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Coisas que nunca dissemos aos nossos pais

Nem sempre dizemos tudo aos nossos pais, por isso Andrea Dip pediu a alguns colegas que escrevessem as palavras que deixaram de falar a seus pais para o blog PapodeHomem. Destacamos a de Ana Lúcia Keunecke: “Pai eu te amo e te admiro por não ceder à vida mansa, fácil e confortável.

Andrea Dip *

 

Eu te amo por você, aos 70 anos, estar fazendo faculdade e não desistindo de aprender nunca. Eu te amo por me mostrar o melhor de mim. Eu enxergo suas qualidades, mas te amo por olhar os seus defeitos, por ver o pior de você em mim e por termos juntos a possibilidade de construir uma história diferente.

Eu e o meu pai nos escolhemos. A gente não tem laços de sangue mas também não fomos simplesmente obrigados a conviver um com o outro por causa de um casamento dele com a minha mãe. Não.

Eu escolhi que ele seria meu pai e ele me escolheu como filha.

Não sei qual foi o exato momento em que isso aconteceu mas minha mãe jura que foi em um passeio a Campos do Jordão que fizemos os três quando eles ainda namoravam – meu irmão ainda não tinha nascido – e em um gramado bem grande e verde, ele ajoelhou e abriu bem os braços e eu, com três anos de idade, corri do colo da minha mãe pro seu abraço.

Ela tem o registro desse exato segundo guardado e eu vi e revi essa foto muitas vezes nesses 30 anos depois. Pode ser. O fato é que aos nove eu quis mudar de sobrenome porque não via sentido em carregar sozinha um nome judeu polonês que não me remetia a nada – até então meu pai biológico estava sumido e eu nem sabia qual era a cara dele.

Fui saber muitos anos depois, quando nos encontramos por acaso. E a cara dele era a minha, foi chocante. Ele sumiu e apareceu muitas vezes depois até que faleceu no começo deste ano. Eu fui no enterro.

Rasguei um pedaço da minha roupa e joguei terra em seu caixão como manda a tradição judaica. Foi triste e também muito simbólico. Mas hoje carrego o sobrenome do meu pai escolhido. Meu filho também.

Recentemente, descobrimos que o véio tem uma doença com um nome feio que ainda não consigo repetir em voz alta e que dá umas dores muito fortes em sua coluna. É difícil ver o herói abatido, frágil. Às vezes acho que não ligo pra ele todo dia só pra não ouvir que está doendo e sei que isso é um egoísmo enorme da minha parte. Ó pai, essa é a primeira coisa nunca te falei.

Às vezes eu não ligo pra ti por uma dificuldade imensa em te ver sofrer.

Respira fundo e lê as outras, que vou disparar aqui. Um pessoal vai fazer a mesma coisa para os pais deles, é sempre bom dizer o que ainda não se disse. Ou re-dizer, né, vai que vocês esqueceram…

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Andrea e seu pai

Eu nunca gostei tanto assim de Pink Floyd. Mas curtia sua empolgação ao assistir comigo The Wall e explicar cada cena, todas as vezes. E foram umas 930. Também não gosto muito dos outros caras do rock progressivo. Desculpa. Mas vou ouvir todas as vezes que você botar pra tocar, assim como você pacientemente ouviu e se interessou por todas as minhas fases musicais – de Bob Marley a Green Day, de Portishead a Bikini Kill. E me ensinou a tocar elas no baixo.

Quando eu era criança, fingia que estava dormindo no carro pra você me carregar pra casa. Mas acho que você já sabe disso.

Ah, e obrigada por você não deixar a mamãe me por vestidos enormes e cheios de tules e babados e me dar espadas ao invés de panelinhas.

Se hoje eu sou essa “feminista radical” com quem você tanto implica, a culpa também é um pouco sua.

Guilherme Valadares, 31, editor chefe e fundador do Papo de Homem

Oi, Antônio.

