Dona Emília conta sua história
Nasci em Mococa, no dia 26 de agosto de 1927. Criei 4 filhos, dois homens e duas mulheres. Tenho 10 netos e cinco bisnetos. Ajudei minhas filhas a criar as netas, agora ajudo a cuidar dos bisnetos. Fui criada em fazenda. Meu pai Jeremias trabalhava na roça e minha mãe Durvalina era costureira. Meus pais tiveram dez filhos, todos nasceram na fazenda. Minha irmã mais velha já faleceu. Meu pai era empreiteiro, trabalhava nas fazendas ao redor de Mococa. Ele era contratado pelo fazendeiro e íamos todos morar na fazenda. Meu pai, minha mãe e os dez filhos. Uma exigência do meu pai era que tivesse uma casa para a família morar, ele não aceitava morar em colônia. Cada empreitada durava em média dois anos.
Feriancic
Se um fazendeiro queria dividir a fazenda para separar o gado, contratava meu pai para fazer a cerca. Outras vezes ele era contratado para fazer a formação do café. Formava o broto através do grão. Usava uma embalagem própria, punha na sombra de uma árvore e esperava brotar. Quando o broto estava com uns dois palmos de comprimento, plantava a mudinha do café e cobria com uns pedaços de madeira, para não pegar muito sol. Ele plantava milhares de pés de café. A primeira colheita era dele. Acho que ele vendia, naquela época os pais não davam satisfação para a gente. Quando terminava o serviço, mudávamos de fazenda. Tive uma infância boa, não tenho o que me queixar. No interior não tem muita diversão, é diferente das grandes cidades. Uma coisa que me marcou muito na infância foram os passeios organizados pela minha mãe. Ela fazia lanches, sucos, meu pai me colocava no ombro e íamos junto com meus irmãos fazer o tradicional pic-nic. Eu adorava. Nessa época eu deveria ter uns 5 anos.
Dona Emília fica emocionada e chora ao lembrar do pai. Ela diz que era muito apegada a ele.
A gente ia fazer pic-nic num lugar bem distante, debaixo de uma árvore, eu acho que era uma figueira, na própria fazenda. Quando a gente é criança de fazenda, nem sabe o que tem na cidade grande. Não pensa em nada. Fica meio isolada do mundo. Naquela época não tínhamos nem rádio nem televisão . Eu achava que o mundo era aquilo ali, estando de bem com a família e os vizinhos, estava bem. Perto de casa passava um riacho gostoso, onde brincávamos. Eles não deixavam a gente nadar no rio porque era perigoso. Tinha muita cobra sucuri. Não podia brincar com as outras crianças das colônias, meu pai não deixava, dizia que elas tinham mal costumes.
Antes de casar com minha mãe, meu pai tinha morado com outra mulher durante cinco anos. Quando ela faleceu ele casou-se com minha mãe. Eles eram vizinhos. Quando eles se casaram minha mãe tinha dezesseis anos e meu pai trinta e seis. Mamãe faleceu muito nova, com 47 anos. Eu estava grávida da minha filha mais velha. Meu pai não se casou outra vez. Ele faleceu aos 76 anos.
A adolescência em Mococa
Quando eu tinha 17 anos, saímos da fazenda e mudamos para a cidade de Mococa. Plantávamos mandioca, cana de açúcar, milho; tinha a engenhoca para fazer garapa. Além das plantações, criávamos porcos. Nós ajudávamos meu pai “catar” os matinhos da plantação do arroz. Quando o arroz começa a crescer nasce um matinho em volta que deve ser retirado com as mãos para não estragar a plantação. Era gostoso morar na fazenda, mas o problema era namorar. Namorar na fazenda era difícil. Meu pai era muito rigoroso. Quando eu conheci meu marido, meu pai falou que em 6 meses tinha que casar. E em seis meses nós casamos.
