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Clara Szajubok, sob as luzes da ribalta

O encontro é no Centro da Cultura Judaica (Rua Oscar Freire, 2500 – SP) -, onde ela faz aulas de teatro. Chega para a entrevista, pontualíssima, muito simpática e elegante. Somos apresentadas por uma amiga em comum, Talitha Lobo – que faz aulas de teatro com ela e também fotografa esta entrevista.

Alessandra Anselmi / Fotos de Talitha Lobo e Clara Szajubok (arquivo pessoal)

 

Clara logo se adianta em dar-me dois beijos, um em cada lado do rosto. Depois de escolher a mesa onde iremos nos sentar, ela insiste em pagar o meu café, digo: “Não, dona Clara, deixa que eu pago”. Ela responde, ofendida: “Ah não, imagina, faço questão”, e, por respeito, aceito, sem me sentir totalmente satisfeita com isso. E ela, solidária com meu constrangimento, segura em meus braços e em tom de confidências, acrescenta: “E nada de dona Clara, por favor, nem senhora, hein, é tão sério”, ela me diz, quase implorando, com aqueles olhos lindos e um sorriso meigo, “Como prefere que eu a chame?”, pergunto. Ela diz: “Apenas Clara, ou Clarita”, que é como os pais a chamavam.

As raízes
Clara Szajubok nasceu em 9 de agosto em Sucre, cidade localizada no centro-sul da Bolívia. Os pais, Hermann Zloczower e Sally Herta Zloczower, saíram da Romênia recém-casados, fugidos da perseguição nazista, onde o Holocausto dizimou entre 250.000 judeus (e 25.000 ciganos). Na época, havia muita perseguição antijudaica nessa região e muitos judeus procuravam na América a oportunidade de uma nova vida. Foi então que, em 1938, pouco antes da segunda guerra eclodir, a família seguiu para a Bolívia, “porque ainda era um dos únicos países que aceitavam judeus”, conta Clara.

E foi lá, na Bolívia, que Clara e a irmã, Martha, cresceram brincando pelas ruas de Sucre: “Minha meninice foi muito tranquila, apesar de, em termos políticos, a Bolívia ser um país instável. Sempre com revoluções para trocas de presidentes. E mesmo na minha cidade tinha às vezes ‘bagunças, mas para crianças tudo é farra! Mas em geral era calmo”.

Depois, desejosos de uma vida melhor, com condições de crescimento profissional, vieram para o Brasil, lá pelos idos de 1953. A princípio, residiram em uma pensão no bairro de Higienópolis – bairro onde Clara vive até hoje desde 1977. Na pensão, ficaram apenas por alguns meses, indo morar logo em seguida em um prédio, próximo ao Minhocão (elevado Costa e Silva, Centro de São Paulo) – o que para ela foi uma experiência única, conta: “Imagina isso para uma criança de 12,13 anos, naquela época não era tão comum se deparar com construções assim e, o minhocão era uma coisa. E ah! havia o carnaval, era uma delícia! A gente desfilava (todo mundo da escola) ao redor da praça. Mesmo como criançola lembro que eu ia de casa para a escola sozinha, ou na loja dos meus pais. Brincava na praça, tinha amiguinhas e amiguinhos e jogávamos muito, não sei como chama, mas eram uns saquinhos costurados com pedrinhas”, referindo-se ao jogo milenar, de origem grega, conhecido como Cinco Marias.

“Lembro-me que eu e minha irmã, rapidamente, arrumamos uma maneira de chamar a atenção dos rapazes que moravam na república de estudantes de direito em frente ao nosso prédio e, por pura inocência de criança mesmo, subíamos em uma mesa, – ‘o nosso palco’ improvisado e juntas, dançávamos. Acho que foi o começo da minha paixão pelo teatro. Lembro-me como se fosse hoje, imitávamos a atriz Lana Turner – que havíamos visto no musical “A Viúva Alegre” (1952), um clássico do cinema americano, de Ernst Lubitsch, adaptação da ópera “Die Lustige Witwe” de Franz Lehár, com Fernando Lamas e Lana Turner como protagonistas. “Ah, como ela era linda e eu queria ser como ela, eu me imaginava a Clara Turner” (risos).

“Meus pais sempre foram muito liberais, em todos os sentidos, acredito que muito do que sou hoje, muito da paixão que tenho por arte, vem da educação que tive deles. Quando morávamos na Al. Jaú e eu estudava no Colégio Oswaldo Cruz, lembro-me que meu pai costumava nos levar ao cinema frequentemente e também para passear na Praça da República. Todos os dias, quando eu chegava da escola, pegava a marmita do meu pai, subia na marinete (antigo transporte coletivo de passageiro) e, cansada, ia dormindo pelo caminho todo, levar o almoço ainda quentinho para meu pai que tinha uma loja de roupas infantis em Santana”.

