Aparecida Perroni, 77 anos - Portal do Envelhecimento e Longeviver
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Aparecida Perroni, 77 anos

Aparecida Maria Nascimento Perroni nasceu no dia 18 de outubro de 1932 na Cidade de Capão Bonito, distante 238 km da capital de São Paulo. Região de agropecuária como forma de subsistência, é a principal fonte econômica até hoje. Capão Bonito atualmente tem mais de 4.000 quilômetros de estradas e acessos rurais.

Marisa Feriancic

 

Aparecida é filha de Benício Henrique do Nascimento e Clarisminia Honório dos Santos. Ela conta que sua mãe Clarisminia casou-se duas vezes e teve 16 filhos. A avó materna teve 23 filhos. Benicio era o filho mais velho.

A historia

Comecei a trabalhar muito cedo. Aos seis anos de idade, já vendia os produtos da chácara onde morávamos, para ajudar meus pais. Nessa época meus pais se separaram. Minha mãe era pouco afetiva, muito brava. Casou-se muito menina, teve uma vida difícil, de luta, foi uma batalhadora. Meu pai era mais atencioso conosco. Na minha casa tinha uma cozinha grande com chão de tijolos. Ele fazia uma fogueira no chão, assava pinhão, batata doce e sempre contava histórias, algumas eu lembro até hoje. Ele não era de abraços e nem de beijos.

Minha mãe casou-se pela primeira vez aos 13 anos. Trabalhou muito. Lavava e passava roupa para 12 famílias. Minha bisavó Arminda era passadeira em Portugal e com ela, minha mãe aprendeu a engomar e passar roupas com perfeição.

Minha avó materna, a avó Ana, ficou viúva aos 42 anos, com oito filhos para criar e uma chácara com muitos porcos que precisava ser administrada. A vida era difícil. Ela não dava conta de tudo sozinha. Um dia, conversando com o compadre José, minha avó Ana lhe disse que não sabia o que fazer com os porcos. Na chácara tinha alimentos, mas não tinha tudo, precisávamos comprar açúcar, leite, querosene e outras necessidades. O compadre disse a ela que era necessário casar uma de suas filhas, e assim arrumaram um baile para apresentar as meninas. Minha mãe era alta, magra, bonita, mas não estava dentro dos padrões de beleza da época. A irmã dela, minha tia Vicentina, não era tão bonita, mas era mais rechonchuda, cheia de curvas. Meu pai Benicio gostou da minha tia Vicentina, mas a filha mais velha era a minha mãe, e era costume, casar a filha mais velha antes. Minha mãe não queria casar, era muito novinha, mas não tinha escolha.

O compadre José conversou com o pai do Benício e assim foi arranjado o casamento. Eles casaram-se e Benicio foi tomar conta dos porcos. Minha mãe estava com 13 anos e ele com 20 anos. Um ano depois, minha avó Ana faleceu.

Quando minha mãe tinha 14 anos ela teve o primeiro filho. Meu irmão mais velho tem hoje 85 anos.

Minha mãe faleceu com 83 anos. Seu primeiro marido, o Benicio faleceu com 83 anose o segundo marido, o João faleceu com 65 anos.

A infância

Quando eu tinha seis anos, meus pais se separaram. Minha mãe foi embora e levou só a nenê que estava amamentando. Os outros filhos ficaram com meu pai Benicio. Depois de um ano ela voltou e eles foram morar juntos outra vez.

Quando eu tinha oito anos, minha mãe me deu para uma senhora – dona Clementina, que morava na Capital de São Paulo. Morei com Dona Clementina 3 anos. Ela era muito brava, exigente. Foi uma época muito difícil para mim. Dona Benedita, irmã de dona Clementina, era uma pessoa maravilhosa. Morava próximo a casa dela, era uma pessoa muito boa. Foi ela que me ensinou a cozinhar vários tipos de comidas, até pratos de caça, que era difícil de fazer. Eu só trabalhava, não ia à escola, Dona Benedita tinha cinco filhos e era diretora de uma escola. Foi ela que me ensinou a ler e escrever. Tomava conta de mim, comprava sapatilhas para mim iguais das filhas dela.

