O Brasil conseguiu em 30 anos praticamente erradicar a pobreza entre idosos e isso se deu pelo aumento de gastos públicos com aposentadoria após a Constituição de 1988, beneficiando até quem nunca havia contribuído.
Bem, os resultados são favoráveis e importantes, entretanto paira um profundo desequilíbrio neste cenário, já que a mesma eficiência não se verificou entre crianças. A pobreza também caiu significativamente (de 66% para 17%) no grupo, mas a proporção de pobres na população de zero a 14 anos hoje é o dobro da verificada entre adultos e quase oito vezes a encontrada entre idosos.
O crescimento econômico é um fato, mas não se vê sinais de redução da desvantagem relativa de crianças e jovens quanto à renda. O que significa que as políticas públicas de transferência de renda não estão operando de forma adequada, o que se deve às suas características de cobertura e às regras adotadas para a fixação do valor dos benefícios previdenciários e assistenciais.
Parece que quando se trabalha, se prioriza economicamente um segmento da população, necessariamente outra parte fica desprotegida e vulnerável. Julga-se que a discrepância na taxa de pobreza entre idosos e crianças é, em boa parte, explicada pelo perfil de gastos do poder público.
A reportagem traz um estudo que comparou 22 países, publicado em 2010 pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), que mostrou que o consumo per capita de idosos no Brasil representava praticamente o dobro do das crianças.
Neste cálculo, leva-se em conta tanto o consumo bancado pelas famílias quanto o custo dos serviços públicos utilizados, como os gastos por aluno em escolas públicas ou por idosos em hospitais do SUS, por exemplo.
Outra constatação do estudo foi que, no Brasil, 90% do consumo dos idosos é financiado por transferências do poder público. No caso de crianças, esta proporção é de apenas 17%, ou seja, são as famílias que arcam com maior parte dos custos do investimento da infância no Brasil.
Talvez seja por isso que cada vez mais encontramos jovens casais que nem cogitam a possibilidade de ter filhos. É comum ouvir: “filho custa caro”. E em algumas famílias este custo é suportado por anos, considerando que hoje os filhos hesitam em sair de casa e arcar com seus próprios gastos. Na verdade, “um custo que fica em casa”, no seio da família, ironicamente.
Nem a expansão do Bolsa Família tem sido capaz de reequilibrar a situação de renda em favor dos jovens, já que os benefícios pagos pelo programa são relativamente baixos. Hoje o valor por criança é R$ 32, e o valor médio pago às famílias beneficiárias, R$ 119 – em descompasso com o BPC (Benefício de Prestação Continuada) dos idosos, R$ 622, que assegura a qualquer idoso com renda per capita inferior a um salário mínimo o pagamento de um salário mensal.
Na avaliação de Cassio Turra, no entanto, esses programas só foram possíveis porque o país passava por um momento demográfico favorável, com uma proporção ainda pequena de idosos em relação a adultos, que puderam contribuir com seus impostos para sustentar a Previdência: “Isso não vamos conseguir fazer mais, pois haverá menos adultos e mais idosos no país. Além de repensar as políticas para idosos, será preciso investir para aumentar a produtividade do trabalhador. Para isso, é fundamental aumentar o investimento em educação, afirma o pesquisador”.
Ações imediatas se fazem necessárias. Um primeiro passo seria o aumento da idade de aposentadoria e do tempo de contribuição e mudanças em relação aos regimes especiais e à aposentadoria rural são indispensáveis.
Os especialistas apontam que igualmente necessário é o aumento do valor dos benefícios assistenciais pagos aos jovens. Mas, para eles, tão ou mais importante é o acesso a serviços públicos. A universalização da educação de qualidade é condição para garantir crescimento com progresso social.
Educação de qualidade se tornou questão prioritária. Vagas existem, mas profissionais habilitados nem tanto. Como transformar este cenário de formação educacional? Difícil responder pois trata-se de uma mudança “de raiz” que começa na infância e deve ser continuada com responsabilidade e foco no caminho que se quer tomar. Falar que “vive-se mais” já se tornou questão batida. Quem sabe se cada um tomar a vida nas suas próprias mãos, através de um desenvolvimento consciente, honesto e competente, um futuro “mais velho” lhe reserve uma vida com menos dificuldade, desigualdade e acima de tudo, com menos dependência das políticas públicas.
Referências
GOIS, A. (2012). Pobreza no Brasil caiu mais para idoso que para criança.
ROCHA, S. (2012). Previdência é ponto central para corrigir desigualdades.