Se num país já longevo e avançado como o Japão cujo cenário sobre a prática de cuidados é complexo, o que esperar do Brasil?
O Japão, conhecido por sua longevidade populacional e por seus avanços tecnológicos, enfrenta uma crise: um fenômeno chamado “Care Killing”, termo que se refere aos casos em que cuidadores, comumente membros da família (em sua maioria, nessa ordem: filhos, cônjuges e genros/noras), tiram a vida de pessoas idosas sob seus cuidados e, na sequência, em alguns casos, cometem suicídio.
Acredita-se que esses acontecimentos são reflexos de pressões sociais, econômicas e emocionais vivenciadas pela sociedade japonesa.
O envelhecimento da população japonesa
O Japão possui uma das populações mais envelhecidas do mundo e que, segundo dados recentes, “enfrenta um desafio demográfico significativo, com uma população em idade ativa decrescente e o aumento dos custos de saúde e bem-estar para os mais velhos. Pessoas com 65 anos ou mais representam 29,3% da população total, um recorde histórico. Já a parcela com 75 anos ou mais corresponde a 16,8%”[1], em um cenário que tem levado à uma realidade na qual “a cada oito dias, um idoso é morto no Japão por um membro da própria família”[2].
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O que significa “Care Killing”?
“Care killing” é um termo que descreve casos em que cuidadores, geralmente familiares, matam as pessoas idosas que estão sob seus cuidados, motivados por exaustão, desesperança ou sobrecarga, existindo ainda situações nas quais cuidadores também cometem suicídio após o ato, repercutindo em tragédias duplas.
Fatores Contribuintes
1 – Exaustão do cuidador: Cuidar de uma pessoa idosa com demência ou outras condições debilitantes é uma tarefa difícil que, somada à falta de rede de apoio adequada, pode levar ao esgotamento físico e emocional;
2 – Isolamento social: Muitos cuidadores enfrentam difíceis cenários de cuidados em situação de significativo isolamento, sem redes de apoio ou oportunidades de descanso, o que agrava o esgotamento do que vivenciam;
3 – Pressões econômicas: O custo dos cuidados de longo prazo é demasiadamente alto, somando o fato de que muitos cuidadores têm que abandonar seus empregos para cuidar de familiares, aumentando ainda mais as dificuldades financeiras;
4 – Estigma cultural: A cultura japonesa valoriza a responsabilidade familiar pelas pessoas idosas, o que pode impedir os cuidadores de buscar ajuda externa por medo de julgamento.
Medidas e políticas públicas
O governo japonês implementou em 2005 o “Act on the Prevention of Elder Abuse, Support for Caregivers of Elderly Persons and Other Related Matters” (Lei de Prevenção de Abuso de Idosos e Apoio a Cuidadores de Idosos), visando prevenir o abuso e as violências às pessoas idosas e apoiar os cuidadores, mas há quem argumente que essas medidas são insuficientes diante de todas as questões relacionadas ao cenário.
Caminhos para o futuro
Para enfrentar o fenômeno do “Care Killing” são essenciais medidas holísticas, já que cuidar demanda práticas de várias ordens. Deste modo, algumas ações e medidas precisam ser promovidas, dentre elas:
Fortalecer redes de apoio: Desenvolver serviços que ofereçam suporte de várias ordens, como grupos de amparo emocional;
Educação e conscientização: Promover campanhas que incentivem a busca por ajuda, informem sobre os recursos disponíveis e propiciem educação continuada em cuidados;
Apoio financeiro: Fornecer subsídios ou incentivos fiscais para os que cuidam de pessoas idosas e para o que se faz necessário ao custeio das multitarefas e demandas;
Desenvolvimento de infraestrutura: Investir em instalações de cuidados às pessoas idosas, com custos acessíveis e prestação de serviços com qualidade.
Diante desse cenário, o que esperar do Brasil?
A população brasileira, assim como a japonesa, segue envelhecendo e passa por significativas mudanças demográficas. Segundo o Censo Demográfico de 2022 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já havia uma população com 60 anos ou mais composta por, aproximadamente, 32,1 milhões de pessoas, correspondendo a 15,8% dos habitantes do país[3].
Além disso, as projeções indicam que essa tendência do envelhecimento populacional nacional continuará nas próximas décadas, sendo estimado que, em 2042, a população brasileira atingirá 232,5 milhões de habitantes, dos quais 57 milhões serão de pessoas idosas (cerca de 24,5% do total), bem como que, em 2070, cerca de 37,8% dos habitantes do país terá 60 anos ou mais, correspondendo a 75,3 milhões de pessoas.
Nestes números se somam, dentre outros: cuidadores que também são ou que serão pessoas idosas, ausência de regulamentações sobre cuidados e sobre direitos básicos às pessoas com 60 anos ou mais, falta de planejamento às demandas da velhice e do envelhecimento, em um país com desigualdades absolutamente expressivas.
Se num país já longevo e avançado como o Japão, o cenário sobre a prática de cuidados às pessoas idosas já é complexo nos dias atuais, como podemos prever uma realidade diversa ao Brasil em futuro próximo se não promovermos, minimamente, o enfrentamento ao fato de que estamos todos envelhecendo e de que precisamos buscar pelo que se faz necessário nesse processo?
Notas
[1] População do Japão cai e número de idosos atinge recorde. Fonte: https://www.poder360.com.br/poder-internacional/populacao-do-japao-cai-e-numero-de-idosos-atinge-recorde/. Acesso em 09 de maio de 2025.
[2] A cada oito dias, um idoso é morto no Japão por um membro da própria família. Fonte: A cada oito dias, um idoso é morto no Japão por um membro da própria família. Acesso em 09 de maio de 2025.
[3] Fonte: IBGE.
Foto de Ayşenaz Bilgin/pexels.