O primeiro amor: Mario Catiari
Saímos da Fazenda e fomos morar na cidade, lá mesmo em Mococa. Um dia fui visitar um amigo que tinha sofrido um acidente e estava internado na Santa Casa de Mococa e conheci o Mario. Ele era enfermeiro da Santa Casa. Nessa época eu tinha 18 anos, ele 26. Uma freira veio me falar que ele gostou de mim e que queria namorar comigo. Eu também gostei dele e depois disso eu ia visitar meu amigo no hospital todos os dias, ficava ansiosa esperando o horário da visita.
Ele mandou a freira perguntar se eu tinha namorado e eu disse que não. Começamos a namorar e em seis meses casamos. Ficamos morando um ano em Mococa, viemos para São Paulo e ele foi transferido para a Santa Casa. Depois de casada eu comecei a trabalhar na Santa Casa também. Eu nunca tinha trabalhado fora e nunca tinha estudado. Eu trabalhava de ajudante na cozinha, era a única vaga que tinha naquele momento. Sempre gostei de trabalhar. Até hoje eu gosto. Dou aulas na Terceira Idade porque não consigo ficar sem atividade.
Compramos um terreno e construímos uma casa. Todos meus filhos começaram a trabalhar cedo, com 13 anos de idade. Eu ia ao juizado de menores e tirava licença.Todos trabalhavam, estudavam à noite e pagavam os estudos com o próprio ordenado. Quando meu marido saiu da Santa Casa, foi trabalhar no Hospital Matarazzo e depois no Hospital do Câncer, onde ele se aposentou. Ele se aposentou cedo, com menos de 50 anos. Antes de morrer ele já estava aposentado há 30 anos. O Mário tinha ataques epiléticos. Ele sempre trabalhou como enfermeiro e nunca tinha acontecido nada no hospital. Um dia ele estava entrando com uma bandeja no quarto de um doente e caiu com a bandeja. Depois desse fato, afastaram ele do serviço. ficou na caixa uns quatro anos e depois se aposentou. Ele me ajudava no serviço de casa e eu comecei a estudar à noite. Aprendi a ler e escrever depois de casada. Quando fui fazer o Mobral, já estava com 50 anos. Tinha vontade de estudar, mas não podia. Tinha as crianças, meu marido para cuidar. Terminando o Mobral fui fazer o supletivo. Fiz até a oitava série e depois parei.
Tive uma barraca de cereais na feira durante 13 anos. Depois vendi a barraca e montei um armazém de secos e molhados. Vendi o armazém e fui trabalhar numa escola como inspetora de alunos. Gostaria de ter estudado mais. Hoje meus netos falam para eu fazer a faculdade da terceira idade, mas eu não quero mais ocupar minha cabeça com essas coisas, eu tenho outras atividades. Já sei bastante coisa e isso me basta. Fiz muitos cursos. Fiz curso de etiqueta, nutrição, eu sempre procuro aprender ouvindo as pessoas e lendo. A gente aprende muito se prestar atenção nos outros. Eu me aposentei com 60 anos. Sempre gostei muito de passear, tinha vontade de ir ao cinema ao teatro, mas nunca tive oportunidade. Eu nunca saí de casa com meu marido. Nunca saí para dançar, para ir a um cinema, teatro, bailes, absolutamente nada. Nunca pudemos fazer um passeio juntos. Ele era doente e não sentia muita vontade de sair. Foram tempos difíceis. O Mário faleceu de enfisema pulmonar em 1987.
Dona Emília muda de fisionomia quando lembra dessa época. Fica muito emocionada e me diz: Deixa para lá, nem quero nem lembrar desse tempo.