Hoje me sinto um homem satisfeito na relação com você. Feliz por ter tido o que seria importante dizer, mas que não custa nada repetir, já que poucas vezes nos encontramos a cada ano: te admiro e respeito como pai e como amigo, tenho orgulho de você, aprendi muito sobre a vida ao seu lado e à distância, procuro caminhar pelo mundo de um modo que não o decepcione, penso e falo com carinho sobre você bem mais vezes do que imagina, me sinto enormemente grato pelo amor com que me criou e tudo que fez por mim, garantindo educação, teto, comida, cultura – pode soar básico, mas não acho que seja. Sei que fez o seu melhor. Um abraço comprido de seu filho, pai. Te amo. E sinto saudades.

PS.: não sei porque, mas por vezes me emociono muito ao lembrar de você, pai. Chorei ao escrever esse pequeno texto.

Marina Dias, 24, coordenadora de comunicação

Eu queria contar pro meu pai que hoje vi um beija-flor no centro de São Paulo. Ele adorava ficar olhando os beija-flores, não gostava de São Paulo. Não tive tempo de contar sobre o beija-flor nem sobre todas as coisas que me aconteceram nos últimos cinco anos. E é isso que me faz mais falta.

Pai, tô mudando de cidade; pai, arrumei emprego novo; pai, vou mudar de casa; pai, hoje eu levei um tombo na rua e ralei o joelho mas tá tudo bem; pai, tava tentando ter um vaso de lavanda em casa, mas acho que coloquei água demais; pai, hoje eu fiz aquele seu prato famoso que junta tudo que tem na geladeira e joga na panela, ficou ótimo!

Eu queria ter com o meu pai todas as conversas que a gente não teve tempo de ter.

Rodrigo c, 29, Gerente de Projetos do Papo de Homem (Rodrigo, Bruno e o pai têm uma banda de rock geriátrico)

“Tenho medo de envelhecer e ficar igual ao meu pai.”

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Quem nunca ouviu essa frase por aí?

Eu tenho medo de envelhecer e não ficar igual ao meu pai que com 60 anos tem uma banda de rock, cursa teatro, anda de moto, toca a empresa dele, tem uma namorada e 3 filhos.

A ideia de ser um velho carrancudo, barrigudo, que passa os dias sentado numa poltrona reclamando da vida sempre me apavorou.

E é tudo culpa do meu pai.

“Você é teimoso pra diabo, é muito chato discutir contigo.”

Eu queria te falar isso, mas a Nathalia (minha esposa) já me disse isso umas 300 vezes.

Douglas Moura, 30, lutador de MMA

Pai, você sempre foi exemplo de trabalho pra mim. Eu nunca falei nada mas sempre prestei atenção, pelas dificuldades que a gente já passou na vida, você nunca deixou de acreditar que iria conseguir mesmo todo mundo falando o contrário.

A gente já passou por situações em que eu vi nos seus olhos o desespero, com medo de faltar comida em casa, de a gente estar morando de favor em um lugar pequeno, cheio de ratos e baratas e mesmo assim você não deixou a peteca cair.

Me lembro de um inverno em que fez o maior frio que já teve no Rio de Janeiro, em 1998, e você triste porque não tinha condições de me comprar um casaco. E hoje tudo que você plantou, você colheu. Comprou casa, comprou o sítio em que nasceu. Meu avô vendeu e você sempre falou que iria comprar de volta. E quando eu desanimo e tenho vontade de parar de fazer o que estou fazendo me lembro de você.

Pai, você é meu maior exemplo de lutador da vida. Meu maior ídolo.

Douglas: “Quando eu desanimo e tenho vontade de parar de fazer o que estou fazendo me lembro de você.”

Ana Lúcia Keunecke, 41 anos, ativista dos direitos das mulheres e diretora jurídica da Artemis

Quando se tem consciência de uma série de opressão que a mulher vive por sua condição feminina, amar um homem não é fácil. E eu amo um homem profundamente, e mais ainda quanto mais eu o conheço. Eu amo meu pai Claudenir Oliveira da Silva.

