Com sagacidade e sabedoria, a humorista Emily Levine encontra seu derradeiro desafio: a morte. Nesta conversa pessoal, ela nos leva em sua jornada para fazer amigos com a realidade – e paz com a morte. A vida é um enorme presente, ela diz: “Você deve enriquecê-la da melhor maneira possível, e depois devolvê-la.
Emily Levine (*)
Vou primeiro dizer algo a vocês que teria evocado, na minha avó, um alarme de cinco “ais”: “Ai-ai-ai-ai-ai”. E aqui está… estão prontos? Muito bem. Eu tenho câncer de pulmão, estágio IV. Ah, eu sei: “Pobrezinha de mim!” Eu não me sinto assim, estou muito bem com isso. E admito, tenho certas vantagens… nem todo mundo pode assumir uma atitude tão arrogante. Eu não tenho filhos pequenos. Tenho uma filha adulta genial, feliz e maravilhosa. Não tenho muito estresse financeiro. Meu câncer não é tão agressivo. É como a liderança democrata… incerta de que pode vencer. Está, basicamente, ali, só esperando receber algum dinheiro do Goldman Sachs.
Ah, e o melhor de tudo: tenho uma grande conquista no meu currículo. Sim. Eu nem sabia, até que alguém me tuitou há um ano. E aqui está o que disseram: “Você é responsável pela efeminação do macho americano”. Não que eu possa ficar com todo o crédito, mas… e quem não tem as minhas vantagens? O único conselho que posso dar a vocês é fazer o que fiz: façam amizade com a realidade. É impossível que tenham uma relação pior com a realidade do que eu tive. Desde o início, eu sequer me sentia atraída pela realidade. Se o Tinder existisse quando conheci a realidade, eu a teria rejeitado e a coisa toda teria acabado.
E a realidade e eu não compartilhamos os mesmos valores ou objetivos. Para ser honesta, não tenho objetivos. Tenho fantasias. Elas são exatamente como objetivos, mas sem muito esforço.
Não sou uma grande fã de trabalho duro, mas vocês conhecem a realidade: ou é “vai, vai, vai, vai” do seu agente, a função cerebral executiva… Um dos “uhus” da morte é: minha função cerebral executiva não vai mais me ter por perto pra me maltratar. Mas algo aconteceu que me fez perceber que pode ser que a realidade não seja realidade. O que aconteceu foi: eu basicamente queria que a realidade me deixasse em paz, mas eu queria ficar em paz numa bela casa com um belo fogão e uma geladeira Sub-Zero, aulas particulares de ioga… mas acabei com um contrato de gravação na Disney. E um dia, lá estou eu no meu novo escritório, no número dois da Rua Pateta, e a realidade achou que eu deveria me orgulhar disso… e olho pro presente que me mandaram para comemorar minha chegada. Não o vaso Lalique ou o piano de cauda que já ouvi dizer que outros receberam, mas um Mickey Mouse de pelúcia de 1,5 m de altura, com um catálogo, caso eu quisesse pedir algo mais que não zombasse do meu gosto.
E quando olhei no catálogo para ver o preço daquele camundongo de 1,5 m de altura, ele estava descrito assim: “Tamanho real”. E foi quando caiu a ficha. Realidade não era “realidade”. A realidade era uma impostora.
Mergulhei na teoria da física quântica e do caos para tentar encontrar a realidade de fato e acabei de finalizar um filme. Sim, finalmente terminei, e é sobre tudo aquilo. Não vou falar nisso, e, de qualquer modo, só foi depois que rodamos o filme, quando quebrei a perna e não ficou boa, fizeram outra cirurgia um ano depois, mais um ano e nada, dois anos na cadeira de rodas… E foi só aí que entrei em contato com a realidade de fato: limites.
