. O título desse poema é: “O tempo de descobertas”.
Jeane: O verso da sintonia, caminhos que vão ao encontro. O poema “Passarinhando”, é assim que estou!
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Dramatização
No aqui e agora, voltem ao momento em que entraram no grupo literário de poesia. Quem vocês são nessa cena? Olhando essa cena de cima, o que percebem acontecendo? Qual transformação ocorreu?
Conceição: Me vejo chegando desconfiada, só observando o grupo, olhando cada um. Mas vejo que, de repente, foi desabrochando a vontade de falar, de participar, de viver mesmo, e explodiu o interesse em escrever, o que se transformou no nascimento do meu primeiro livro: Sublime aos 70: em versos, prosas e amor. E já tenho o segundo: Enquanto envelheço… vivo, amo, sonho e faço poesia. Agradeço a Deus por ter encontrado a Jeane, que incentiva a seguir em frente e nos dá ânimo.
Regina: Me vejo como um peixe fora d’água, com vergonha. Cheguei atrasada e já tinha começado, fiquei nos fundos, atrás de todo mundo, só observando mesmo. Me chamou atenção o jeito que a Jeane conduzia, vi jovens tímidos como eu e o carisma dela em chamar as pessoas para declamarem. Foi uma emoção ouvir diversos poemas sobre solidão, perdas, suas raízes, suas histórias de vida. Foi justamente aí que se repetiu uma voz que ouvia na minha cabeça por muitos anos: era a voz da minha irmã mais velha falando para eu escrever sobre a história da nossa família. Passei a seguir o grupo, indo nos locais onde ele se apresentava, até que a Jeane me convidou para fazer parte dele e hoje faz três meses que lancei o livro: Sobrevivências: poesias, prosas e memórias.
Também me veio a cena de quando minha irmã recebeu o convite para ir para a UnATI e passou para mim porque ela não podia ir. Foi lá que tudo começou: fui conhecer e fiquei até hoje. Participei de uma mostra de talentos. Achei que não sabia fazer nada, mas acabei ganhando em 2º lugar com minha poesia. Fui tendo mais coragem para falar, e tudo bem que seja um desafio.
Jeane: Me vejo como um abraço gigante. Senti que fiz o convite e as pessoas aceitaram, me deixando com a sensação de estar em casa. Mas a cena fundante desse projeto surgiu quando vi pessoas em uma praça rodeando um lampião e fazendo poesias. Isso me tocou demais. Em São Paulo, nos anos 2000, esse momento me inspirou a fazer um poema com menção ao tempo de Sócrates na praça filosofando.
Esse poema saiu na capa de um livro do grupo que fazia a batalha de rima na praça. Fui convidada a participar e, então, percebi que esse era um caminho que queria seguir, mas com pessoas idosas. Até que fiz um curso de contação de histórias e escrevi em uma carta que tinha a intenção de trabalhar com isso. Foi assim que surgiu o grupo em 2015, na biblioteca. Temos no grupo duas participantes que estão até hoje.
Convido vocês a voltarem mentalmente ao momento em que o livro de poesias começou a tomar forma. Pensem nos diferentes elementos vivos que participaram dessa construção: os sentimentos, as memórias e as descobertas.
Conceição: Surgiram o sentimento de amor, as lembranças da filha falecida e de amores vividos. O livro surgiu como um raio em plena pandemia. Foi um desafio fazer tudo a distância e virtualmente, mas quando vi os exemplares, foi muita emoção, vieram lágrimas… Foi como nascer um filho sem ter tido dor. A descoberta foi que passei a ouvir histórias de outras pessoas e seus momentos tristes, e a transformá-los em poemas. Vi essas pessoas alegres por isso e também fiquei contente.
Regina: Vieram sentimentos e lembranças da infância, e até das histórias dos meus pais. Registrar o que ouvia deles foi importante para outras pessoas, que se identificaram ao ler sobre a minha mãe cozinhando e sobre o meu pai na construção civil. Falar das raízes dá saudades, como da ancestralidade africana e do amor que foi embora para o Ceará. É falar da vida, dos seus altos e baixos. A poesia está me levando para lugares que nunca tinha ido; cada dia é uma explosão de felicidade. Agora descobri que posso caminhar com a poesia.
Jeane: Meu livro “Envelhecer Bem” foi um combate ao idadismo. Surgiu o sentimento de protesto. Vieram as memórias dos avós, o pensamento nos velhos da própria família. Descobri, nesse processo, as poetas 60+; encontrei muitas, incluindo uma de 90 anos. Senti o convite da poesia.
Fechem os olhos por um instante e recordem um momento, na UnATI ou em outro grupo, em que sentiram que o coletivo ia além de cada uma — como se o grupo respirasse junto. Que imagem ou sensação vem quando lembram desse instante de conexão?
