O desenvolvimento das tecnologias nos conduz hoje a uma etapa inédita na qual, pela primeira vez em nossa história, temos condições de modificar nossa própria evolução, ou seja, de interferir na seleção que tem sido, desde a aparição do primeiro Homo Sapiens, há 2000.000 anos, totalmente natural. O que os transhumanistas compreenderam perfeitamente, e suas reflexões inscrevem-se na tendência contínua do prolongamento da esperança de vida.
Tradução de Vera Brandão *
O desenvolvimento das tecnologias nos conduz hoje a uma etapa inédita na qual, pela primeira vez em nossa história, temos condições de modificar nossa própria evolução, ou seja, de interferir na seleção que tem sido, desde a aparição do primeiro Homo Sapiens, há 2000.000 anos, totalmente natural. O que os transhumanistas compreenderam perfeitamente, e suas reflexões inscrevem-se na tendência contínua do prolongamento da esperança de vida.
Em 1750 ela era de 27 anos para homens e 28 para mulheres. Hoje é de 77,8 para o primeiro grupo e 84,5 para o segundo. Além disso, os dados do INSEE(3) apontam que hoje existem cerca de 20.000 centenários (contra 450 em 1960), número que deverá ser multiplicado por 13 em 2060. Estas previsões indicam que 11% das crianças nascidas depois do ano 2000 podem tornar-se centenárias e mesmo ‘supercentenárias’ (com 110 anos ou mais).
Essa ‘demografia sem limites’, temo usado pelos especialistas do Institut national d’études démografique (Ined), terá consequências sobre a sociedade como um todo: se cada indivíduo viver até 150 anos, a terra terá 25 bilhões de habitantes por volta de 2300, com 90% de mais de 60 anos, e apenas 2% com menos de 20 anos. Queiramos ou não, viver como velho é uma realidade muito próxima e as interrogações dos transhumanistas – Como fazer o melhor possível e em quais condições? – são largamente justificadas.
Explosão informática
Durante meio século, o poder dos computadores – rapidez e armazenamento – dobrou a cada 18 meses. Este mantra, anunciado pelo americano Gordon E. Moore, entoado por gerações de engenheiros, fez progredir um conjunto de tecnologias que revolucionaram a medicina, reagrupados pela sigla ‘NBIC’:
N de nanotecnologia; B de biologia; I de informática; C de ciências cognitivas (neurociências e inteligência artificial). Como explica o filósofo Jean-Michel Besnier – Universidade Paris-Sorbonne, “os NBIC obedecem aos imperativos de rapidez que transformam a temporalidade a qual estivemos sujeitos até aqui”. Não temos consciência dos impactos na biomedicina, que já transformou milhões, entre nós, em ‘ciborgs’: os marca-passos; aparelhos auditivos ou próteses de quadril estão nesta categoria. Mesmo caso dos órgãos artificiais em fase de experimentação, como coração, retina, rins e pâncreas.
Afirma Pierre-Marie Lledo, diretor do departamento de neurociências do Instituto Pasteur, que “quando se trata de corrigir uma deficiência estes avanços são bem-vindos, mas é diferente quando se trata de aumentar as capacidades humanas”. Uma análise do Crédoc(4) para o jornal La Croix, publicado no final de 2014, indicou que 68% dos franceses avaliam que “os limites humanos serão continuamente estendidos”, menos da metade (48%) desejam que os progressos da medicina ajudem a retardar a morte.
A prodigiosa fábrica genética
Foram necessários 13 anos e um orçamento de 3 bilhões de euros para realizar a leitura da sequencia do DNA humano (1990-2003). Daqui em diante algumas horas, e cerca de 200 dólares, são suficientes para obter o mapa de seu genoma.
Decifrar os 3 bilhões de mensagens químicas que se encontram em nossos cromossomas é uma coisa, mas como afirma Pierre Tambourin, diretor geral da Genople(5), outra é “interpretar ou corrigir as variações genéticas”. Afirma também que os cientistas se entusiasmam frente a pistas prometedoras, entre as quais “escolher o medicamento adequado e ministrá-lo no momento correto”. Este tratamento individualizado alimenta a esperança de “vencer a maior parte dos tumores cancerígenos, ou estabilizá-los, tendo como horizonte os anos de 2025-2030”.
A terapia genética possibilita também entrever os avanços na área dos “remédios genéticos”, uma das especialidades da Genopole situado em Evry, nos arredores de Paris, sendo que cerca de 30 destes se encontram em fase em desenvolvimento. Todo o conhecimento sobre o DNA serve, além disso, a prevenir certas patologias, em particular as de fundo genético, como a trissomia 21(síndrome de Down).
Mas a genética pode levar a desvios terríveis, que parecem não preocupar muito os transhumanistas, como a seleção genética, caminho certo para a eugenia(6). O Beijing Genomics Institute(7), o maior centro de biotecnologia do mundo, se lançou em um programa de sequenciamento dos genomas dos superdotados. Os pesquisadores chineses anunciaram que esperam aumentar o QI de toda a população em futuro próximo.
Como alerta Pierre Tambourin, “mais do que nunca necessitamos da ética”.
Leia mais sobre este assunto na Revista Portal de Divulgação: Aqui
Notas
(1) L’Express – revista semanal de 6 a 12 de abril 2016 (edição impressa). Acesse Aqui
(2) Admirável Mundo Novo – o transhumanismo em questão. Revista Portal de Divulgação, n º 49, Ano VI Jun/Jul/Ago, 2016. Acesse Aqui
(3) Institut National de la Statistique e des Études Économique. Acesse Aqui
(4) Centre de Recherche pour L’etude et L’observation des Conditions de Vie: Acesse Aqui
(5) Genopole Acesse Aqui
(6)Eugenia é um termo criado em 1883 por Francis Galton (1822-1911), significando “bem nascido”. Galton definiu eugenia como “o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente”. O tema é bastante controverso particularmente após o surgimento da eugenia nazista que veio a ser parte fundamental da ideologia de “pureza racial”, a qual culminou no Holocausto. Mesmo com a cada vez maior utilização de técnicas de melhoramento genético usadas atualmente em plantas e animais, ainda existem questionamentos éticos quanto a seu uso com seres humanos, chegando até o ponto de alguns cientistas declararem que é de fato impossível mudar a natureza humana. O termo “eugenia” é anterior ao termo “genética”, pois este último só foi cunhado em 1908, pelo cientista William Bateson, para descrever o estudo da variação e hereditariedade.
(7) Beijing Genomics Institute Acesse Aqui
(*)Vera Brandão – Doutora em Ciências Sociais – Antropologia PUC/SP. Pós-doutorado em Gerontologia Social PUC/SP. Pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento – NEPE – do Programa de Estudos Pós Graduados em Gerontologia PUC/SP. Editora da Revista Portal de Divulgação. E-mail: veratordinobrandao@hotmail.com