Apenas respire. A morte está viva

A morte é certa e mesmo quando vemos nossos velhos se tornarem cada dia mais velhos, somos pegos de surpresa com tal acontecimento. Sejam velhos cachorros, humanos, felinos ou simplesmente velhos.


Após uma ausência incontável de dias sem escrever uma só sentença, permito-me retomar a este ato de narrar, muito mais sentimentos do que acontecimentos fazendo de mim mesma a principal personagem desta escrita não por questões de ego, mas sim por pura sobrevivência. Hoje acordei assim: Ou escrevo, ou sufoco e eu que sempre desejei atingir o maior número possível de corações por meio dos meus textos, desta vez tenho a ousadia de convidar os leitores não familiarizados ao amor de um animal de estimação a não perderem seu precioso tempo com esta descritiva de quem revive a morte de um alguém que preencheu vidas humanas com doçura imensurável e com uma tal alegria que só quem convive, de verdade, com animais será capaz de compreender.

Aos leitores cachorrentos como eu, ou aos que se deliciam com as características dos felinos, quem sabe alcançando seus corações com este texto, não encontrarei algum conforto para o meu que, hoje, justamente hoje, que há um ano, no aconchego do meu amor, minha Nina precisou dar adeus à sua vida de quase 18 anos de muito companheirismo e do mais puro afeto vivido por toda uma família, meu coração parece querer sufocar.

A morte é certa e mesmo quando vemos nossos velhos se tornarem cada dia mais velhos, somos pegos de surpresa com tal acontecimento. Sejam velhos cachorros, humanos, felinos ou simplesmente velhos.

E a vida que era de um jeito, precisou então ser aprendida a ser vivida de outra maneira.

Eu cuidei da minha velhinha nos seus últimos anos com toda dedicação possível, deixando de lado muitas coisas particulares para estar com ela. Triste é quem, jamais, abre mão de si para viver a despedida do outro, mas as despedidas são doídas e nem sempre damos conta de vivenciá-las.

Aprendi a viver sem sua companhia e dar de cara com a saudades ali me encarando todo tempo. Não foi fácil.

Hoje faz um ano e ontem fui dormir chorando para acordar em prantos. Rosto inchado, olhos vermelhos e coração apertado. Já beijei o pé de jasmim que carrega naquele pedaço de terra o amor na sua condição eterna. Muitas folhinhas novas de um verde amarelado que compõe a cena daquele cantinho do quintal da casa da praia. Seu rostinho velho de olhinhos opacos é vivo na minha lembrança.

Hoje faz um ano e ontem fui dormir chorando para acordar em prantos. Rosto inchado, olhos vermelhos e coração apertado. Já beijei o pé de jasmim que carrega naquele pedaço de terra o amor na sua condição eterna. Muitas folhinhas novas de um verde amarelado que compõe a cena daquele cantinho do quintal da casa da praia. Seu rostinho velho de olhinhos opacos é vivo na minha lembrança.

Hoje, não é a morte que estou revivendo é a dor da despedida que parece ter voltado intensamente e mal suporto carregá-la. Por isso choro, por isso escrevo, por isso dói tanto.

Velhos vão morrer, crianças vão nascer, alguns de tantas mágoas vão adoecer enquanto outros deixarão a sensação que foram embora em hora errada, mas a travessia será feita. De alguma maneira, em qualquer instante. Uma hora partiremos e o que é pior, veremos quem amamos partir para longe de nossos olhos e eu passo esses dois dias revivendo nossa despedida e a sua morte.

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Há um ano você, em meu colo, se desligou desta vida para navegar outros mares. Hoje não tive vontade de acordar, não tive vontade de existir pois a lembrança do nosso adeus sufocou meu peito até doer a tua falta. Mas a vida teve que seguir e eu tive que reaprender a viver meus dias sem sua companhia. E assim foi feito. Melhor seguir vivendo, melhor acordar e para rezar por você escolhi ir ao seu lugar favorito deste mundo, depois da churrasqueira. Na companhia da Estrela e Aurora o teu amor parece continuar a me chamar com imensa saudade. Sigo a vida, caminho na tua areia, beijo o teu jasmim e te percebo bem aqui em mim.

Mar de Tabatinga

Hoje sentei ao lado do pé de Jasmim com a Estrela no colo para cantarolar a oração de São Francisco. Lágrimas rolavam sem controle enquanto as lambidas da Estrelinha faziam a vez de um lencinho.

Em algum lugar da casa Aurora exercia seu direito de ser cachorra, enquanto em meu colo, a mais humanóide de todas as cachorras tentava compreender o que vivíamos.

Os cachorrentos serão capazes de me entender, quem não conseguir, peço desculpas caso tenha continuado a leitura até aqui.

Ontem foi um ano da sua despedida, hoje fez um ano da sua partida e me dei o direito de viver a morte, bem viva dentro de mim.

Engana-se quem pensa que a morte é morta. Ela vive e pulsa ao ponto de nos matar, de tristeza, de saudades e de dor.

Enquanto a morte passa, a vida segue para ver florescer o jasmim e o amor que, de tão bem cultivado jamais haverá morrido.


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Cristiane T. Pomeranz

Arteterapeuta, entusiasta da vida e da arte, e mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP. Idealizadora do Faça Memórias em Casa que propõe o contato com a História da Arte para tornar digna as velhices com problemas de esquecimento. www.facamemorias.art.br E-mail: [email protected].

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