Eu queria voltar para minha mãe e quando ela ficou sabendo que eu não queria mais ficar com Dona Clementina, tentou me buscar de volta, mas o juiz não deixou. Esse juiz faleceu e o novo juiz que assumiu reverteu o caso e minha mãe me pegou de volta, eu voltei para Capão Bonito e fui trabalhar numa pensão com tia Zoraide, uma tia materna. Com 12 anos eu era uma cozinheira de forno e fogão. Fazia de tudo numa casa e cozinhava muito bem.

Aos 13 anos, vim para São Paulo com uma amiga mais velha, sobre um caminhão de repolho. Ela já estava contratada como arrumadeira. Chegando a São Paulo fomos para o Jardim Paulista, onde era a casa de Dona Georgete, a patroa dela. Chegamos e minha amiga pediu se eu poderia passar a noite lá, pois eu não tinha emprego e nem lugar para ficar. Dona Georgete muito gentil permitiu que eu ficasse. Eu, agradecida, resolvi passei um monte de roupa que estava empilhada num canto do quarto. Dona Benedita tinha me ensinado passar colarinhos com parafina. Eu passava roupas muito bem.

Quando Dona Georgete viu a roupa toda passada, se admirou e perguntou quem tinha passado tão bem. Eu respondi que tinha sido eu. Ela me perguntou o que mais eu sabia fazer e eu respondi que sabia fazer de tudo. Ela disse que eu era uma criança ainda, e continuou me questionando se eu sabia cozinhar e eu disse que sim. Dona Georgete pediu para eu fazer a comida das crianças e me disse que se as crianças gostassem eu ficaria trabalhando com ela. Eles adoraram. A casa era enorme com muitos empregados. Era 1946, época do Gaspar Dutra. Dona Georgete e a família, o receberam para um jantar e eu fiz codornas recheadas. Ele foi até a cozinha me elogiar.

Quando era criança ainda, queria ser manicure. Ficava encantada vendo dona Clementina fazendo as unhas com a manicure. Dona Georgete me deixou fazer o curso de manicure nas minhas horas vagas.

Quando saí da casa de Dona Georgete fui trabalhar como balconista na loja de roupas: “A Exposição”. Minha amiga também saiu do emprego, alugamos um quarto e fomos morar juntas. Fui trabalhar em salão de beleza, sabia fazer de tudo; cabelo, unha, depilação e penteava perucas. Fui morar na Oscar Freire, depois fui para a Alameda Franca e depois para a Alameda Lorena onde fiquei muitos anos.

O casamento

Eu estava passeando no Conjunto Nacional com uma amiga, e paramos numa charutaria. Tinha dois homens conversando e discutiam sobre mulheres e homens. Um dos assuntos era sobre os gostos dos homens e das mulheres. Um deles, o João, virou-se para mim e perguntou: O que você gostaria de ganhar de um homem? Eu respondi que já tinha tudo, mas poderia ganhar uma rosa. Percebi a paquera, começamos a conversar, e ele quis me levar para casa, mas não aceitei. Disse um até logo e fui-me embora. No dia seguinte ele apareceu com uma braçada de rosas na minha casa. Todos os dias ele levava algum presente para mim.

Eu não pensava em casar, mas ele estava apaixonado e tinha pressa. Eu estava com 30 anos e ele com 48. Namoramos e casamos em um ano e meio.

