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Daru, o Professor

A negação do professor em aceitar ordens não é uma insubordinação rebelde, mas uma forma de resistir ao absurdo e a irracionalidade do mundo.


Eu distribuo sementes e coisas assim… ensino-os a ler. Não tenho filhos, tenho alunos. (Daru, O Professor)


Isolado de tudo e de todos, lá está o Professor Daru (Viggo Mortensen), sua escolinha lá distante, lá no fim da colina e seus pequenos alunos. Estamos na Argélia de 1954. A paisagem livre da presença humana mais parece um deserto, árido e sem cor. Escondido nas sombras das imagens, gosto de pensar na presença do “Estrangeiro”, aquele que indeciso protagoniza a cena, movimenta suas angústias e inseguranças, homem carente que nem sabe o que deseja. Será o saber? Será o conhecimento? Ou será simplesmente o nada?

Baseado no conto “O Hóspede” de Albert Camus, o diretor de “Longe dos Homens” (Loin des Hommes), David Oelhoffen, produz na simplicidade de Daru, um homem solitário que limita seus dias na preparação do café, no desafio da caça e na busca da água.

Aqui a humanidade de um contido professor se faz presente e cresce na intensidade das diferenças com a inusitada chegada do árabe Mohamed (Reda Kateb), o prisioneiro sem destino.

– Com a palavra, o professor aos alunos: Por que começamos a história no ano 3000 a.c? O que aconteceu pela primeira vez nessa época? A invenção da escrita na Mesopotâmia.

Na imensidão do nada, Daru vê o tempo passar… dia, noite, noite, dia… uma fogueira para aquecer a alma de um esquecido e o vazio das coisas. A escrita e seu silêncio.

– A paz do solitário termina quando um forasteiro avisa: “mataram um professor, jogaram as sementes e foram embora. O perigo espreita.”

Daru ignora a mensagem e cumpre sua missão diária, dando as sementes e o pão às suas crianças. Entre um ensinamento e outro, o alimento… e a chegada do já condenado Mohamed, o julgamento em Tinguit (Argélia) e a sentença.

A negação de Daru em aceitar ordens não é uma insubordinação rebelde, mas uma forma de resistir ao absurdo e a irracionalidade do mundo. Enquanto seus amigos se unem aos rebeldes na guerra, ele dá aulas aos estudantes pobres e distribui sementes. Essa é a crença do verdadeiro professor.

E é no respeito à vida que ele diz: “Eu não posso levar um homem à morte”.

Daru não parece partilhar da vida dos homens, sente-se devastado pela realidade, pela injustiça implacável, impiedosa. Creio que estar com as crianças, no seio da ingenuidade infantil, em pleno deserto, seja uma espécie de pagamento, redenção.

Não aos homens armados, não à guerra, não à aceitação das leis e obrigações, mas sim ao acolhimento do resignado Mohamed, o desconhecido, aquele que se torna seu protegido, a expiação de seus pecados. Liberdade a esse igual, a esse solitário, ao último dos homens dignos.

Longe dos Homens não se propõe a teorizar sobre a guerra da Argélia e o longa não se aprofunda sobre o conflito na ex-colônia francesa. As roupas e a cor da pele são elementos que explicam quem são os nativos e quem são os colonizadores. Assim, Daru representa o francês e Mohamed com seu turbante, o prisioneiro árabe.

Mohamed e Daru são dois homens encurralados por um mundo dominado pela violência e pela intolerância. Devemos nos render, aceitar ordens, submetermo-nos ao imposto, às tradições, às convenções?

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Esses contrários, em suas semelhanças, nos dizem que não.

A caminho dos seus respectivos destinos – o árabe e sua condenação, o professor e sua impotência diante da injustiça – Daru encontra os antigos companheiros de front quando lutaram juntos na Segunda Guerra. Seriam eles ainda seus companheiros? Tudo indicava que não.

– Comandante dos rebeldes: Você está do lado errado, dessa vez, Daru.

– Daru: Não sou contra a independência, juntei-me a vocês do meu jeito, educando as crianças. Assim elas poderão ler.

Para o professor, a principal lição é se manter vivo, é estar vivo. “Meus pais eram de Andaluzia. Chamavam-nos de los caracoles, aqueles que andam com a casa nas costas”.

Não importa para onde seguimos, os afetos nos acompanham nesta trilha controversa que é a vida.

Não se renda, Mohamed. Acredite no Criador. Ele estará lá para você. Dê a Ele e Ele dará a você. Peça a Ele. Ele atenderá. (Daru)

E no retorno à escola:

– Daru: Bom dia, crianças! Hoje é meu último dia com esta classe. Eu tenho que partir, vocês sabem disso. Eu gostaria que hoje fosse um dia de aula normal. Eu tenho orgulho de ser seu professor.

E lá se vão os pequenos. O último se despede com um abraço, um beijo e um desenho.

Sim… Daru continuará Loin des Hommes, assim eu acredito.

Luciana Helena Mussi

Engenheira, psicóloga, mestre em Gerontologia pela PUC-SP e doutora em Psicologia Social PUC-SP. Membro da Comissão Editorial da Revista Kairós-Gerontologia. Coordenadora do Blog Tempo de Viver do Portal do Envelhecimento. Colaboradora do Portal do Envelhecimento. E-mail: lucianahelena@terra.com.br.

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