Da produção significativa de filmes que associam a velhice à doença, com bastante destaque para o “Alzheimer”, destaca-se “Poesia” (Shi, Coreia do Sul, 2010) que mostra os conflitos de uma avó diante dos padrões morais eleitos pela geração de seu neto. Recentemente lançado em São Paulo, “Lola” (Brillante Mendoza, Filipina/França 2009) desregula esse discurso e foca a questão da dignidade no drama de duas avós filipinas, em torno da morte de um adolescente…
Maria Noemi de Araujo *
A bilheteria site de “Lola”, que significa “Avó” em português, está bombando! Contribui para o sucesso a abordagem realista do filme, colocando o público em contato com duas facetas do tempo da velhice: enquanto uma delas (Anita Lindo), com um olhar triste anda devagar para fazer o luto do neto adolescente morto num assalto, a outra (Rustica Carpio) corre contra o tempo, com um sorriso largo, para salvar o seu neto, um jovem acusado de ser o autor desse crime. Nos dois casos está em jogo a experiência que o problema de cada uma exige, e não o fator “poder aquisitivo”. Ora, elas são igualmente pobres e lutam para realizar seus desejos, resguardar seus valores familiares.
As avós de Mendonza mostram um sintoma da colonização na dura realidade em um canto das Filipinas onde tudo funciona à margem das instituições, da Lei do Homem e a da Natureza. Ali tudo fica mais duro por conta da chuvarada e ventania nas ruelas, becos, canais e arredores de barracos, palafitas, delegacia e tribunal. No espaço público, os barulhos das feiras e da avenida larga dialogam com o silêncio que acompanha os passos da câmera. Com isso, as avós transitam livremente na construção de uma narrativa cujos gestos, olhares e atos dão mais força para as poucas palavras ditas.
As avós de Gilberto Braga, cada uma a seu modo, inseridas nesta época de globalização, são equivalentemente elegantes. Enquanto Zuleica, com um olhar justo e simples, costura seu tempo entre o cuidado com as netas e a relação com o universo social do bairro de classe média carioca
(Horto), Vitória também se dedica aos cuidados de suas netas. Com uma expressão tranquila, sustenta sua posição de típica empresária de sua época.
Proprietária de uma rede de shoppings, é a personagem eleita por Gilberto Braga para exercer o papel da autoridade em situações que exigem firmeza, segurança e a “palavra final” do ponto de vista da elite. Ela assume essa função sempre com sensatez, pois os atos de humilhação – de rico contra pobre, patrão/ empregado, homem/ mulher, heterossexual/ homossexual – ficam a cargo de personagens cafajestes, ladrões, estúpidos e de um perverso. Assim, nessa novela, o “insensato” é o não-civilizado, seja da zona sul ou da zona oeste do Rio de Janeiro, pobre ou o rico, velho ou novo, mulher ou homem.
Entre as quatro personagens do filme e da novela, há curiosamente em comum o exercício da função paterna assumido pela posição da avó. Em sua singularidade, essas figuras familiares sustentam o lugar da Lei e da civilidade no mundo contemporâneo. Um lugar invulgar que pode ainda desencadear alguma “falha” no discurso e produzir algo novo. Ora, ao que tudo indica, essas avós foram convocadas pelo cinema e pela telenovela para “resguardar” certos valores básicos do mundo civilizado: luto, respeito, responsabilidade, liberdade, felicidade, entre outros. Note-se que, não por acaso, a câmera e a iluminação prestam reverência a todas elas, já que em momento algum elas são depreciadas pela câmera, pela fotografia, pela montagem ou pelo som. Todas essas personagens conservam seus cabelos brancos…
*Maria Noemi de Araujo – Psicanalista e Pesquisadora. Doutora em Metodologia de Pesquisa em Educação pela UFSCar. D.E.A. em Sociologia da Educação pela Paris V. Diretora de Publicação do Instituto de Pesquisa da Escola Brasileira de Psicanpálise: Clínica Lacaniana de Pesquisa em Psicanálise de São Paulo (CLIPP), Associada do Cineclube Antºdas Mortes. Realizou o vídeo “Creche: um espaço educativo” e participou da equipe de produção de “Passeio no Recanto Silvestre” (Chnaiderman).
Fonte: Acesse Aqui, 31/07/2011.