Os mesmos limites que passei minha vida inteira negando, deixando no passado e ignorando, eram reais e tive que lidar com eles, e eles exigiram imaginação, criatividade e todas as minhas habilidades. Descobri que eu era ótima na realidade de fato. Eu não apenas a aceitei, mas me apaixonei por ela! E eu devia ter sabido disso, devido à minha relação igualmente frágil com o Zeitgeist… Eu só vou dizer que, se alguém estiver no mercado procurando um Betamax…
Eu deveria saber que, no momento que me apaixonei pela realidade, o restante do país decidiria seguir na direção oposta. Mas não estou aqui pra falar do Trump, da direita alternativa, dos negadores da mudança climática ou até mesmo dos criadores dessa coisa, a qual eu teria chamado caixa, apesar de estar escrito bem aqui: “Isto não é uma caixa”.
Estão me abusando psicologicamente.
Mas quero falar a respeito de um desafio pessoal com a realidade, que pessoalmente levo a sério, e quero começar dizendo que eu absolutamente amo a ciência. Eu tenho uma… não sou cientista, mas tenho uma estranha habilidade de entender tudo sobre ciência, exceto a ciência de fato, que é a matemática. Mas os conceitos mais estranhos fazem sentido pra mim. A teoria das cordas: a ideia de que toda a realidade emana das vibrações dessas pequeninas… chamo isso de “The Big Twang”.
A dualidade onda-partícula: a ideia de que uma coisa pode se manifestar como duas, sabem? Que um fóton pode se manifestar como uma onda e uma partícula coincidiu com minhas intuições mais profundas de que as pessoas são boas e más ideias estão certas e erradas. Freud estava certo sobre a inveja do pênis e estava errado sobre quem a sente.
E há uma ligeira variação disso: a realidade parece duas coisas, mas acaba sendo a interação dessas duas coisas, como espaço-tempo, massa-energia e vida e morte. Então, eu não entendo, simplesmente não entendo, a mentalidade das pessoas que querem “derrotar a morte” e “superar a morte”. Como se faz isso? Como se derrota a morte sem matar a vida? Não faz sentido para mim.
E também tenho que dizer que acho isso de uma ingratidão incrível. Você recebe este presente extraordinário, a vida, mas é como se tivesse pedido ao Papai Noel por um Rolls-Royce Silver Shadow e, em vez disso, tenha ganhado uma centrífuga de salada. É como uma queixa: essa queixa de que a vida tem uma data de vencimento. A morte é a desmancha-prazeres. Eu não entendo isso, e, pra mim, é desrespeitoso. É um desrespeito com a natureza. A ideia de que vamos dominar a natureza, vamos controlar a natureza, pois ela é muito fraca pra resistir ao nosso intelecto. Não, acho que não! Acho que se vocês leram física quântica como eu li… bem, eu li um e-mail de alguém que tinha lido, mas…
Precisamos entender que não vivemos mais no universo mecânico de Newton. Vivemos num universo de casca de banana, e nunca seremos capazes de saber tudo ou controlar tudo ou prever tudo. A natureza é como um carro autônomo. O melhor que podemos ser é como a velhinha naquela piada, não sei se já ouviram. Uma velhinha está dirigindo com a filha de meia-idade no assento do passageiro, e a mãe atravessa um sinal vermelho. E a filha não quer dizer nada que possa parecer com: “Você está velha demais pra dirigir”, então ela não diz nada. Mas aí a mãe atravessa um segundo sinal vermelho, e a filha, com o maior tato possível, diz: “Mãe, você está sabendo que acabou de atravessar dois sinais vermelhos?” A mãe, assustada, diz: “Ah, eu estou dirigindo?”
Então… E agora, vou dar um salto mental, o que é fácil pra mim porque sou o Evel Knievel dos saltos mentais. A placa do meu carro diz: “Cogito, ergo zoom”. Espero que estejam dispostos a vir comigo nessa. Mas meu grande problema com a mentalidade que está tão a fim de derrotar a morte é que, se você é anti-morte, isso pra mim se traduz como anti-vida, se traduz como anti-natureza, e também se traduz como anti-mulher, porque as mulheres há muito tempo têm sido identificadas com a natureza. E minha fonte pra isso é Hannah Arendt, a filósofa alemã que escreveu um livro chamado “A Condição Humana”. E nele, ela diz que, classicamente, o trabalho está associado aos homens. Trabalho é o que sai da cabeça, é o que inventamos e criamos, é como deixamos nossa marca no mundo. Ao passo que mão de obra está associada ao corpo. Está associada às pessoas que executam ou suportam a mão de obra. Então pra mim, a mentalidade que nega isso, que nega que estamos em sincronia com os biorritmos, os ritmos cíclicos do universo, não cria um ambiente acolhedor para as mulheres ou para as pessoas associadas à mão de obra, o que se refere às pessoas que associamos como descendentes de escravos, ou que realizam trabalhos manuais.