O segundo casamento
Foi amor à primeira vista. Conheci Aleardo, em 1990, numa festa baile, no clube na Praia Grande. Naquela noite, ele dançou comigo e com minhas amigas, mas percebi que ele estava interessado em mim. Dançamos várias vezes e na hora de ir embora ele se ofereceu para levar a gente para casa. Eu e as minhas amigas. Ele tinha uma Brasília Amarela. O baile era na Cidade Ocean e o nosso apartamento era no Boqueirão. Nós íamos pegar um táxi, mas aceitamos o convite. Quando nos deixou em casa ele falou: posso voltar amanhã? E elas falaram: para encontrar quem? Ele me olhou e eu respondi por ele: comigo. Minhas amigas riram e marcamos um encontro para o dia seguinte pela manhã. No dia seguinte fiquei olhando na janela e esperando ansiosamente pela chegada do Aleardo.
Começamos a namorar e ficamos 12 anos juntos. Foi uma época maravilhosa. Ele continuou morando em Santos e eu na minha casa, em São Paulo. Às vezes ele vinha para cá e quase todos os finais de semana eu ia para Santos. Ele me ligava duas, três vezes por dia, colocava músicas românticas para eu ouvir. Às vezes ele ficava um mês inteiro aqui. Nós viajamos muito com excursões. Vivemos uma época muito boa.
Viúva pela segunda vez
Em 2002, o Aleardo estava em seu apartamento em Santos, sozinho, quando resolveu trocar uma lâmpada. Caiu da escada, e teve várias fraturas. Mesmo ferido, conseguiu alcançar o telefone e me ligar. Entrei em contato com pessoas de Santos, amigos nossos para prestar socorro a ele. Levaram ele para hospital e ele ficou internado 20 dias. Os médicos o liberaram, alegando falta de condições para cirurgia. Ele veio para São Paulo e ficou na casa de um filho. Após quatro dias ele faleceu.
Dona Emilia conta que esse período foi um período muito sofrido para ela. Ela não podia visitar ele e nem ir ao enterro, e completa: Foi muito triste, muito difícil, mas passou.
O amor não envelhece só muda de sabor
Sr. Alfredo e Sra. Emilia
Em 2005 eu conheci o Alfredo, que tem 48 anos, no Clube da Terceira Idade. Eu conheci a mãe dele na rua e ela me falou sobre as Oficinas da Terceira Idade no Hospital do Servidor Público Estadual. Quando cheguei lá pela primeira vez ela estava com seu o filho Alfredo e me apresentou a ele. Logo eu percebi que ele tinha algum problema para se comunicar. O Alfredo tem deficiência auditiva. Só ouve 10% dos sons. Isso prejudicou sua fala.
Apesar de ser muito bonito, o Alfredo nunca namorou. Ele se aproximava das moças, mas não conseguia se comunicar direito e elas se afastavam. Uma vez a mãe pediu que eu arrumasse uma namorada para ele. Eu falei para a mãe dele. Eu já arrumei uma namorada para ele. Ela sorriu e eu disse: Eu!
Disse à ela: Se eu fosse mais nova eu iria namorar ele. Depois disso, ficamos amigos. Quando viajei para Mato Grosso na fazenda da minha filha, levei ele comigo, ele foi como amigo. Quando voltamos começamos a paquerar. Ele não tomava iniciativa de me pedir em namoro. Eu estava esperando. Não podia me antecipar. Acho que a mãe dele gostou da idéia e me convidou para passar um final de semana no sítio deles em Atibaia. Conversamos, fomos nadar, e começamos a namorar.
Ele tem dificuldades para ouvir, para falar, mas eu não tenho preconceito algum. Ao contrário, eu ajudo no que eu posso. Ele tem muitas qualidades, e está aprendendo muito comigo. Não ligo para isso. Estamos muito felizes, ele se dá bem com todos. Meus filhos são muito amorosos, meus netos também.