Pergunto à Clara sobre sua formação profissional:

“Formei-me em Secretariado em 1960, e fui trabalhar na empresa Neo-rex do Brasil, que ficava no Itaim, cujo dono era alemão e eu pude, além da experiência profissional, também exercitar o alemão que eu e Martha aprendemos com tia Erna – irmã do meu pai –, que ele conseguiu levar para morar na Bolívia também. Meu patrão frequentemente pedia-me para escrever cartas à sua família que havia ficado na Alemanha e eu fazia com muito gosto. Mas, depois da morte do meu pai, assumi o trabalho na loja até me aposentar. A loja foi vendida tempos depois da morte da minha mãe”.

A morte dos pais
“Eu tinha uma ligação muito especial com meu pai, muito carinhosa, uma verdadeira adoração. Costumava chamar meu pai de ‘meu baixinho’ e ele me chamava de ‘meu amorzinho’ – aliás, essas foram as últimas palavras dele em vida: ‘Meu amorzinho’ (pausa longa) e, com olhos marejados, confessa: “Meu pai teve Alzheimer e minha mãe cuidou dele bravamente, depois vimos que precisávamos de ajuda e resolvemos, então, interná-lo. Ele durou poucas semanas internado e, quando ele se foi, sofri muito, mas eu tinha o apoio e a presença de minha mãe, o meu filho Marcelo, e a vida vai preenchendo o vazio. Mas, quando minha mãe faleceu, parece que algo se rompeu dentro de mim, senti um vazio imenso e passei por uma fase muito difícil. Hoje, só restou a saudade e, cada vez que vou entrar em cena, depois do nosso aquecimento e da oração, eu peço em pensamentos que ela venha me assistir durante o espetáculo.”

Mulher, amiga, mãe, avó, irmã…
“Conheci o Pedro – meu primeiro marido – num bailinho na casa de algum conhecido. Nos tornamos amigos, noivos e casamos, isso depois de 9 meses que havíamos nos conhecido. Eu tinha 21, 22 anos e ele, dois anos a mais. Ficamos casados por 14 anos e somos grandes amigos até hoje! É o pai do meu único filho, Marcelo, que eu amo de paixão! Ele tem 42 anos, é psicólogo e me deu de presente 3 netos lindos, veja!”. E me mostra orgulhosa a fotos dos três netinhos na carteira: “Nicole de 13 anos – ela é tão parecida com a minha ex-nora Sabrina -, já o Rafael de 12 e Felipe de 10 anos se parecem mais com o Marcelo, não são lindos os meus netos?” ela me pergunta.

“Depois que me separei vivi cinco anos sozinha. Foi uma época muito boa, e algum tempo depois, durante uma festa – sempre em uma festa, já reparou? (risos) -, em um clube, conheci meu segundo marido – Norberto –, que faleceu do coração em 1987 -, ele era 18 anos mais velho que eu e ficamos casados por dez anos”.

Pergunto a Clara se não quis se casar novamente depois da morte de Norberto. E ela me responde: “Não é que não quis casar novamente, mas não houve ninguém. Mas gostaria de ter um companheiro”.

“Foi com Norberto que pude viajar, conhecer outras culturas. E olha, sem ser esnobe, viu, mas eu viajei hein! (risos). Fomos para Israel, Espanha, Inglaterra, Portugal, Áustria… uma viagem de dois meses! Imagina! Quem faz hoje em dia uma viagem tão longa, não é verdade?! Depois, a segunda vez que viajamos, fomos novamente para Israel e depois Suíça. Já a terceira vez, fomos para os Estados Unidos.

O que foi mais marcante de todas essas viagens?

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“Acho que cada lugar tem seu encanto. Viena foi muito marcante, aquela arquitetura toda e, Israel foi muito emocionante. Sabe, eu não tinha aquela vontade de conhecer Israel, mas a caminho, no avião, quando passamos por cima de Israel, todos os tripulantes começaram a cantar o hino e aquilo mexeu muito comigo. Quando pisei no solo daquele país, senti que pertencia também àquele lugar”.

