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Aspectos Jurídicos do Serviço de Acolhimento em Instituições de Longa Permanência Para Idosos

Este texto analisa os contornos normativos das Instituições de Longa Permanência para idosos, de modo a delinear os direitos e deveres envolvidos na relação estabelecida entre a instituição, o idoso e eventuais terceiros envolvidos.

Luiz Cláudio Carvalho de Almeida (*)

 

Introdução

Ao mesmo tempo em que o serviço prestado pelas chamadas instituições de longa permanência para idosos é regulado por diversas fontes normativas o que gera uma verdadeira cacofonia normativa há por outro lado certa carência de estudos jurídicos sobre a natureza de tal serviço. Assim, pretende o presente texto analisar os contornos normativos do serviço em tela de modo a delinear os direitos e deveres envolvidos na relação estabelecida entre a instituição, o idoso abrigo e eventuais terceiros envolvidos. Não se trata de tarefa fácil, dada a carência de referências bibliográficas sobre o tema e em razão da pouca clareza da própria definição do que seria uma instituição de longa permanência para idosos, doravante designada apenas como ILPI.

Instituições de Longa Permanência para Idosos: O Que São?

Apesar da consagração do termo a utilização da nomenclatura “instituição de longa permanência para idosos” não encontra previsão nem na Lei nº 8.842, de 04 de janeiro de 1994, que dispõe sobre a política nacional do idoso, nem na Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, conhecida como Estatuto do Idoso(1).

O Estatuto do Idoso, que representa o marco legal no que se refere a direitos da pessoa idosa, faz a opção pelo uso da expressão “entidade de atendimento”. Contudo, depreende-se do texto legal que o termo entidade de atendimento não se confunde com instituições de longa permanência para idosos. Pelo que se extrai da definição legal a ILPI seria uma espécie do gênero entidade de atendimento.

Corrobora tal conclusão o teor do art. 49, do Estatuto do Idoso, que faz referência a “entidades que desenvolvam programas de institucionalização de longa permanência”, dando a entender que, a contrario sensu, existiriam outras entidades que não desenvolvem programas de institucionalização de longa permanência.

De fato, ao regulamentar a Lei nº 8.842/94, o Decreto nº 1.948, de 03 de julho de 1996, lança luzes na questão ao classificar os serviços de atendimento à pessoa idosa em dois grupos: a) asilares; e b) não asilares. Nesta última modalidade estariam inseridos o Centro de Convivência, o Centro-Dia e a Casa-Lar, por exemplo (conforme art. 4º, do Decreto nº 1.948/96).

O Decreto nº 1.948/96 define como serviço asilar aquele prestado, “em regime de internato, ao idoso sem vínculo familiar ou sem condições de prover à própria subsistência de modo a satisfazer as suas necessidades de moradia, alimentação, saúde e convivência social” (art. 3º).

Apenas em um nível normativo menos denso é que surge a definição de instituição de longa permanência para idosos, eis que o item 3.6 da Resolução – RDC nº 283, de 26 de setembro de 2005, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, consagra o seguinte conceito: “instituições governamentais ou não governamentais, de caráter residencial, destinada a domicílio coletivo de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, com ou sem suporte familiar, em condição de liberdade e dignidade e cidadania”.

Deve ser acrescido ainda que a Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009, do Conselho Nacional de Assistência Social, arrola o serviço de acolhimento institucional como serviço de proteção social especial de alta complexidade, descrevendo-o na forma que se segue:

Acolhimento para idosos (as) com 60 anos ou mais, de ambos os sexos, independentes e/ou com diversos graus de dependência. A natureza do acolhimento deverá ser provisória e, excepcionalmente, de longa permanência quando esgotadas todas as possibilidades de auto-sustento e convívio com os familiares. É previsto para idosos (as) que não dispõem de condições para permanecer com a família, com vivência de situações de violência e negligência, em situação de rua e de abandono, com vínculos familiares fragilizados ou rompidos. Idosos (as) com vínculo de parentesco ou afinidade – casais, irmãos, amigos etc. – devem ser atendidos na mesma unidade. Preferencialmente, deve ser ofertado aos casais de idosos o compartilhamento do mesmo quarto. Idosos (as) com deficiência devem ser incluídos (as) nesse serviço, de modo a prevenir práticas segregacionistas e o isolamento desse segmento.”

