Em Portugal, há 400 mil idosos que vivem sozinhos – revela o Instituto Nacional de Estatística (INE). Os resultados do último Census, de 2011, indicam que há 2,023 milhões de pessoas com mais de 65 anos a residir em Portugal (ou seja, cerca de 19% da população total). Destas, cerca de 60% vive só: 400.964. E se tivermos em conta que há ainda 804.577 idosos que vivem em companhia de outras pessoas igualmente idosas, o resultado global – um milhão e 200 mil idosos – é que 19% da população vive nestas condições.
Joana Ferreira da Costa (*)
Em termos globais, salienta ainda o INE, o total de idosos que vivem sozinhos ou na companhia de outros aumentou 28% nos últimos dez anos. «O aumento da esperança média de vida, a desertificação e a transformação do papel da família nas sociedades modernas terão, certamente, contribuído para explicar as mudanças observadas e as diferenças que se verificam entre as regiões» — salienta o INE
Os anúncios sucedem-se na internet, numa tentativa de encontrarem quem com eles converse ou os possa ajudar se tiverem um problema de saúde sem que para isso tenham de pagar um serviço. Muitos são incentivados pelos filhos e, em troca de companhia, oferecem um quarto gratuito.
Num Portugal cada vez mais envelhecido (há 129 idosos para cada 100 jovens), quase um quarto das pessoas na terceira idade vivem completamente sós. Um problema que se agudiza nas grandes cidades onde as redes de apoio familiar e de vizinhança são mais frágeis.
As recentes notícias espelham esta realidade: quase 2.900 idosos foram encontrados mortos em casa em 2011, a maioria em Lisboa, revelou a PSP. E apenas no primeiro mês do ano, outros 20 já foram descobertos sem vida, dias ou mesmo semanas depois de terem morrido. O alerta às autoridades foi quase sempre feito por vizinhos. E chegou tarde demais.
«A solidão é um problema. Somos uma sociedade egoísta e não há respostas na comunidade que sejam alternativa aos lares», lamenta Carlos, que tentou através de um anúncio encontrar uma companhia para a mãe, hoje com 94 anos. Mesmo cedendo um quarto em casa em troca de companhia durante a noite e fins-de-semana, nenhuma das dezenas de pessoas que respondeu ao seu anúncio «preenchia minimamente os requisitos», admite. «Queriam o quarto de graça, não estavam empregados e não me inspiraram confiança». Acabou por desistir. A mãe vive hoje num lar.
Para Leonor a resposta ao anúncio parece também ser a única solução. Aos 67 anos e viúva há 13, a mãe recusa-se «a ir para um lar porque ainda é muito nova». Isolou-se dos amigos e passa os dias a telefonar à filha por não ter ninguém com quem falar. «Liga-me três, quatro vezes por dia para o emprego e os telefonemas chegam a demorar uma hora. Está muito sozinha».
Para Leonor o apoio constante à mãe está a tornar-se pesado. «A solidão tornou-a mais amarga. Às vezes é agressiva. E eu deixei de ter vida própria: não fui uma única vez à praia no Verão». Há um mês colocou um anúncio na internet oferecendo um quarto em troca de alguma companhia. «Tenho preferência por pessoas entre os 30 e os 60 anos. Porque assim será mais fácil elas terem o que conversar». Já teve duas respostas.
Programa pioneiro
Há cerca de oito anos que esta troca de apoios começou a ser incentivada no Porto. Ao abrigo do Programa Aconchego, 166 idosos e estudantes passaram a morar juntos. Os rapazes e raparigas são acolhidos em casa de uma pessoa de idade que viva na cidade, contribuindo apenas com uns simbólicos 25 euros para ajudar nos gastos com água e electricidade. Em troca, fazem-lhe companhia e comprometem-se a ajudá-lo em caso de emergência.
«Já houve estudantes que salvaram o sénior com quem viviam, por o terem levado ao hospital», explica Daniel Teixeira Coelho, director de projectos da Fundação Porto Social (da autarquia), que em parceria com a Federação Académica do Porto, criou o projecto. «O segredo é ter duas pessoas com um problema diferente que encontram uma solução recíproca. Todos têm a ganhar».
Neste momento há 24 idosos que abriram as suas portas a estudantes. Há até casos de idosos que têm a morar consigo não um mas dois estudantes este ano lectivo. A selecção dos candidatos é feita com base em entrevistas individuais e familiares e com visitas a casa dos idosos. Os contratos são feitos por um ano lectivo mas podem prolongar-se.
Para o sociólogo Villaverde Cabral anúncios ou projectos como estes podem ser uma solução pontual para quem vive sozinho e sem apoios, mas não resolvem o problema de fundo. «A descoberta de idosos mortos em casa é uma manifestação perversa do envelhecimento da população portuguesa, para o qual falta uma política integrada», defende o director do Instituto do Envelhecimento. «Deve ser criada uma Secretaria de Estado dedicada à terceira idade, que defina uma política e objectivos e os articule no terreno, aproveitando entidades já existentes», remata.
(*)Texto publicado no SOL e reprodução autorizada pela autora, Joana Ferreira da Costa, e-mail: joana.f.costa@sol.pt. Disponível Aqui