Pergunto a Clara se fala hebraico e ela respondeu: “Nada, só ‘shalom´ (risos), é um idioma muito difícil”. Mais difícil que o alemão, que aprendeu com a tia? Ela diz: “Ah, muito mais difícil! 90% dos meus amigos falam hebraico, mas eu não, eu falo alemão!” (risos)

A única irmã, Martha Regina Panipucci, vive nos Estados Unidos há vinte anos, tem um casal de filhos: Renato, casado com Chris, tem dois filhos, Steven e Juliana; a outra filha é Eliana, casada com Johnny, que também têm dois filhos: David e Gabriella Vitoria. “Sinto muita saudade da minha irmã, mas ela tem sua vida, sua família, seu trabalho – hoje trabalha com o marido, mas antes como psicóloga o trabalho era de apoio psicológico a dependentes químicos. Imagina você, querida! Que coisa mais difícil deve ser trabalhar com isso. A vida para ela lá não é nada fácil – eu sei, e por isso, eu a admiro demais.”


Sou judia, frequento a Sinagoga, acendo as minhas velas, mas faço tudo da minha maneira. Alguns preceitos eu sigo, mas, em geral, crio os meus, com todo o respeito! Às sextas-feiras, faço questão de preparar o jantar de Shabat para receber meu filho, meus netos. É um momento de muita alegria, de muita união. Acho muito importante poder ensinar aos meus netos os preceitos, os rituais.

Clara por ela mesma
Peço para Clara se auto definir. Ela hesita, faz cara de: “Ai, que pergunta difícil”, e me responde: “Ah, eu posso dizer que sou alegre, leal, muito amiga, quando não gosto, não falo, evito. Gosto muito do que faço, amo meus netos, meu filho, minha irmã”.

Pergunto à Clara o que a tira do sério, o que a deixa triste? (pausa), o semblante vai se anuviando pela primeira vez. “Discutir! Definitivamente não suporto discussões, brigas. Principalmente se for com meu filho. Não gosto. Houve um tempo que eu sofria muito com isso, hoje acho que aprendi a lidar melhor, meus anos de vida me ajudaram nesse processo e, quando acontece, sou eu que tomo a iniciativa muitas vezes, até porque sou mãe”.

E o que deixa Clara feliz? “Ah, não precisa ser muita coisa não, o que me deixa muito feliz é poder estar entre os amigos, uma boa conversa, bebendo cerveja e falando da vida, acho que é o que mais gosto. Eu não poderia viver sem amigos”, ela me diz. Cinema também é outra paixão, “Procuro ir duas vezes por semana ao cinema, gosto de ver de tudo, musical, drama, romance. Eu e minha amiga e também atriz, Kazue Akisue, íamos mais, mas agora por conta da peça, tenho me dedicado muito ao teatro”.

A velhice
Medo de envelhecer ela afirma que não tem algum. “Nada, que é isso, não tenho medo de envelhecer, eu convivo bem comigo mesma, gosto do meu cantinho, da minha casa, de tomar de vez em quando meu cálice de vinho, sozinha mesmo – porque o vinho é uma bebida que dá para beber assim, curtindo a própria companhia. Para cuidar da saúde? Ah, eu gosto de comer de tudo viu, só não suporto buchada, nunca provei e nunca vou provar (risos). Também não gosto de exercício físico, eu até caminhava mais antigamente, mas assumo: tenho uma preguiça! (risos). Mas gosto de ficar na internet, facebook, falo com meus netos e com minha irmã pelo computador, é muito bom, uma forma de senti-los mais perto”.

Sobre aqueles que insistem em negar o envelhecimento, Clara acha tudo uma grande bobagem. “Deixa de ser boba, sai dessa”, ela diria, a essa pessoa. “Acho que temos que enfrentar o que vemos diante do espelho. Ainda mais hoje em dia que podemos ter uma vida um pouco melhor do que tínhamos antigamente. Temos mais qualidade. Chegar a essa velhice dessa maneira, inconcebível anos atrás, é a nova realidade, vejo por mim e por todos meus amigos. Muitos ajudam os filhos não só financeiramente, mas assumindo responsabilidades, como ir buscar o neto na escola, essas coisas. Agora, tem que ser com saúde, né! Não quero nem pensar de passar por algo como meu pai passou com o Alzheimer, ficar totalmente dependente de outra pessoa, perder a consciência dos meus atos”. Pergunto a ela: “E se isso acontecesse com Clara?” (pausa) “Ah eu ia ter que ter uma conversa com ELE lá de cima” – “E falaria o que com ELE?”, pergunto, ousada. Ela responde mais ousada ainda, e lindamente livre: “Pediria para ele aliviar meu sofrimento e me levar daqui. Mas, ah, não penso nessas coisas”. “E o que a faz deixar tão disposta?” E ela me responde sem pestanejar: “O teatro me mantém jovem!”

