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Como a má qualidade do sono prejudica a saúde do nosso cérebro

Pesquisas têm demonstrado que as perturbações do sono podem preceder as doenças neuropsiquiátricas tais como a demência de Alzheimer.

 

Como já comentamos em outra ocasião, as pesquisas atuais vêm cada vez mais demonstrando a importante correlação entre a qualidade do sono e a maior probabilidade de apresentar demência. Hoje abordamos um dos mecanismos mais implicados neste processo: o relógio circadiano.

Trata-se de um sistema essencial, compartilhado por quase todos os organismos vivos, e que se mantém sempre em funcionamento. É uma evolução ao longo de milhões de anos e que, basicamente, divide nosso dia de 24 horas em períodos ideais para comer e digerir alimentos, dormir e evitar predadores e outros impulsos biológicos para nos manter vivos e saudáveis.

Antes mesmo de acordar de manhã, o seu relógio circadiano já está preparando o seu corpo para o estresse, regulando certos genes“, explica Erik S. Musiek, professor assistente de neurologia da Escola de Medicina da Universidade de Washington, em Washington, St. Louis, Missouri, EUA.

O relógio circadiano, na verdade, não é um único relógio ou um ponto no nosso corpo, mas sim inúmeras áreas cerebrais e periféricas, mediadores e neuromoduladores, hormônios, mecanismos de retroalimentação positiva e negativa, entre outros, todos interconectados, cuja sede do sistema é o núcleo supraquiasmático (NCS) localizado no hipotálamo, o chamado “relógio mestre”.

Desta forma, o sistema nervoso central sincroniza os milhares de genes controlados por relógios expressos em nossas células em todo o nosso corpo, do nosso cérebro à nossa pele, que contribuem para a função metabólica e fisiológica. Não são apenas mecanismos internos, entretanto, já que estímulos externos tais como luz, temperatura e horários de alimentação também interagem a fim de nos manter adaptados às mudanças do meio ambiente. Quando tudo está correndo em harmonia, há poucos motivos para nos preocuparmos, mas se o sistema começar a desmoronar em qualquer nível, o estrago pode acontecer.

O sono e o rompimento do ritmo circadiano (SCRD) têm sido associados ao aumento do risco de doenças metabólicas, tais como obesidade e diabetes e ao desencadeamento de alguns cânceres, além da relação como nossa saúde neurológica e mental.

Os cientistas vinham se perguntando o que vem primeiro: a perturbação do sono ou o aparecimento da doença que leva à perturbação do sono? Sabe-se, por exemplo, que pessoas com demência de Alzheimer frequentemente apresentam agitação no final da tarde/ início da noite (também conhecida como “sundowning”), uma das principais causas que levam à institucionalização.

Porém, nos últimos anos, as pesquisas têm demonstrado que as perturbações do sono podem preceder as doenças neuropsiquiátricas tais como a demência de Alzheimer.

Em um estudo de 2016, os pesquisadores desligaram o relógio circadiano em um grupo de ratos adultos e descobriram que isso resultou em sinais indicadores de depressão: desamparo, desespero comportamental e ansiedade.

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Em um estudo no ano seguinte, pesquisadores forneceram o que se acredita ser o primeiro relato de uma associação entre uma alteração do DNA rítmico e a expressão do gene do relógio, um indício de que, na doença de Alzheimer, essas perturbações moleculares podem estar relacionadas ao seu desencadeamento.

Nós vimos que na progressão da doença de Alzheimer, no início da doença, temos uma completa disrupção do ritmo. As interrupções do sono sempre foram consideradas uma consequência da doença, mas nosso trabalho estava mais alinhado com outras evidências que mostram que, de fato, esse desalinhamento circadiano acontece cedo o suficiente para contribuir para a progressão da doença“, explicou a pesquisadora Paula Desplats, professora assistente nos departamentos de neurociências e patologia da Universidade de Washington.

Outras pesquisas demonstram que anormalidades do ritmo circadiano estão presentes em pacientes com doença de Alzheimer pré-clínica, o que pode, em um futuro próximo, ser um valioso biomarcador para avaliar a progressão da doença.

Se estas pesquisas estão em um caminho correto, como parecem, a desregulamentação dos ciclos circadianos também contribui para a doença de Alzheimer, como já sabemos que acontece com os distúrbios metabólicos. Isto significa que poder ser capaz de interagir a partir do ambiente e tentar manter o relógio circadiano correndo bem por um longo tempo, pode até mesmo modificar a progressão da doença, o que seria um grande avanço. Por exemplo, isso significaria manter estes doentes em casa mais tempo, o que é realmente um objetivo precioso. Isso faz com que este campo de pesquisa seja muito atraente e emocionante“, disse Desplats

O aumento das pesquisas sobre o ritmo circadiano, porém, traz consigo preocupações sobre o empobrecimento do sono da vida moderna, já que nossa sociedade atual funciona 24 horas por dia, 7 dias na semana agora, principalmente graças à Internet.

Uma pesquisa feita pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano (CDC) estima que mais de um terço dos adultos americanos não consiga dormir por, pelo menos, 7 horas de sono por noite.

Vários estressores de vida e fatores ambientais provavelmente contribuem para esses números, tais como o trabalho em turnos alternados noite/dia, que tem sido associado ao aumento de AVC e diabetes. Outro fator de risco é o brilho de nossos sempre presentes telefones celulares, tablets e outras mídias baseadas em tela, cujo uso tem sido associado à diminuição do sono em adultos, crianças e adolescentes.

Até mesmo a qualidade da luz em si é um problema. Os diodos emissores de luz (LEDs) têm sido associados à diminuição da produção de melatonina, importante hormônio do relógio. Embora os LEDs exijam menos energia e tenham benefícios ambientais claros, eles também são considerados os principais contribuintes para o aumento da taxa de clareamento anual da Terra, o que prejudica nossa capacidade de dormir.

Você está exposto à luz quando vai ao banheiro às 2 da manhã, mas não redefine completamente o seu sistema circadiano para pensar que é dia”, afirma Musiek, “mas a exposição crônica noite após noite poderia ter este efeito“.

É irrealista aconselhar as pessoas a renunciar às tentações tecnológicas dos dias modernos, ou esperar que os dias de trabalho voltem a ser regulados pela luz do sol, mas todos os profissionais de saúde devem informar as pessoas e orientá-las a dormir e ter uma boa noite de sono, além da dieta e exercícios.

Fontes

https://www.medscape.com/viewarticle/906053?src=soc_fb_181212_mscpedt_news_neuro_circandian&faf=1#vp_3

https://www.health.harvard.edu/mind-and-mood/daytime-sleepiness-may-indicate-a-higher-risk-for-alzheimers-disease?utm_content=buffer3edad&utm_medium=social&utm_source=facebook&utm_campaign=buffer

 

Maria Elisa Gonzalez Manso

Médica e bacharel em Direito, pós-graduada em Gestão de Negócios e Serviços de Saúde e em Docência em Saúde, Mestre em Gerontologia Social e Doutora em Ciências Sociais pela PUC SP. Orientadora docente da LEPE- Liga de Estudos do Processo de Envelhecimento e professora titular do Centro Universitários São Camilo. Pesquisadora do grupo CNPq-PUC SP Saúde, Cultura e Envelhecimento. Gestora de serviços de saúde, atua como consultora nas áreas de envelhecimento, promoção da saúde e prevenção de doenças, com várias publicações nestas áreas.

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