Não gosto de ficar sozinha, mas não sou mulher de ficar namorando. Só tive três pessoas, o meu primeiro marido, o segundo e agora o Alfredo. Temos um relacionamento muito bom. É maravilhoso. A gente se gosta muito. Nós estávamos namorando há mês e meio, quando ele me disse que queria comprar um anel. Eu falei, aliança? Ele disse que era uma aliança. Nós fomos à Casa das Alianças, compramos as alianças e colocamos no dedo. Quando saíamos da loja, lembrei que tinha uma igreja ali perto. Entramos na igreja e esperamos acabar a missa. Depois que todos saíram eu pedi para o padre abençoar as alianças. O padre levou um susto, mas disfarçou, fez uma oração e tudo bem. O padre abençoou as alianças e casamos; e eu me sinto casada porque só devo satisfação à Deus e não aos homens.
Estamos muito felizes. Nós não moramos juntos. Ele fica uns dias aqui, e uns dias na casa dele. Às vezes nos finais de semana vamos para o sítio da mãe dele, e assim a gente vai vivendo. O Alfredo conhece tudo em São Paulo. Ele anda por São Paulo todo. Às vezes eu fico preocupada que alguém possa falar com ele, ele não responder e sofrer alguma agressão física. Ele gosta de jogo de futebol, mas só assistia pela televisão. Eu o incentivei a ir assistir o jogo de futebol no estádio do Morumbi. Ele comprou ingresso e foi. Pena que nesse dia o palmeiras perdeu.
Nós não temos problema de comunicação. Temos muita afinidade e tudo flui normalmente. Eu estou ensinando ele a falar. Ele está aprendendo muita coisa. Um dia nós fomos nadar no SESC e ele esqueceu de pegar a touca, voltou para casa e falou para a empregada que queria a “peruca”. Ela não entendia, ficou toda perdida. Ligou-me e eu disse que era a touca. Fiz ele pronunciar a palavra até aprender. Depois desse dia ele aprendeu que era touca. Nossos amigos do Clube da Terceira Idade falam que depois que ele me conheceu ele é outra pessoa. Você vê a felicidade no rosto das pessoas quando elas estão felizes. E nós estamos felizes. Ele me acompanha em todos os lugares que eu vou. Hoje ele fez uma coisa tão bonita, eu até contei para minha filha. Ele me acompanhou até o Hospital do Servidor, porque eu tinha que fazer alguns exames. Na volta, eu ia para minha casa e ele para a casa dele. Na despedida, ele fez questão de me levar até o ponto do ônibus, esperou o ônibus chegar e me colocou dentro do ônibus. Ele é muito educado. Ele cuida de mim e eu cuido dele.
Tenho um bom relacionamento com os pais dele e ele com a minha família. Os pais dele são muito bons. Eles me adoram. A gente se entende e se respeita. Olha que interessante: a minha sogra é dois anos mais nova que eu e eu tenho um genro que é dois anos mais velho que eu, é marido da minha filha mais nova. Meus filhos sempre me apoiaram em tudo e eu a eles. O Alfredo faz companhia para mim e para meus bisnetos. Eles o adoram. Jogam bola juntos, brincam, se divertem.
Eu brinquei com ela: deve ser bom ter um bisavô de 48 anos…
Cuido bem da minha saúde
Esta semana fui buscar meus exames e deu tudo normal. Não tenho colesterol, nem diabetes, eu estou bem. Faço todos os exames de rotina: papanicolau, mamografia, densitometria óssea, etc. Eu me trato no Hospital do Servidor Publico Estadual. Cuido bem da minha saúde e sou muito bem tratado lá. Há uns anos atrás, quebrei a perna e tive uma fratura de fêmur. Chamaram uma ambulância, me colocaram numa maca, me imobilizaram, mas não conseguiam entrar no elevador, porque não cabia, e não conseguiam descer as escadas porque não havia espaço suficiente. Colocaram a maca em pé no elevador e eu sentia muita dor naquela posição. Foi horrível.