O teatro
O contato com o teatro mesmo veio através do trabalho voluntário na Organização Feminina Wizo – que ajuda crianças em Israel e aqui no Brasil. “Em uma das festas da Organização tive a oportunidade de interpretar a rainha Esther – com aquelas roupas lindas, diáfonas! Foi uma experiência maravilhosa!”.

Daí em diante, foi buscar a formação e nunca mais parou. Fez cursos de contação de história, curso de voz, clown, poesias dramatizadas, mitologia chinesa, mitologia grega, curso de teatro da escola de atores Edu Rodrigues, até chegar no Centro de Cultura Judaica, sem, no entanto, “parar jamais”, garante.

Clara tem várias peças no currículo, interpretando os mais diversos papéis e, por cada uma, tem um carinho especial, assume. Entre todas cita alguns: “A peça José e seu manto Technicolor no Teatro Sérgio Cardoso, com cerca de 200 atores no palco, cantando, com aquelas roupas andrógenas, olha que palavra mais linda – acrescenta (risos)”.”Assunta do 21″, de Nery Gomide, dirigida por Edu Rodrigues, “Os cinco movimentos”, de Ronaldo Ciambroni, e muitas outras.

A essa altura, pergunto a Clara: “O que o teatro te traz de tão bom?”

Os olhos brilham e ela começa a me mostrar todas as benesses de atuar. Espalhamos sobre a mesa do café algumas das inúmeras fotos das personagens que já interpretou no teatro ao longo do seus 6 anos de atuação. Ela vai me explicando uma a uma, falando das roupas, dos colegas atores, dos diretores, das amizades que se faz nesse processo, dos enredos de cada peça e da sensação que dá quando sobe no tablado. “Ai, sou outra pessoa, lá posso viver todos os personagens, todos os micos são permitidos”, (risos) e com as mãos tocando de leve as minhas, me diz: “Você vai poder ver um pouco disso hoje, daqui a pouquinho”. Clara se referia ao convite que recebi para assistir o ensaio da peça que irão encenar no final de outubro. A peca, “Tzures, Voluntários & Cia” – texto de Nadine Tzremielina e direção de Vivian Vineyard, conta a trajetória divertida e os percalços de um grupo de voluntários que trabalha em uma instituição de idosos. Clara vai interpretar Esther – uma russa de 63 anos, vinda do norte da Rússia, que passa uma temporada na Argentina e já mocinha vem para o Brasil, onde se casa e vive hoje com a mãe, dividindo seu tempo na instituição de idosos, a fim de ajudá-los e também de passar o tempo. Por enquanto, os atores repassam o texto, em encontros que ocorrem uma vez por semana no Centro Cultural Judaico.

“Para você existe alguma dificuldade no teatro?”, pergunto a Clara.

“Nenhuma. Apenas decorar o texto é agora muito mais difícil, mas leio sempre em voz alta”.

O horário para o ensaio está estourando e eu, inibida por tomar tanto o tempo de Clara, vou me levantando, agradecendo-a por ter me concedido a entrevista. Ela sorri e me diz: “Puxa, fazia muito tempo que eu não falava tanto de mim assim” (risos). E seguimos juntas para o ensaio. Sou apresentada à professora e diretora Vivian Vineyard, que se senta ao meu lado e, entre uma encenação e outra, gentilmente vai me explicando o contexto. Atenta, não deixa passar um detalhe: “Fulano, traz para o próximo ensaio essa partitura inserida no texto, ok”, “Beltrano, não é essa fala agora”, “Cicrano, olha a marcação”, mas tudo é dito tão suavemente que nem se sente. Ao final, convidam-me para fazer o encerramento com eles, de mãos dadas, em cima do palco e, conforme Clara disse-me muito bem, pude também sentir um pouco dessa magia.

Sobre o ato final
Antes de nos despedirmos de vez, e ainda comovida por tudo que vivenciei naqueles instantes, pergunto à Clara: “Se pudesse escolher, como gostaria que fosse sua passagem?” E, olhando para cima, ao mesmo tempo em que abre os braços, como se fosse abraçar os anjos que só ela pode enxergar, diz: “Ah, se eu pudesse escolher, eu queria morrer no palco, sob as luzes e ao som dos aplausos, a cortina se fechando lentamente, encerrando o meu ato. Não seria lindo?”, ela me pergunta. “Seria, Clarita!”, respondo com a voz embargada, com uma vontade imensa de aplaudi-la e dizer: BRAVO!

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