A psicanalista Dorli Kamkhagi, doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-São Paulo), afirma que a sazonalidade nos favorece vivenciar a libertação que o ato de perdoar pode significar. “O fechamento de um ciclo vital requer que as pessoas se harmonizem com novas expectativas e, para isso, é preciso aceitar o novo”, diz.
Karina Fusco – Metrópole
Metrópole – Por que perdoar é tão importante e, também, tão difícil?
Dorli Kamkhagi – Porque exige uma atitude de mudança. E toda mudança, principalmente no quesito emocional, pode ser dolorosa e até confundida com fraqueza. Quando perdoamos, abrimos um espaço para tentar esquecer ou deixar em branco o lugar de algo que nos causou dor. Também porque pode implicar no reconhecimento de que somos parte de uma história, de uma situação, e que talvez tenhamos algo que necessita ser perdoado.
Do ponto de vista psicológico, quais benefícios o perdão traz?
Perdoar nos permite rever uma situação de diferentes formas. É um caminho de crescimento, o que, naturalmente, exige maturidade. Quando perdoamos, nos livramos de raivas, mágoas e dores que podem ser impeditivas para um desenvolvimento emocional ampliado de nós mesmos. É a capacidade de se reconhecer nos erros e nas dores que, muitas vezes, foram causados por nossos atos, mesmo que inconscientemente. É uma ação libertadora e atemporal.
Perdoar a si mesmo é mais fácil do que perdoar os outros? Por que aceitar os próprios erros é igualmente importante?
O primeiro passo para uma vida mais saudável emocionalmente é o autoperdão. À medida em que reconhecemos que podemos errar, nos humanizamos, deixamos de ser tão duros e aceitamos que temos limites. Quando nos perdoamos, deixamos de lado aspectos tirânicos que, muitas vezes, destroem as possibilidades de mudanças de padrões. Porém, perdoar apenas a si próprio após uma autorreflexão, além de não levar a lugar algum, não é garantia de que novos e idênticos erros não serão novamente cometidos.
Em tempos em que impera o “bateu, levou” são maiores as probabilidades de desentendimentos, brigas e mágoas por questões corriqueiras. Mudar a forma de pensar e agir é o caminho para sair desse ciclo vicioso?
Sim. Se modificamos nosso padrão de percepção da realidade, deixamos de ver apenas a superfície e ampliamos o jogo de nossa existência. Quando deixo de enxergar o outro como adversário, abro um caminho de conversa e compreensão. E assim saímos do processo primário da lei de Talião: olho por olho, dente por dente. Como num jogo de xadrez, é necessário mexer uma peça para que o tabuleiro todo se mova.
Quais os impactos que guardar mágoas pode acarretar às saúdes física e emocional?
Quando acumulamos mágoas, nos tornamos amargos e tendemos a nos afastar das pessoas, nos isolando afetiva e socialmente. Guardar sentimentos de raiva e ódio e projeções daquilo que não aceitamos nos outros pode nos fazer adoecer física e psiquicamente. O acúmulo dessas vivências destrutivas gera um excesso de estresse que não é metabolizado e se transforma em arma contra a própria pessoa. Em última instância, alguns adoecimentos estão ligados a uma personalidade rígida, que não aceita o perdão. Por isso, é tão importante elaborar nossas dores e passar a ter um olhar diferente do mundo e de nós mesmos.
Muitas pesquisas foram feitas sobre o valor terapêutico do perdão. O que elas nos ensinam?
Os benefícios do perdão são enormes em todos os sentidos: espiritual, filosófico, emocional e físico. À medida em que desenvolvemos a capacidade de perdoar, saímos do papel de juízes, que tanto nos prejudica e isola, e entramos em contato com novos aspectos de nossa vida. Não perdoar significa guardar raiva, uma dor que vai ocupando um lugar perverso em nossa história. Tornamo-nos vítimas dos sentimentos negativos que não foram entendidos e isso pode gerar doenças físicas. Existem estudos que mostram ainda o quanto a raiva e a dor podem levar a adoecimentos profundos.
Vemos casos de pessoas que perdoam, sobretudo quando se trata de relacionamentos amorosos, mas não esquecem o que aconteceu. Há um paradoxo entre o perdão e o esquecimento das mágoas?
Nem sempre podemos perdoar e esquecer. Precisamos da memória porque ela nos constitui como parte de nossa história. Porém, a memória da vingança acaba por nos destruir e minimiza a uma possibilidade maior de evolução. Devemos entender que alguns fatos nos ajudam a crescer e a dar novos sentidos à vida, e lembrar pode ser importante, pois isso faz parte de nossa condição humana, assim como a dor. Porém, quando e se conseguirmos perdoar, estaremos num caminho de crescimento e desenvolvimento emocional.
Fonte: Metropole,19/12/2012. Disponível Aqui