Ricardo Iacub, grande amigo e colaborador do Portal do Envelhecimento, em entrevista a jornal argentino é categórico: “é uma ilusão não poder usar ‘velho’ quando o conceito é ‘velho’. Valorizar a palavra ‘velho’ é uma posição ideológica, além de um termo válido. Se não o fizermos, essa palavra nos perseguirá, ela se aproximará de nós e não teremos defesas”.
Por Dolores Curia (*)
Por que, ao contrário da crença popular, a crise da saúde pode ser uma oportunidade para pessoas acima de sessenta anos? No contexto de uma explosão viral, qual é o sentido de se reivindicar a palavra “velho”? Que pequenos atos podem fazer a diferença durante o isolamento? Tudo isso e muito mais explica o gerontologista e vice-gerente do PAMI – Instituto Nacional de Servicios Sociales para Jubilados y Pensionados, organização governamental de Medicina e saúde -, Ricardo Iacub, porta-voz de uma cruzada para mostrar que a velhice não precisa ser sinônimo de descarte.
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Ninguém quer ser chamado de “velho”. E nem que está “velho, solitário e fodido”, que, além de uma das peças mais bem-sucedidas e mais longas do mundo, é um resumo, a imagem viva, do destino em que ninguém quer aterrissar. Dessas representações sobre o envelhecimento como a cena mais temida, tão apocalíptica quanto a expansão do COVID-19, quase ninguém é salvo, nem mesmo a comunidade LGBTI.
A esses olhares cheios de preconceitos sobre os velhos, que também andam de mãos dadas com todos os modos de abandono da pessoa, incluindo a negação de todo tipo de prazer, o Doutor em Psicologia Ricardo Iacub se opõe a outras histórias. Além de ser gerente assistente do PAMI e professor sênior de psicologia para idosos (UBA), Iacub é um representante de uma nova gerontologia que defende uma idade ativa e diversificada. E ele faz isso sem cair em eufemismos como “avós” ou “terceira idade”: “Porque é uma ilusão não poder usar ‘velho’ quando o conceito é ‘velho’. Valorizar a palavra ‘velho’ é uma posição ideológica, além de um termo válido. Se não o fizermos, essa palavra nos perseguirá, ela se aproximará de nós e não teremos defesas.
O que acontece hoje com os idosos neste contexto de pandemia? Além do óbvio, ou seja, o fato de constituir um “grupo de risco”, de que maneira isso afeta suas vidas?
A quarentena é o grande problema para os idosos, porque dá a impressão de que, ao cumpri-los, estamos salvando-os de um problema para colocá-los em outro. O isolamento em geral é um dos grandes problemas na vida dos idosos em geral. A ausência de famílias, etc. E no caso de muitos velhos LGBTI, esse tópico assume uma dimensão ainda maior. O resultado é que hoje é uma população muito solitária e com muito medo. Eu não ficaria tão obcecado com o medo, mas diria que é compreensível. É lógico o que acontece conosco diante desse estímulo externo com o qual não sabemos lidar. A melhor coisa a fazer ante o medo é realizar atividades criativas. Tome este momento como uma oportunidade para fazer.
Há também aqueles que recomendam exatamente o oposto: não ser tão exigente agora …
Esse é um problema que afeta aos jovens. Ao contrário da crença popular, os idosos têm muito mais recursos nesse sentido. No início do século XX, a identidade era considerada algo único, absolutamente próprio. Hoje sabemos que muito do que consideramos personalidade realmente tem a ver com as demandas que vêm de fora e nos constituem. Somos vertebrados por fora. Portanto, não é tão fácil distinguir o que estou interessado em fazer e o que quero de tudo o que nos é pedido. Mas quando você se aposenta, todos aqueles “pendentes” que você tinha e que pensava querer fazer eram em grande parte obrigações. Muitos idosos já resolveram esse problema. E a verdade é que eles não têm muito problema em ficar em casa. Além do mais, às vezes você precisa se esforçar para tirá-las. Além disso, os idosos tendem a ter uma organização maior. Mas voltando à pergunta: seria bom se todos pudéssemos aproveitar esse tempo, mas ao mesmo tempo saibamos que há uma margem de falha, porque, é claro, fazer ginástica com um tutorial do YouTube não é o mesmo que ir a uma academia.
Como se pode ajudar a tornar o isolamento mais suportável?
É importante que os grupos LGBTI que estão ativos no momento e as organizações históricas promovam o apoio da comunidade aos velhos e velhas. Todos somos desafiados pela imprevisibilidade dessa situação que estamos enfrentando, mas há um grupo que sofre pelas razões já explicadas, uma tensão maior, e nesse grupo aqueles que tendem a ficar mais sozinhos são os velhos LGBTI. Este é um momento em que você precisa ligar por telefone, para que haja espaços de voluntariado. PAMI está fazendo isso. Você precisa fazer contato porque há pessoas que estão sozinhas há muito tempo e que precisam conversar pelo menos por um tempo e repensar com alguém o que está acontecendo.
De que maneiras específicas o isolamento afeta as pessoas LGBTI idosas?
São pessoas que, pelo que significa ser LGBTI, dentro de certas gerações, provavelmente terão menos redes sociais de apoio. É por isso que às vezes digo que os velhos LGBTI são uma população comparável a mulheres solteiras sem filhos. Em muitos casos, os LGBTIs velhos não abriram caminhos de contato para informar vizinhos e amigos sobre suas vidas. E então a vida é mais nos bastidores. Na Espanha, por exemplo, o franquismo pediu aos pais que denunciassem seus filhos se fossem gays. São gerações marcadas por esses níveis de perseguição. Então, o que muitos ativistas nos últimos anos começaram a ver sobre os velhos LGBTIs era que eles não aceitavam cuidadores, não queriam deixar as pessoas entrarem em suas casas ou entrar em suas vidas. Eles perceberam que os cuidadores tinham que ser propostos para aqueles que também eram LGBTI. O governo de Madri paga às ONGs para realizar essas tarefas de atendimento. Não agora por causa da pandemia. É algo que vem de vários anos. Mesmo na Argentina, depois das leis de igualdade de casamento e identidade de gênero, muitas pessoas ainda tinham medo de contar sobre suas vidas. Estamos falando de pessoas que, em alguns casos, podem ter acabado de sair do armário depois que seus pais morreram. O raciocínio que muitas vezes me foi transmitido foi: “E se isso for uma moda? O que acontece se eu for exposto e tudo voltar ao que era antes? ”
(*) Dolores Curia – repórter do jornal Página 12. Entrevista publicada em 27 de março de 2020. Para ler a íntegra basta clicar aqui. Tradução livre de Beltrina Côrte.
Foto destaque: Andrea Piacquadio