Conceição: A imagem é de todos do grupo descendo de mãos dadas, como um sinal de união que diz que nenhum mal acontecerá com ninguém. É uma conexão de irmãs, uma família, um sentimento de paz, afeto e carinho — tudo que é bom. Ao imaginar, me senti levitando, transbordando de alegria e felicidade.
Regina: A imagem é de conexão, como num transe, com todos na mesma energia, a satisfação de estar ali em algo tão positivo. É um momento em que os problemas ficam de fora.
Jeane: Quando estamos nas apresentações, parece que estamos em uma grande reunião. Torna-se natural levar os poemas para as ruas. A ideia se expande para as imagens que vivemos: ver pessoas com Alzheimer subindo nos palcos, cantando e declamando poemas.
As atividades que vocês participam levam a grande bandeira do envelhecimento saudável. O que vocês mudaram no estilo de vida pessoal já influenciadas por esses aprendizados?
Conceição: Sempre fiz atividades logo cedo, desde as sete horas da manhã: academia, hidroginástica, bicicleta, natação. Participo do Projeto Gerações em Gerontologia e de cursos diversos na USP 60+. Passei a comer mais salada e a prestar mais atenção na cidade, para entender se ela é amiga do idoso. Mas ainda falta muito para isso, como as calçadas. Fico observando os motoristas de ônibus e como tratam os idosos. Fiz uma palestra sobre idadismo na USP 60+ e no Núcleo de Convivência de Idosos. Foi uma troca de experiências muito boa e com emoção. Perguntaram-me como escrevo poemas sem ter feito Faculdade de Letras. Qual é a resposta? É que escrevo com o coração, e ele é grande!
Regina: Faço atividade física também, desde minha adolescência: caminhada e trilha. Claro que hoje faço em outro ritmo! O que o mundo da poesia me trouxe foi a fala. Antes eu participava de uma roda de conversa, por exemplo, só ouvia e não falava nada. Hoje eu pergunto e falo. Hoje, com a poesia, posso fazer com que o outro reflita, levar o que acontece no mundo e no planeta. Na USP 60+ participo de aulas de japonês e dança sênior. A cada semestre vou mudando.
Jeane: Presto mais atenção em mim: se um joelho dói, já faço acupuntura. Ressignifiquei o olhar convivendo com pessoas idosas e passei a pensar no meu envelhecer.
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Digam como vocês se sentem depois dessa conversa.
Conceição: Eu me sinto bem, feliz por poder relembrar muitas coisas, como pessoas que não estão mais aqui, mas que estão nas lembranças. Já vivi o começo, estou no meio e ainda não no fim. Quero escrever mais livros. Estou com 74 anos e com muito gás! Agradeço essa nossa conversa.
Regina: Estou bem, por saber que existe a troca de poesia. Neste caso, ouvi as histórias delas. Revivi esse passado e me senti bem. A idade está chegando, mas eu não estou parada no tempo. Estou fazendo bem para mim e trazendo novas pessoas para o dia a dia.
Jeane: Saio daqui entorpecida. Foi bom reviver as nossas histórias. Bato palmas para elas. O trabalho com o grupo é eternizar os registros das memórias; mesmo quando partirmos, os livros ficarão.
Como idealizadora do grupo tem alguma mensagem para deixar ao social?
Jeane: Que tenhamos mais espaços para receber poetas. Há muitos deles nos núcleos de convivência e lugares de fala poética, para que o protagonismo aconteça cada vez mais. O livro pode estar na cabeceira de pessoas idosas também.
Ao final, no palco do sarau psicodramático, as poetas encerraram a conversa declamando cada uma seus poemas…
Ser poeta
por Conceição Costa
Ser poeta,
É sofrer caladinho
É transformar sua dor,
Em palavras de carinho
Sonha alto,
Sem medo de cair
Com coração aos saltos,
Querendo explodir
Chorar, querendo sorrir,
Não demonstrar a sua dor
Pra ninguém sentir
A desistência do teu amor
Olhas para o céu e vês
a luz do teu olhar
Vou te dizer, podes crer,
Sem ti, não posso ficar
Só depende de você
por Regina Ramos
Você decide
Se deve ir ou ficar
Lutar ou se entregar
Falar ou silenciar
Você decide
Fazer ou não fazer
Ouvir ou ignorar…
Insistir, persistir, se doar
Ou,… simplesmente, deixar pra lá
Agora é contigo…
Você,…somente você
é quem deve decidir
Enquanto isso, lá fora
e aqui, … dentro de você
a luta continua
Nua, nua, crua e cruel
Serviço
Sarau 60/Projeto Continuar:
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https://www.facebook.com/share/17ZUtPK5Mb
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@conceiçãocosta
@sarau60mais
Fotos: Todas de arquivo pessoal.
Atualizado às 12h02