O amo pelo aprendizado e admiração na sua determinação de superar suas dificuldades a cada dia. O amo pela integridade e por ter me ensinado o valor da honestidade. O amo pela aceitação das suas limitações. O amo por sua fragilidade. O amo por ver o quanto ele trabalha para se desconstruir dos valores do patriarcado e que, ainda que derrapando tantas vezes, tem dados bons resultados. O amo por ele me enxergar, e por ter a sinceridade de dizer que está aprendendo comigo.

Pai eu te amo e te admiro por não ceder à vida mansa, fácil e confortável. Eu te amo por você, aos 70 anos, estar fazendo faculdade e não desistindo de aprender nunca. Eu te amo por me mostrar o melhor de mim. Eu enxergo suas qualidades, mas te amo por olhar os seus defeitos, por ver o pior de você em mim e por termos juntos a possibilidade de construir uma história diferente.

Eu te amo por aprender contigo o valor da verdade. Eu te amo por aprender com você a persistência. E eu te amo porque, com nossa convivência e experiências, eu posso fazer do mundo um lugar melhor. Obrigada pai, pela história juntos.

Rodrigo Brandão, 42, músico (na foto 4 gerações: pai, filho, avô e Rodrigo)

Toda vez que a memória me leva de volta à presença paterna na infância, ouço a voz da Maria Bethânia entoar os versos outrora proibidos de Chico Buarque: “Pai, afasta de mim esse cale-se, Pai…”.

Primeiro por osmose, já que o vinil Álibi loopava no toca disco da sala, no número 33 da Rua Imperatriz, Jd. Sto. Antônio, Osasco. Mas também por livre associação: mesmo que muitas vezes não concordasse, na maioria nem entendesse, Seu Brandão nunca tentou reprimir qualquer expressão que partisse do meu peito mundo afora.

Ao contrário, ensinou a apreciar leitura, me viciou em cinema, e jamais obrigou a ir na igreja. Logo depois dos 16, assinou a autorização e deu dinheiro pra pagar a primeira tatuagem.

Quando o grito de independência adolescente retumbou pelos quatro cantos da casa, respeitou minha opção de pegar trocentos trem, busão e camelar à solta na selva. Enquanto o gatuno aqui abusava do direito de ir e vir, ele montava guarda em frente à tv, me esperando voltar da balada, já de manhã. Com o coração na mão, hoje sei, mas nunca tentou proibir qualquer viagem ao fim da noite.

Durante muito tempo, o enorme valor disso tudo passou batido por mim.

Foi no escorrer dos anos que relatos de abandono, alcoolismo, abuso sexual e violência doméstica vindos da boca de amantes e amigos foram botando os fatos em perspectiva. Comecei a perceber os poderes daquele modesto herói cotidiano.

Mas foi só depois de me ver na condição dele, quando passei a ser chamado de pai pelos pedaços de luz que me escolheram, que a ficha caiu de verdade.

Caralho… é Das Tripas Coração 24 x 7, maluco!

Então aproveito a oportunidade de agradecer a esse mineiro de 69 anos por todo amor, dedicação e respeito. Não que a gente viva sempre às mil maravilhas. Até hoje, de vez em quando o bicho pega, tem muitas questões a serem discutidas e resolvidas.

Mas aprendi que só vale a pena brigar com quem importa, caso contrário é pura perda de tempo e energia. E até essa minha forma torta de carinho ele aprendeu a aceitar.

* Andrea Dip é repórter da Pública e começou no jornalismo de direitos humanos em 2001 na revista Caros Amigos. Desde então já colaborou com veículos como Marie Claire, GQ, Revista do Brasil, Trip entre outros. Tem 4 prêmios de jornalismo e recentemente produziu a primeira reportagem investigativa em quadrinhos do Brasil, através do Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo da Andi. Texto publicado em PapodeHomem: Disponível Aqui 

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