Não há um padrão único de viver e exercitar na vida o papel de avós, pois são diversas as avosidades.
Raquel da Silva Pavin (*)
A vida das avós é um verdadeiro mosaico de experiências e histórias. Afirmo isso, pois ao longo da pesquisa que acabei de realizar, pude me debruçar e conversar com avós plurais sobre o tema. Durante estas trocas percebi que não há um padrão único de viver e exercitar esse papel, assim como são diversas as formas como se relacionam e se envolvem com seus netos e netas.
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As atividades desenvolvidas pelas avós variam desde cuidar, educar, disciplinar, ser companheira de brincadeiras, contar histórias, oferecer presentes, passeios, ouvir sentimentos e segredos, até ajudar a sustentar e transmitir histórias familiares e legados (Vitale, 2018). É notório que desempenham múltiplos e importantes papéis com distintas características.
As diversidades das avosidades
Sabemos que muitas mulheres se tornam avós antes dos 60 anos, desafiando um imaginário social que associa a avosidade a uma idade mais avançada. A experiência das avós jovens, que podem ser chamadas de avós contemporâneas, reflete as mudanças nas dinâmicas familiares e nas expectativas de vida. Por exemplo, Lavanda, uma das participantes da pesquisa, salienta que se tornou avó aos 42 anos, enfrentando desafios únicos devido à sua idade. Assim, podemos observar que a diversidade entre as avós não se limita somente a idade.
Algumas possuem mais obrigações diárias com seus netos e netas, enquanto outras são avós de fim de semana, aquelas que desfrutam quase que exclusivamente dos momentos de lazer, criando memórias afetivas através de almoços, brincadeiras, histórias e passeios, mesmo que essas atividades exijam energia e possam ser mais ou menos cansativas fisicamente (Cardoso, 2011). No entanto, as trocas afetivas são um ponto comum em todas as narrativas, destacando o afeto e carinho compartilhado de forma intergeracional.
As múltiplas formas de ser avó
Para ampliarmos o olhar sobre as múltiplas formas de ser e estar avó, a literatura oferece algumas definições. Existem as avós de primeira viagem que podem estar aguardando a chegada dos netos(as) ou se surpreenderem com a notícia, independentemente da idade cronológica (Aratangy & Posternak, 2005). Há também as avós não consanguíneas, que se tornam avós através de novas (re)estruturas familiares e laços de afeto. Algumas avós assumem a responsabilidade de criar os netos(as) devido a diversas circunstâncias, como problemas de saúde dos pais, ou até a morte deles (Monteiro, 2014). Essas mulheres enfrentam inúmeros desafios contidos na criação, enquanto equilibram suas próprias expectativas, desejos e planos de vida.
Outro aspecto muito salientado, foi a necessária renovação das avós, especialmente em relação aos netos e netas adolescentes, indicando que notam a necessidade de se adaptarem e mostrarem empatia, criando um diálogo aberto e sem julgamentos (Monteiro, 2014). As participantes destacaram, também, a importância de acompanhar as mudanças culturais e tecnológicas para se conectarem melhor aos seus netos e netas evitando serem vistas como antiquadas.
Durante as narrativas, ainda percebi que muitas vezes existem as afinidades, mais ou menos fortes com um(a) neto(a) em particular, geralmente devido à proximidade geográfica e a convivência mais frequente. E essas relações de amizade proporcionam satisfação pessoal e ajudam a fortalecer tanto os laços familiares quanto o apoio social entre as diferentes gerações, conforme Barros (1987) e Dias et al. (2021).
As responsabilidades e a autonomia
Em relação as responsabilidades, as avós destacaram o papel ativo que assumem na criação dos(as) netos(as), oferecendo suporte essencial à estrutura familiar. Elas transmitem valores, tradições e histórias, enriquecendo a vida das gerações mais novas com seu vasto conhecimento e experiência. Essas responsabilidades são vistas não apenas como obrigações, mas também como oportunidades de fortalecer vínculos de confiança aos filhos(as) e netos(as).
No entanto, é crucial manter a autonomia e estabelecer limites, equilibrando suas próprias necessidades com as responsabilidades. Durante a narrativa das participantes, ficou evidenciado que a preservação da autonomia permite que estas avós mantenham seus interesses pessoais e atividades, enquanto, ao mesmo tempo, cuidam. Elas também enfatizaram a importância de acordos objetivos sobre quando, como, podem e querem ajudar. Garantindo a liberdade de decisão.
As avós contemporâneas
A avosidade na contemporaneidade está sendo recriada de forma multifacetada, repleta de desafios e recompensas. As avós estão adquirindo novos conhecimentos ao longo do tempo, aprendendo com a convivência e as trocas geracionais. E com a maturidade – adquirida ao longo da vida – esta permite enfrentar desafios com mais paciência e sabedoria, enriquecendo tanto a vida das avós quanto a dos netos e netas.
As avós contemporâneas estão redefinindo seus papeis na sociedade, desafiando estereótipos e moldando o futuro com suas experiências de vida. A preservação da autonomia é essencial para promover qualidade de vida, satisfação e independência. Assim, a diversidade das avosidades é como um mosaico multicolorido e cheio de formas, repleto de histórias, experiências e aprendizados. Cada avó traz consigo a riqueza de suas vivências pessoais e coletivas, tecendo um legado único e valioso para as próximas gerações.
Frente a diversas formas de interpretar e vivenciar a experiência de ser avó, a finalidade aqui não é definir um único conceito de avosidade na sociedade contemporânea, mas sim ampliar a compreensão e a visibilidade dessas mulheres que tanto contribuem para nossa sociedade.
Referências
ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amália Faller (Orgs.). Famílias: redes, laços e políticas públicas. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2018. p. 1203-1208.
ARATANGY, Lídia Rosenberg; POSTERNAK, Leonardo. Livro dos avós: na casa dos avós é sempre domingo? São Paulo: Artemeios, 2005. 211 p.
CARDOSO, Andréia Ribeiro. Avós no século XXI: mutações e rearranjos na família contemporânea. Curitiba: Juruá, 2011. 254 p.
DE BARROS, Myriam Lins. Autoridade & afeto: avós, filhos e netos na família brasileira. [S.l.]: Zahar, 1987.
DIAS, Cristina Maria de Souza Brito et al. Percepção sobre o relacionamento com netos adultos na perspectiva de avôs. In: FÉRES-CARNEIRO, T. (Org.). Casal e família: Clínica, conflitos e afetos. Ed. PUC-Rio/Prospectiva, 2021. p. 217-233.
MONTEIRO, Elizabeth. Avós e sogras: dilemas e delícias da família moderna. São Paulo: Summus, 2014. 136 p.
(*) Raquel da Silva Pavin – Assistente Social e Gerontóloga, Doutora em Memória Social e Bens Culturais, Mestra em Políticas Sociais e Serviço Social, Especialista em Envelhecimento e Qualidade de Vida. Criadora do grupo de convivência Tecendo Vivências, EnvelheCine e do Grupo de Estudos sobre Velhices Plurais (GEVP). Autora do livro “Mulheres idosas e o apoio social”. Esta matéria foi elaborada com base na tese de doutorado, intitulada: “A visibilidade de mulheres idosas avós na contemporaneidade: construindo perspectivas sobre novos conceitos de avosidades”. Instagram profissional: @geronidade.
Foto de Dimitri Dim/pexels.