Aqui está como fica isso do ponto de vista de um universo da casca de banana, da minha mentalidade, que chamo de “O universo de Emily”. Em primeiro lugar, sou incrivelmente grata pela vida, mas não quero ser imortal. Não me interessa que meu nome viva depois que eu me for. Na verdade, não quero isso, porque tenho observado que não importa o quão bom, genial ou talentoso você seja, 50 anos após a sua morte, as pessoas começam a te difamar.
E tenho provas concretas disso. Uma manchete do Los Angeles Times: “Anne Frank: não tão boazinha, afinal”.
Além disso, adoro estar em sintonia com os ritmos cíclicos do universo. É o que há de mais extraordinário na vida: um ciclo de geração, degeneração, regeneração. “Eu” sou apenas um acúmulo de partículas que foi organizado neste padrão e irá se decompor e estará disponível, todas suas partes constituintes, à natureza, pra se reorganizar em outro padrão. Pra mim, isso é muito empolgante e me faz ficar ainda mais grata por ser parte desse processo.
Sabem, vejo a morte agora do ponto de vista do biólogo alemão, Andreas Weber, que a observa como parte da cultura da doação. Recebemos este presente enorme, a vida, nós a enriquecemos da melhor maneira possível, e depois a retribuímos. E minha tia Mame dizia: “A vida é um banquete”. Eu já me fartei da minha porção. Sempre tive um apetite enorme pela vida. Eu tenho consumido a vida, mas, na morte, serei consumida. Irei pra debaixo da terra como sou, e lá, eu convido todos os micróbios, as bactérias, e elementos de decomposição a se fartarem de mim. Eles vão me achar deliciosa!
Acho mesmo.
A melhor coisa da minha atitude, eu acho, é que ela é real. É possível vê-la e observá-la. Ela realmente acontece. Talvez não esteja enriquecendo o meu presente, não sei quanto a isso, mas minha vida certamente tem sido enriquecida por outras pessoas. Pelo TED, que me apresentou a uma rede de pessoas que têm enriquecido a minha vida, incluindo Tricia McGillis, minha designer de website, que está trabalhando com a minha filha maravilhosa para transformar meu site em algo, e tudo que tenho a fazer é escrever um blog. Não preciso usar a função cerebral executiva. Ha, ha, ha, eu venci!
E sou tão grata a vocês. Eu não quero dizer “o público”, porque não nos vejo como duas coisas separadas. Eu penso nisso em termos da física quântica, novamente. E os físicos quânticos não sabem exatamente o que acontece quando a onda se torna uma partícula. Existem diferentes teorias: o colapso da função de onda, a decoerência quântica… mas todos concordam que a realidade acontece através de uma interação. Assim, como vocês, e todo público que já tive, no passado e no presente. Muitíssimo obrigada por tornarem a minha vida realidade.
(*)Emily Levine é humorista. Mas seu trabalho, em sua essência, faz conexões sérias – entre a ciência e a cultura pop, entre o que dizemos e o que supomos secretamente … Ela examina as oposições ocultas, as intocáveis verdades da mente moderna. Ela propõe “a lógica quântica de e / e” – uma visão completamente pós-moderna, cientificamente informada, que permite estados complicados de ser. Para mais informações sobre os pensamentos de Levine sobre a vida e a morte, leia seu blog, “The Yoy of Dying”, no EmilysUniverse.com, junto com atualizações sobre “Emily @ the Edge of Chaos” e pronunciamentos do Oracle Em. Palestra dada no TED2018. Tradução de Maricene Crus e revisão de Sarah Tambur.