Arteterapia nas velhices é uma maneira eficaz de concretizar a certeza de tudo o que foi plantado e elaborar as sementes não germinadas. É desta maneira que existimos na essência do viver e do envelAhecer, com Arte e Estética onde nós, velhos, poderemos, finalmente, ser a própria obra de Arte.
Cristiane T. Pomeranz *
Tive o prazer de participar, com meu olhar Gerontológico, do evento que reuniu profissionais dispostos a provar que esta profissão pode e deve ser uma maneira potente de intervir no viver e também no envelhecer.
A História da Arteterapia no Brasil foi ricamente contada por duas das percursoras da profissão em nosso país.
Ângela Philippini e Selma Ciornai que, com competência, mostraram ao público que lotava o salão principal, a verdadeira revolução ocorrida na maneira de curar, tratar e humanizar as relações modernas. Revolução esta, causada pelos desbravadores desta área que passaram a estudar a Arte como terapia.
A fala da Ângela foi certeira ao criticar o descaso do nosso governo em relação ao ensino das Artes e da Filosofia nas escolas públicas, afinal sem esse tipo de saber somos condenados a um pensamento empobrecido e sem força de ação.
Ela nos contou da importância dos “cultivadores deste solo” que agiram como grandes pioneiros.
Osório Cesar foi o primeiro grande nome. Seu casamento com a pintora Tarsila do Amaral, certamente colaborou para que sua visão fosse expandida para unir a Arte com a saúde. Médico, violinista e colecionador de quadros, o Dr. Osório César, em 1920 passa a ser o primeiro psiquiatra brasileiro a estudar os efeitos das artes nos hospitais psiquiátricos.
Ao abrir uma escola de artes, lança seu estudo sobre a “Expressão dos Alienados”. Nosso solo, com a terra arada, está pronto para ser semeado para gerar frutos futuros.
Em 1950, o trabalho da Nise da Silveira tem início e com ele a arte passa a ser instrumento usado como tratamento para os doentes mentais.
Um longo tempo se passou até chegarmos em 1975 quando o primeiro livro de Arteterapia é lançado no Brasil: A Espiral do Símbolo. Uma relíquia para os interessados na profissão.
Em 1978, pela primeira vez fala-se da Arte como conduta na Conferência Internacional sobre cuidados Primários de Saúde.
Em solo fertilizado e cultivado, passamos então a perceber os brotos que passam a se fortalecer com o intercâmbio de viajantes que vão para o exterior aprender, assim como os que vêm ao Brasil ensinar.
Selma Ciornai, com quem tive a honra de aprender a profissão, foi uma dessas viajantes desbravadoras. Em sua fala ela nos contou que no pós-guerra, houve uma grande desilusão com a razão e neste momento a Arte ganha forças.
Em 1947, o educador Viktor Lowenfeld lança um livro que revolucionaria o conceito de criatividade mostrando, através de sua obra, que priorizar a Arte na educação é a maneira mais correta de estimular o desenvolvimento do pensar. Através da Arte é possível desenvolver todos os tipos de inteligência e sensibilidade.
Ao estudar este pensador, podemos até cogitar a ideia de que um governo que pensa em desconsiderar o ensino das Artes, talvez esteja procurando emburrecer seu povo para, mais facilmente, manipulá-lo.
A importância de Viktor Lowenfeld é incontestável para que o estudo da Arteterapia ganhasse força.
Em 1978, com muita sabedoria na bagagem, Selma Ciornai volta de Israel. Em seguida, escolhe a Califórnia para fazer seu Mestrado nesta nova área de saber. Nos anos 80 ela retorna ao Brasil e começam assim os primeiros grupos de estudos em Arteterapia.
Em 1989, ela dá início ao curso de Expansão em Arteterapia no Instituto Sedes Sapientiae na cidade de São Paulo e com ele nomes importantes e revolucionários da área se sobressaem ao mostrar a Arte como possibilidade de engrandecimento pessoal e como meio de tratar diversas patologias.
Ana Alice Francisquetti, ao tornar-se Arteterapeuta pelo Sedes Sapientiae, revoluciona a maneira de se trabalhar na Reabilitação de crianças com deficiência.
Ana Alice implanta um setor de Arte-Reabilitação dentro de uma grande instituição de saúde. Com ela aprendi que a Arteterapia deve ser levada com seriedade e fundamentada em estudos profundos. O “Achismo” está fora de questão para os profissionais que querem exercer a Arteterapia com seriedade e eficiência. A relação com Ana Alice ultrapassa a admiração pela profissional que ela é. Professora que virou amiga e que tem para sempre minha gratidão.
Hoje em dia, a Arteterapia tem conquistado espaços. Somos uma profissão em contínua expansão com 12 Associações espalhadas pelo Brasil além da União Brasileira das Associações de Arteterapia (UBAAT).
Uma profissão que intervém positivamente no olhar para o outro e para o entorno.
Por meio da Arteterapia é possível ressignificar vidas, aprender a conduzir os próprios passos e a transformar pessoas e grupos em algo melhor e maior. É possível reabilitar e tratar pessoas em sofrimento físico e emocional levando, através das propostas, uma maneira de suavizar a dor e elaborá-la com criatividade e emoção por meio de um resultado plástico que colabora com estima pessoal aniquilada pelo sofrer.
Nas velhices, é uma maneira eficaz de clarear o estranhamento que ocorre, em todos os níveis do viver e do longeviver.
Solo cultivado, sementes plantadas, brotos em crescimento pleno.
Faz-se momento de caminhar em busca da colheita. Com seriedade e num caminho próprio repleto de cores, imagens e símbolos em forma de frutos que desabrocham da nossa maneira singular de existir e de viver.
Meus passos são dados com firmeza rumo a um envelhecer mais digno. Essa é minha causa. Que todas as velhices que me encantam pela sua heterogeneidade possam favorecer-se deste caminhar.
A velhice é inquieta e pulsa em sua força modificadora. A Arte é um caminho. Aliás, é o caminho. Viver pode ser mais. Nunca menos.
A Arteterapia nas velhices tem a função de modificar o envelhecimento para algo possível de ser experimentado de uma maneira única, capaz de engrandecer o sujeito velho a sua mais alta potência de viver.
Assim como Osório Cesar, Nise da Silveira, Selma Ciornai, Ana Alice Francisquetti, Ângela Philippini, desbravadores da Arte como terapia, somos todos desbravadores do nosso próprio mundo.
Na velhice, nossos solos já foram remexidos e semeados. Algumas sementes geraram frutos, outras não foram adiante. Apropriar-se das nossas plantações é uma maneira de apoderar-se da vida construída ao longo de nossa existência.
A Arteterapia nas velhices é uma maneira eficaz de concretizar a certeza de tudo o que foi plantado e elaborar as sementes não germinadas. É desta maneira que existimos na essência do viver e do envelhecer, com Arte e Estética onde nós, velhos, poderemos, finalmente, ser a própria obra de Arte.
* Cristiane T. Pomeranz é arteterapeuta, entusiasta da vida e da arte e mestranda em Gerontologia Social PUC-SP. E-mail: crispomeranz@gmail