Eu sou neto de uma avó guerreira que apesar de estar fragilizada continua na luta e eu sei que ela gosta de viver, apesar de tudo. Paciência e perseverança têm o efeito mágico de fazer as dificuldades desaparecerem e os obstáculos serem transponíveis. O amor é chave que abre todas as portas para uma felicidade que nos une. O resto é viver!
Bem, depois foi só perguntar para ela, e ela sabe tão bem quais são os medicamentos que ela toma (ela não deixava ninguém mexer nos comprimidos dela) durante as refeições. Na mesa com as refeições prontas perguntava:
– Avó, quais são os comprimidos do pequeno almoço? São aqueles azuis e rosa.
– Avó, quais são os comprimidos do almoço? São uns com uma caixa azul e branco.
– Avó, quais são os compridos do jantar? É um vermelhinho e um amarelo.
Eu fiz isso cerca de uma semana e passados uns quinze dias vi que havia outros problemas de saúde e de higiene pessoal, feridas no corpo e por aí afora. Coisas que dependia mesmo de um médico, só que a minha avó recusa-se a ir ao médico. A minha avó não facilita porque vem sempre com a conversa que “eu fui médica e sei o que eu faço”, e põe as coisas mesmo complicadas.
Primeiro, ajudei com a higiene pessoal, que foi uma luta terrível porque ela rejeitava a minha ajuda e acabava por ficar tudo nojento, na mesma. Só que houve uma vez que eu acordei com ela aos berros a gritar de joelhos no corredor pela Nossa Senhora, isso pelas 4 e tal da manhã. Eu disse-lhe:
– Avó, a Nossa Senhora mandou-me cá para eu te ajudar.
Estive de joelhos ao pé dela e pedi-lhe que me desse a mão. E foi assim que pela primeira fez consegui estar com ela na casa de banho e ajudei-a com a higiene pessoal. Isso fez aumentar a confiança dela em mim.
A minha avó deitava as bulas dos medicamentos fora, por isso era-me difícil saber o que ela tomava e para que tomava. Ninguém da família sabia, porque ela escondia ou deitava fora as informações.
À medida que o tempo passava e ela ia tendo uma rotina, os medicamentos começaram também a sortir efeito e as coisas começaram a ficar mais fáceis de compreender. Então fiz uma agenda com ela e ela aceitou bem.
Então, entre as 9 e 10 da manhã, tem o pequeno almoço com os medicamentos do pequeno almoço. Às 13:30 o almoço com os medicamentos da hora do almoço. O lanche era às 18 horas e sem medicamentos. Jantar, às 21 horas e com os medicamentos. Como a personalidade da avó não é nada fácil, aprendi a lidar com ela. Então, qual é o segredo? Nunca retirar-lhe a autoridade e nunca deixá-la de amá-la só porque existe algo que não percebemos nela. Então bola pra frente.
Hoje em dia a rotina é um pouco diferente, porque eu tenho ajuda. Conseguimos ter uma menina que fica a dormir com a minha avó e eu vou dando-lhe apoio.
Os horários são praticamente os mesmos, só com este nuance. Eu faço com ela atividades, físicas e artísticas, que são: Dança, boxe, pinturas e caminhada, normalmente na parte da tarde antes do jantar. E depois faço-lhe massagens pelo corpo que tem ajudado com a mobilidade dela. Antes ela não deixava ninguém sequer lhe tocar. Mas agora não dispensa uma boa massagem nos pés.
Depois, consoante os dias, fazemos versos e sonetos e até teatro. Serve para ir estimulando a parte criativa dela. Estou a ensinar-lhe uns acordes que aprendei na Internet. Dando o exemplo de Sócrates: nunca é tarde para aprender algo de novo. Todos desejam viver muito tempo, mas ninguém quer ser velho e minha avó nega a sua velhice de uma forma incrível.
Espero que esse relato ajude outros jovens como eu a pensar no futuro, talvez em como fazer um manual para jovens que queiram ajudar os seu avós (ou outros) e não sabem bem como. Eu li muita coisa sobre pessoas idosas e fui aprendendo sem desistir porque não é nada fácil e nem tudo é impossível. Mesmo nada. Espero que não seja um cliché, mas paciência e perseverança têm o efeito mágico de fazer as dificuldades desaparecerem e os obstáculos serem transponíveis.
Ah, e amor, esse tema que William Shakespeare nos mostrou tão bem e que os poetas falam na poesia é chave que abre todas as portas para uma felicidade que nos une. O resto é viver! A força que tiramos do rancor e da irritação é apenas fraqueza. Eu não sou assim porque sou neto de uma avó guerreira que apesar de estar fragilizada, ela continua na luta e eu sei que ela gosta de viver apesar de tudo. Espero que ela consiga chegar aos 150 anos de vida.
Um beijo e desculpem pelo meu mau português.
Em tempo
A minha avó adora plantas. Eu plantei com ela algumas flores na nossa varanda e que agora com a primavera tudo está florido e ela vai lá ver as orquídeas em flores. Eu quero que ela perceba a passagem do tempo. Ela sabe que o tempo não é algo que não volta e isso incomodo-a muito. Portanto, plantando um jardim é trazer flores para si própria e isso faz com que a passagem do tempo não seja assim tão dolorosa para ela. Só é preciso saber regar as flores.