Não desejo que isso aconteça com ninguém que more nesses apartamentos mal planejados. Os arquitetos deveriam pensar mais sobre isso. Depois dessa fratura, eu fiquei mancando um pouco, mas os médicos dizem que o meu mancar é da coluna, não é da fratura. Alguns discos da coluna estão pressionando os nervos da perna. O médico falou para minha neta que eu tenho que fazer essa cirurgia. Levei ela comigo ao médico, senão as pessoas acham que porque estamos ficando velhos, inventamos doenças. Ele disse que se eu não fizer a cirurgia vou acabar numa cadeira de rodas.
Faço natação, caminhada, hidroginástica e alongamento. Não faço reposição hormonal, mas como soja uma vez por semana, e taioba também. A Taioba é uma folha grande que você faz refogada igual à couve, ela é um pouco difícil de encontrar.Tem muita proteína. Toda alimentação tem que ser saudável. Comer bem é comer muitas folhas, muitos legumes, carne branca. Não comer gordura. Nunca fumei, mas gosto de tomar uma cervejinha de vez em quando. Faz bem para a saúde. Gosto de um pouquinho de Whisky também. Um pouquinho não faz mal. Tomo bastante água. A água faz bem, tem que tomar bastante. Exercício então nem se fala. Caminhada, natação, todos os exercícios fazem bem. Faço exercícios todos os dias, mas não sinto dor com os exercícios. Os médicos ficam abismados com a minha flexibilidade.
Outro dia fui levar meus exames ao médico, ele olhava e me dava nota dez em tudo. Aí ele perguntou :
– O que a senhora faz para ter uma saúde desta?
Eu respondi: Me alimento bem, e tenho um namorado de 48 anos.
Ele levou um susto e disse:
– O quê?
Eu falei: é isso mesmo. Ele está aqui comigo, quer ver? Chamei o Alfredo e ele entrou no consultório. Então ele chamou uma outra médica amiga e disse:
– Venha ver, ela tem uma saúde de ferro e olha o marido dela.
A médica, disse:
– Olha, nem eu consigo isso. Parabéns!
Foi muito legal, demos muita risada.
Lazer
Sra Emília, em 1999, quando cantava no coral da Secretaria de Esportes e Turismo
Às vezes vamos para Mato Grosso na fazenda da minha filha, mas nossos passeios são os programas diários. Tenho minha semana toda programada.Todos os dias eu e o Alfredo vamos às reuniões da Terceira Idade. Ele é campeão de xadrez. Passou por 6 campeonatos. Ele joga xadrez lá no Clube da Terceira Idade e ensina quem não sabe jogar. Eu só jogo cartas. Lá no Clube da Terceira Idade é muito bom. Tem muitas opções de lazer. Tem atividades o dia inteiro. Tem padaria, para quem quer aprender a fazer pão, tem oficina de memória; aula de inglês, espanhol, bijuterias, tricô, crochê, dança sênior, pintura em tela, etc. Eu dou aula de bordado. Eu compro o material mais barato e só cobro o custo do material. Muitas senhoras fazem seus bordados para presentear alguém e outras ganham um pouquinho de dinheiro vendendo os bordados. Eu já participei de um coral durante três anos. Depois que tive a fratura na perna não fui mais.
Espiritualidade
Fui batizada na igreja católica, mas agora sou da religião Batista. Freqüento a igreja todos os domingos com a minha neta e meus bisnetos. Eu não me batizei na igreja Batista porque eles não aceitam que as pessoas vivam juntas sem se casar. Eu não posso casar porque perco a aposentadoria do meu marido e o Alfredo perde a aposentadoria da mãe. Se não dá certo ficamos sem companhia e sem aposentadoria. Eu acho que não faz diferença. Papel na gaveta não faz felicidade de ninguém. Hoje se minha neta solteira falar que vai morar com o noivo eu acho que está tudo bem. Não tem problema nenhum. O que interessa é as pessoas se amarem. Eu era católica até meu marido morrer. Acompanhava ele nas missas. Ele era católico muito fervoroso. Mas eu sempre freqüentei a Igreja Batista com minha vizinha. Eu já gostava da Batista. A vida da gente é diferente quando se tem uma religião. A espiritualidade ajuda a superar muitas coisas. Já me aconteceram muitos milagres. As pessoas falam que não foi milagre mas para mim foi.Vou te contar uma coisa. Uma vez eu escrevi um bilhete e pus na bíblia. Estava escrito: “Deus me mande um marido tão bom quanto os outros dois. Se o senhor achar que eu mereço pode até ser melhor. E ele me atendeu. Apareceu-me o Alfredo que é melhor ainda que os outros dois. Ele tem saúde, pode me ensinar e me ajudar em muitas coisas e eu posso ensinar a ele.
