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Entrevista: Michel Wieviorka

O sociólogo Michel Wieviorka é um dos maiores especialistas em violência do mundo. Presidente da Associação Internacional de Sociologia (ISA), o francês veio ao Brasil para participar do XIII Congresso Brasileiro de Sociologia, realizado em Recife, e passou pela Universidade de Brasília (UnB) para participar da conferência Por Uma Análise Sociológica da Violência: Paradigmas e Estratégias, realizada no dia 4 de junho.

Rodolfo Borges *

 

O currículo de Wieviorka é extenso. À parte suas dezenas de publicações, o sociólogo é diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), do Centro de Análise e de Intervenção Sociológicas (CADIS), sediado em Paris, e co-diretor dos Cadernos Internacionais de Sociologia.

Durante sua explanação na conferência da UnB, o sociólogo falou sobre a dificuldade de medir a violência e chamou algumas estatísticas utilizadas para avaliar o tema de ridículas. “Se você puser um policial numa esquina e ele passar a prender bandidos naquele local, alguém pode dizer, baseado em estatísticas, que o total de crimes na região subiu. Mas isso não faz sentido porque o simples registro da violência não significa que ela aumentou. Ela pode ter sempre existido sem que fosse notada pelas autoridades”, afirmou o sociólogo.

Ao final da palestra, Wieviorka conversou com a UnB Agência e afirmou que a globalização dificulta o trabalho dos governos para controlar a violência. Na entrevista abaixo, o sociólogo fala da violência como fundadora do homem, discute a relação do esporte e da religião com atitudes agressivas e comenta a expansão dos estudos sobre o assunto em todo o mundo.

UnB AGÊNCIA – Por que é tão importante estudar a violência?

MICHEL WIEVIORKA – A violência é um problema que pode destruir a vida coletiva, a vida pessoal, a família, e até uma cidade e um país. É o contrário da capacidade de viver junto. Por isso, entendê-la, compreendê-la, estudá-la e lutar contra ela é, de certa maneira, construir a vida social e pública. É muito importante.

UnB AGÊNCIA – Mas o senhor acredita que existe um componente fundador na violência.

WIEVIORKA – Ela é um problema constante, mas nós podemos nos questionar se não há na violência um valor fundador do sujeito pessoal. Minha resposta é limitada, mas, em certos casos, por meio de uma experiência de violência, nós descobrimos a capacidade de nos autotransformar. As pessoas que não fazem nada, que não têm nada, podem tirar de uma experiência dessas a motivação para tomar ações políticas, praticar um esporte, entrar para uma igreja, etc. Mas o argumento é muito limitado. Essa mesma violência, ao longo do tempo, destrói e transforma o sujeito.

Cláudio Reis/UnB Agência

UnB AGÊNCIA – O senhor falou sobre entrar para uma igreja. A religião não é um elemento utilizado para justificar agressões?

WIEVIORKA – Há, na religião, uma dimensão que pode favorecer a violência. O atual papa fez um discurso outro dia que foi extremamente criticado no mundo muçulmano, pois dizia que o islã é uma religião que comporta elementos de violência. Nós podemos aceitar ou não sua opinião, mas, sem dúvida, é muito perigoso afirmar esse tipo de coisa. Eu venho de um país onde há uma guerra que nós chamamos de “religiosa”, entre católicos e protestantes. Hoje em dia nós podemos dizer que o islã é uma religião que, em alguns lugares, está em guerra. Mas nenhuma religião é violenta, e elas advogam contra a violência.

UnB AGÊNCIA – O esporte, mais especificamente o futebol, também teria um componente favorável à violência?