É importante salientar que no contexto da assistência social a institucionalização deve ter um caráter de excepcionalidade e brevidade, uma vez que a diretriz adotada pela política nacional é de manutenção da pessoa idosa na família, conforme determina o art. 4º, inciso III, da Lei nº 8.842/94.

No entanto, o serviço prestado pelas instituições de longa permanência para idosos nem sempre é vinculado ao Sistema Único de Assistência Social, podendo ser prestado livremente pelo mercado sob a forma empresarial.

A despeito dos conceitos apresentados, vale registrar que no Brasil a variedade com que o serviço de acolhimento é prestado suscita um debate mais profundo sobre a necessidade de uma regulamentação mais específica para o tema. No curso histórico das inspeções realizadas pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro já foram observadas diversas formas de organização de instituições de longa permanência para idosos moldadas a partir, sobretudo, do perfil de autonomia e independência do ancião acolhido. Tal observação indica a existência de grande espectro de entidades, ora se assemelhando ao condomínio de casas em que apenas se identifica sua natureza a partir da verificação da idade dos moradores, ora se assemelhando a unidades hospitalares em função do perfil de dependência e da presença de doenças crônicas na população abrigada.

Modalidades

O Estatuto do Idoso, em seu art. 48, consagra a classificação das entidades de atendimento em governamentais e não-governamentais, sujeitando-as, no entanto ao mesmo regime de princípios (art. 49) e obrigações (art. 50).

Sendo espécie de entidade de atendimento mostra-se aplicável à ILPI a mesma classificação. Permite-se refinar tal classificação subdividindo as entidades não governamentais em: a) entidades com finalidade lucrativa; b) entidades sem finalidade lucrativa.

É importante salientar que se inclui presentemente como entidade com finalidade lucrativa aquela cujos atos constitutivos permitem a distribuição do lucro aos sócios. Esta observação é importante uma vez que o fato da uma ILPI cobrar mensalidade não a torna, somente por tal característica, entidade com finalidade lucrativa, uma vez que é preciso, para que haja tal caracterização, que os valores obtidos como saldo credor sejam destinados em alguma medida aos sócios. Caso tais valores tenham destinação para a própria instituição como parcela de reinvestimento, não se divisará o fim lucrativo.

Outra classificação que pode ser adotada é em relação ao grau de dependência. Muito embora uma mesma ILPI possa abrigar pessoas com graus de dependência diversos, certo é que tal classificação implicará repercussões jurídicas relevantes em razão da equipe exigida para cada perfil (vide item 4.6.1.2, da Resolução RDC nº 283/05).

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A Resolução RDC nº 283/05, estabelece em seu item 3.6 a seguinte classificação:

  1. Grau de Dependência I – idosos independentes, mesmo que requeiram uso de equipamentos de auto-ajuda;
  2. Grau de Dependência II – idosos com dependência em até três atividades de autocuidado para a vida diária tais como: alimentação, mobilidade, higiene; sem comprometimento cognitivo ou com alteração cognitiva controlada; e
  3. Grau de Dependência III – idosos com dependência que requeiram assistência em todas as atividades de autocuidado para a vida diária e ou com comprometimento cognitivo.

Nesse sentido, dependendo do enfoque que se queira dar à análise permitir-se-ia a classificação das entidades em razão do grau de dependência dos idosos cujo perfil esteja adequado às condições técnicas do serviço oferecido.

O Contrato

O art. 35, do Estatuto do Idoso, estabelece que toda entidade de longa permanência deve celebrar contrato de prestação de serviço com a pessoa abrigada.

Ressalte-se que mesmo as entidades filantrópicas integrantes do SUAS que se valham do cofinanciamento autorizado pelo art. 35, § 1º, do Estatuto do Idoso, ou seja, que se utilizem do benefício do idoso no limite legal para custeio das despesas do mesmo no período de acolhimento estão sujeitas ao dever de elaborar o contrato com o idoso.