Envelhecimento
Para envelhecer bem, você tem que se aceitar do jeito que você é. Criou uma ruga aqui outra lá, não tem importância. Se você se olha no espelho e se apavora, você envelhece mais rápido. Eu não, eu me olha no espelho e me sinto muito bem. Eu acho maravilhoso envelhecer. A gente pode ensinar muitas coisas para os outros. Para envelhecer saudável você tem que se aceitar, não ter vergonha da idade, ter orgulho da idade que tem. A solidão não, a solidão eu não gosto. Eu não fico sozinha. Solidão você pode estar no meio de um monte de gente se sentir sozinha. Graças a Deus nunca me senti assim. Eu não sei se é porque sou uma pessoa que gosto muito de conversar com os outros. Nunca senti solidão e não sinto. Também não fico sozinha, quando estou sozinha procuro alguém.
Finitude
Eu aceito bem a morte. Nós nascemos para morrer. Já sabemos que mais cedo ou mais tarde vamos morrer. Mesmo quando morreu meu marido que eu amava tanto eu não me desesperei. Acho que eu encontro essa força em Deus. Tenho uma cabeça boa. Eu não fico triste e não gosto de ver ninguém triste. Você tem que ajudar. Não pode esperar que Deus faça tudo. Eu estou preparando o caminho do Alfredo para ele para quando eu morrer ele encontrar outra namorada. Aos poucos eu vou ensinando ele. Digo à ele que não pode ter vergonha de falar. Se gostar de alguém, tem que se aproximar e falar que gosta dessa pessoa, convidar ela para passear, ir ao Ibirapuera, ir ao cinema, ir ao shopping. Ele diz que não quer que eu morra. Eu digo à ele que essa é a Lei da Vida. Eu tenho 78 anos e ele 48. Ele vai viver mais do que eu provavelmente. Isto é amor verdadeiro, não é amor egoísta. O importante é amar e ser amado. Não importa se é branco ou preto, se tem defeito ou não. Eu, graças a Deus, sempre fui muito amada. Isso ajuda o envelhecimento, dá um tempero na vida. É bom demais.
Uma vez eu e o Alfredo fomos assistir a um show e a pilha do aparelho auditivo dele parou de funcionar. Ele não ouvia absolutamente nada. Eu chorei muito, eu fiquei passando para ele por gestos todo o show. É difícil, porque se está chovendo ele não pode usar o aparelho, se molhar estraga. Ninguém faz idéia como é difícil para a pessoa. No metrô também dá interferência. Isso me dói muito. Não é fácil para ele.
Você quer dar falar mais alguma coisa, deixar algum recado para alguém?
Eu quero que todos sejam felizes e se amem. Amar o outro como a ti mesmo. Eu penso que todas as famílias deveriam se reunir às vezes, para não dispersar. Todo mundo se encontrar, conversar, às vezes as idéias não combinam mas não faz mal. Depois acabam chegando a um. Graças a Deus eu vivo em paz com a minha família. Isso é muito importante. Nós, os mais velhos, temos que puxar a ponta da corda. Senão puxar dispersa. Nós, aqui em casa, temos um relacionamento bem aberto. Quando não gostamos, falamos e pronto. Fala com jeito, mas fala.
Obrigada, gostei muito de poder falar. Gostei da minha entrevista.