WIEVIORKA – Podemos dizer que o esporte é um tipo de transformação da agressividade. Através dele, nós aprendemos a organizar, de maneira não-violenta, uma relação que poderia tornar-se violenta. Mas não se pode negar que, em certos casos, a violência acompanha o esporte. As pessoas se identificam com uma equipe, posicionando-se contra outra, e se aproveitam de uma situação de esporte para se entregar à violência. Na Europa, nós temos o fenômeno dos hooligans, dos skinheads, que se aproveitam do espetáculo do esporte para justificarem agressões. Entretanto, o esporte, a exemplo da religião, não traz embutido o componente da violência. Pelo contrário: é um lugar de encontro, de desenvolvimento de valores, muito positivo.

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UnB AGÊNCIA – Durante sua palestra na UnB, o senhor afirmou desconfiar das estatísticas que falam sobre crimes.

WIEVIORKA – As estatísticas merecem ser sempre debatidas. Elas podem ser úteis, mas também muito contestáveis. Quando me mostram uma, eu sempre pergunto para que foi feita e de que maneira foi conduzida. Isso porque geralmente a estatística não me dá uma informação sobre o objeto de que ela fala, mas sobre quem a conduziu. Por isso, é mais interessante discutir, refletir e criticar as condições de produção da estatística.

Cláudio Reis/UnB Agência

UnB AGÊNCIA – Os governos mundiais sabem como lidar com a violência?

WIEVIORKA – É um problema eterno. Os governos sempre lutaram contra a violência. Mas agora há um agravante. Por causa da globalização, a violência também se tornou global. O crime organizado e o terrorismo são planetários. O fenômeno da migração também é acompanhado de violência com alcance mundial. Portanto, o grande problema do mundo contemporâneo não está apenas no interior das nações, mas também em solos externos. O governo brasileiro pode lutar contra o crime organizado no Brasil, mas se esse crime mantém suas raízes na Bolívia, no Equador, nos Estados Unidos, na Colômbia, não se pode fazer muita coisa. A globalização tornou tudo mais difícil.

UnB AGÊNCIA – A imprensa brasileira costuma evocar motivos econômicos para explicar a violência. Estamos certos?

WIEVIORKA – É difícil falar sobre o Brasil, pois não conheço bem a realidade daqui. Considero, entretanto, que não se pode descartar o componente econômico que contribui para a violência no país. O número de mortes daqui é muito alto. Só isso não explica tudo. Crianças e mulheres também são maltratadas por motivos que não estão ligados ao dinheiro.

UnB AGÊNCIA – É natural para o homem ser violento?

WIEVIORKA – É uma potencialidade, não sei se é natural. É possível afirmar que o homem teria aprendido a controlar a violência. Mas a sociologia não explica as coisas pela natureza, por isso eu posso te dizer que talvez sim, talvez não.

Cláudio Reis/UnB Agência

UnB AGÊNCIA – É possível dizer que o homem de hoje é mais violento que o de outros tempos?

WIEVIORKA – É impossível. Nossa sociedade se transforma permanentemente, assim como os seres humanos e as possibilidades tecnológicas e econômicas. O que nós chamamos de violência hoje não existia há alguns anos. Outras formas de agressão, por outro lado, já desapareceram. Tudo muda, nós não podemos comparar. A única coisa que permanece é nosso dever de fazer o possível por lutar contra ela.

UnB AGÊNCIA – Como a academia se adapta a essas mudanças?

WIEVIORKA – A pesquisa sobre violência é clássica no campo das Ciências Sociais, mas se desenvolveu muito, em todo o mundo, nos últimos anos. Foram criados vários centros para tratar do tema, inclusive na UnB. A pesquisa se desenvolve tanto que algumas formas de violência, como o terrorismo, passaram a ser estudadas de modo específico. Nos Estados Unidos, há vários centros que se ocupam apenas de genocídios. É um domínio em plena expansão.

*Michel Wieviorka é sociólogo, presidente da Associação Internacional de Sociologia, diretor e professor da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) e diretor do Centre d’Analyse et d’Intervention Sociologique (Cadis), de Paris (França).

Fonte: ACS – Assessoria de Comunicação Social da UnB, 05/06/2007. Disponível Aqui

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