Temas negligenciados no cotidiano das pessoas, como a solidão, o passado, a sexualidade, família, finitude, demência, corpo e arte foram intensamente explorados no cine-debate.
Alexander Augusto Rodrigues, Macarena Maria Sfeir Sfeir e Ruth Gelehrter da Costa Lopes (*)
Os relatos deste artigo são provenientes das atividades realizadas na pesquisa interventiva de Iniciação Científica em Psicologia da PUC-SP. Os Cine-Debates aconteceram toda última terça-feira de cada mês, com a exibição dos filmes, seguido de debate, procurando articular os saberes individuais por meio da troca dialógica. Este espaço foi se caracterizando como um lugar de educação permanente, dada que essa ação se desenvolve a partir dos problemas enfrentados no cotidiano, facilmente projetados nos filmes através de sua narrativa, cenário, personagens, tons, fotografia e tantos outros elementos que nos mobilizam subjetivamente (FALEIROS, et.al., 2017).
Temas como a Solidão, o Passado, a Sexualidade, Família, Finitude, Demência, Corpo e Arte foram intensamente explorados. Em “A Grande Dama do Cinema” (2019), direção de Juan José Campanella, por exemplo, foi interessante perceber quais reflexos tiveram a temática da finitude na fala das pessoas que estavam participando. “A morte é muito presente na nossa vida” fala uma senhora de 78 anos, “ela ganha outros tons”. Ganha um tom mais forte, mais próximo do cotidiano do velho. No entanto, é possível perceber que essa fala não é carregada de um pesar, mas de uma verdade que está posta e que precisa ser encarada com os olhos da maturidade. Percebemos, também, com a fala de uma mulher de 68 anos de origem asiática, que a temática da finitude sempre esteve presente na sua cultura familiar “Eu, com origem japonesa, tenho outra relação com a morte. Eu naturalizo. A morte…Tem sofrimento, mas encaramos com maior naturalidade”.
CONFIRA TAMBÉM:
O morrer aparece, num posicionamento crítico, extremamente presente no cotidiano. A construção imagética do velho enquanto um ser melancólico é bem retratada no filme que, por meio da mortificação das pessoas na rotina, vai fazendo com que pensemos nessas preconcepções acerca da intergeracionalidade. Ora, se por um lado os jovens mostram-se proativos, gananciosos, espertos, por outro os velhos mostram-se experientes, melancólicos e passivos. Acontece neste movimento uma tipificação do ser velho que foi muito bem trabalhado no debate ocorrido nesta sessão.
Com o filme “A Juventude” (2015), dirigido por Paolo Sorrentino, o enfoque foi na análise esmiuçada da profundidade que cada pessoa carrega consigo e dos diversos pontos de vista que surgem a partir disso. Uma das presentes, que dizia haver no filme um “acúmulo das mensagens em cada personagem”, leva-nos a perceber a sensação de profundidade em todas as cenas. Exemplo disso é a incoerência de compreensão da realidade entre as gerações. Muitas elencaram que os filhos dificilmente vão entender o que elas estão passando agora na velhice, evidenciando que “lá na frente que você vai contar as coisas da vida”. Após ter vivenciado os momentos de forma intensa é que a atenção para si começa a florescer de modo mais apurado.
O documentário “Alzheimer na Periferia” (2018), direção de Albert Klinke, também cumpriu um papel social de informar e propagar a situação complicada e de desamparo de diversos cuidadores familiares de idosos em situação de vulnerabilidade e dependência. O investimento dos pesquisadores, de qualquer área, nessa temática se mostrou muito pertinente, provocando um debate acalorado de uma memória coletiva, marcada pela desigualdade e desgovernabilidade.
Em paralelo a isso, uma das frequentadoras assíduas do Cine-Debate, de 79 anos, nos conta como foi cuidar de sua mãe, que desenvolveu a Doença de Alzheimer, por 13 anos. Ela relata que enquanto ia assistindo o filme, acabou por se comparar aos cuidadores do filme. O impacto foi tão grande que ela concluiu que fez uma autoanálise sobre sua vida e sobre si mesma. Entrando numa reflexão sobre o passado e sobre o presente, ela lança a seguinte pergunta: “Quem vai cuidar de mim?”. Esse intenso questionamento, apelativo em sua profundidade, nos faz repensar o que Costa e Lodovici (2016) discutiram na sua pesquisa. Afinal “Como um cuidador familiar de idoso em cuidados paliativos vivencia o seu ato de cuidar?”
Muitas foram as mensagens suscitadas pelo cine-debate, levando-nos a compreender que este é um espaço que permite a discussão dos mais variados temas, inclusive aqueles que são negligenciados no cotidiano das pessoas. A discussão intergeracional nos coloca em contato com um aprendizado atemporal, permitindo nos relacionar com o futuro e com o passado, na realidade daquele momento presente. Possibilita, também, avaliar o nosso papel enquanto parente, filha(o), mãe, pai, avó, avô, cuidador e alguém que necessita de cuidados, facilitando a desconstrução de imagens cristalizadas e naturalizadas na sociedade, bem como a superação de certos estigmas quanto ao relacionamento intergeracional e ao próprio envelhecimento.
Leia o artigo completo na Revista Longeviver
Referências
COSTA, F.F.S; LODOVICI, F.M.M.O cuidador familiar de idosos em cuidados paliativos: limites e possibilidades. IN FONSECA, S.C. (org.) Envelhecimento Ativo e Seus Fundamentos São Paulo: Portal Edições. pgs 23 – 56). 2016 (pgs 23 – 56).
FALEIROS, V.P.; VIANNA, L.G.; OLIVEIRA, M.L.C. A Ressignificação da Velhice num Cine-Debate. Estud. interdiscipl. envelhec., Porto Alegre, v. 22, n. 2, p. 133-151, 2017.
Filmografia
A GRANDE DAMA DO CINEMA. Direção: Juan José Campanella. Produção: Juan José Campanella, Gerardo Herrera e Axel Kuschevatzky. Produtoras: Telefe, INCAA e 100 Bares. Argentina, 124 minutos, 2019.
A JUVENTUDE. Direção: Paolo Sorrentino. Produção: Nicola Juliano e Francesca Cima. Produtora: Indigo Film. Itália, 124 minutos, 2016.
ALZHEIMER NA PERIFERIA. Direção: Albert Klinke. Argumento original: Jorge Felix. Produção: Lee Schuster, Neusa Marin, Francisco Marin. Produtora: Malabar Filmes. Brasil, 101 minutos, 2018.
(*) Alexander Augusto Rodrigues – Aluno do 7º período do Curso de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Macarena Maria Sfeir Sfeir – Aluna do 7º período do Curso de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; e Ruth Gelehrter da Costa Lopes – Psicóloga, mestre em Psicologia Social pela PUC-SP e doutora em Saúde Pública pela USP. Atualmente é professora associada ministrando aulas e supervisão no Curso de Psicologia e orientando Atendimento em Grupo a Idosos, na Clínica-escola, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: ruthgclopes@pucsp.com.br
Foto destaque: Divulgação do filme A Grande Dama do Cinema