O tema encontra-se regulamentado pela Resolução n° 33/17, do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, a qual oferece, inclusive, um contrato modelo como anexo.

O contrato se presta não só a comprovar que o abrigamento deu-se com a expressa anuência do idoso, como também para deixar claras as regras que regerão a relação da entidade com o a pessoa abrigada, com direitos e deveres para ambas as partes.

Não estando o idoso em condições de compreender o conteúdo do documento em razão de algum comprometimento de ordem mental que afete sua capacidade civil, faz-se necessária a nomeação prévia de um curador para que o mesmo possa firmar o contrato, conforme previsão do art. 35, § 3º, do Estatuto do Idoso.

Nunca é demais registrar que o instituto da curatela sofreu importantes alterações a partir do advento da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e da Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, que restringiu o alcance da curatela a atos de natureza patrimonial.

Assim sendo, ainda que o idoso esteja sob o regime de curatela é imprescindível que se investigue, dentro do possível, sua adesão à ideia de viver em uma instituição de longa permanência, de modo a impedir que o abrigamento se transforme, ao revés do que se espera, numa ferramenta de violação de direitos.

Princípios e Obrigações

As entidades de atendimento são regidas pelos princípios insculpidos no art. 49, da Lei nº 10.741/03, quais sejam: I – preservação dos vínculos familiares; II – atendimento personalizado e em pequenos grupos; III – manutenção do idoso na mesma instituição, salvo em caso de força maior; IV – participação do idoso nas atividades comunitárias, de caráter interno e externo; V – observância dos direitos e garantias dos idosos; e VI – preservação da identidade do idoso e oferecimento de ambiente de respeito e dignidade.

Além disso, o Estatuto do Idoso estabelece, em seu art. 50, uma série de obrigações, cujo cumprimento é cogente sob pena de multa ou até mesmo interdição do estabelecimento, ex vi do que dispõe o art. 56, do mesmo diploma legal.

Destaca-se que a fiscalização do cumprimento de tais obrigações legais cabe ao Ministério Público, à Vigilância Sanitária, ao Conselho de Direitos ou a outro ente indicado por lei (art. 52, do Estatuto do Idoso).

Conclusão

Até que se alcance o grau de excelência no atendimento ao idoso nas instituições de longa permanência um longo caminho ainda terá que ser percorrido. Historicamente esse serviço tem sido desenvolvido majoritariamente por entidades filantrópicas que em muitas situações não contam com o respaldo financeiro necessário para manutenção de sua estrutura e contratação de equipe técnica o que tem graves repercussões na qualidade do serviço prestado.

Hodiernamente percebe-se aos poucos uma mudança no cenário pelo aumento paulatino dos empreendimentos de natureza privada com fins lucrativos alavancados pelo aumento da demanda decorrente do processo de envelhecimento crescente da população. No entanto, cumpre ser registrado que o serviço de acolhimento é também serviço público que compõe o rol dos direitos socioassistenciais do usuário do sistema único de assistência social (SUAS).

Nesse cenário em que se submetem às mesmas regras de qualidade o serviço prestado por entidades públicas, filantrópicas e empresariais é necessário ter como meta a observância do mesmo padrão de qualidade delineado pelas normas de proteção à população idosa. Eis o desafio que se coloca

Nota

(1) Apenas ao tratar do contrato de prestação de serviço no art. 35 o Estatuto do Idoso se vale de um termo aproximado, qual seja “entidade de longa permanência”, mas no capítulo destinado a arrolar os deveres das entidades bem como sanções pelo descumprimento da norma o termo adotado é “entidade de atendimento ao idoso”.

(*) Luiz Cláudio Carvalho de Almeida – Promotor de Justiça titular da Promotoria de Justiça de Proteção ao Idoso e à Pessoa com Deficiência do Núcleo Campos dos Goytacazes; Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Idoso e da Pessoa com Deficiência do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Fotos: Divulgação

AMPID

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência – AMPID tem atuação em âmbito nacional desde o ano de 2004 e contribui para o diálogo social e a promoção dos interesses dos idosos e pessoas com deficiência. Site: http://www.ampid.org.br/

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