Aparecida – 1962

Aparecida, 1976 em Erlangen, Alemanha

João era viúvo e já tinha um casal de filhos. Não tivemos filhos. Eu parei de trabalhar em salão de beleza, mas não queria ficar em casa. Eu tinha muitas clientes. Trabalhava escondida do João, na casa de uma amiga. Ele não queria que eu trabalhasse. Dizia que nós não precisávamos. Dona Feliciana, minha sogra, nessa época já era velhinha e morava conosco. Nós éramos grandes amigas e ela sempre me apoiou. Eu não tinha como justificar minhas compras, então, não podia gastar o dinheiro e fui guardando. Um dia João foi assaltado e roubaram-lhe todo dinheiro. Esse dinheiro era para fazer o pagamento dos cuidadores dos cavalos do Jóquei, onde ele trabalhava. Ele ficou desesperado. Conversei com minha sogra e disse a ela que iria contar a ele sobre o dinheiro que eu tinha guardado, mas tinha medo dele ficar chateado comigo.

Viuvez

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João faleceu em 1984. Eu já tinha mudado da Avenida Lorena e morava no Jardim Jussara. Fiquei revoltada com Deus. Depois de tanto esforço para construir nossa casa, João faleceu e não aproveitou nada. Sofri muito. Na época cheguei a fazer psicoterapia, foi o que me ajudou.

Eu achava que iria morrer antes dele. Ele tinha uma vida saudável, fazia caminhadas, fazia ginástica, cuidava da alimentação.

Sempre gostei de morar bem. A gente chega do serviço cansada e nada como o aconchego de nossa casa. Poderia ter cuidado melhor de mim e das minhas finanças. Vim morar em Sorocaba em abril de 2003 e aqui estou até hoje.

João Perroni

Aparecida Perroni

Envelhecer

É uma felicidade poder envelhecer. A partir da fecundação, com tantos espermatozóides brigando, já somos vitoriosos de nascer.

Viver é bom, mesmo com todas as dificuldades que possam aparecer. Nem todos conseguem chegar aos 77 anos com saúde, memória boa, sem passar por tragédias. Sou uma pessoa querida, não vivo isolada do mundo.

Para envelhecer bem, precisamos cuidar da nossa saúde. Alimentação é importante, a leitura, a informação e fé em Deus também. O ser humano, muitas vezes cuida do outro, mas não se permite um tempo para se cuidar. Eu não tive muito tempo de me cuidar, sempre trabalhei muito. Cuidei muito dos outros. Amei demais. A gente deve amar, mas não exageradamente. Não é bom. Não vi minhas rugas chegarem e quando percebi, elas estavam aí.

Na época que eu trabalhava em Instituto de Beleza, eu atendi quatro moças que eram comissárias de bordo, e viajavam pelo mundo todo. Quando elas voltavam sempre me traziam um presente. Não usava nada na pele e um dia uma delas trouxe um creme para o rosto, que se chamava ALERTA 27 e me falou: passa no seu rosto que sai todas as rugas. Eu respondi a ela: eu tenho rugas? Eu estava com apenas 30 anos. Olhei-me no espelho e vi; tinha mesmo.

Eu acredito que temos que cuidar da pele de dentro para fora. A alimentação influencia muito.

Tem pessoas que não aceitam envelhecer. Não podemos negar que vai ficando tudo mais difícil; a gente cansa mais fácil, a pele fica mais mole, não dá para descer as escadas correndo, tem que tomar mais cuidado. Existe também o preconceito com os velhos. Moças bonitas e jovens, os atendentes das lojas vão correndo atender. Eles acham que nunca vão envelhecer.

Acho que hoje melhorou o conceito de velhice, mas pode melhorar ainda mais.

Antigamente, a mulher era velha com 50 anos. Vivia de avental no fundo do quintal ou na cozinha, não aparecia. Nem fazia as refeições na mesa junto com a família. Ou comia antes ou comia depois. Os filhos casavam e ficavam morando no fundo do quintal dos pais.

Hoje é diferente; as pessoas estão ficando mais esclarecidas, os idosos têm atividades nos parques, bailes da terceira idade, excursões e até ônibus gratuito. Uma mudança importante foi a aposentadoria. Quase todos têm aposentadoria. Atualmente, as donas de casa têm uma aposentadoria. Alguns aposentados sustentam a família com esse salário. Alguns avós ajudam os netos, e eu não acho errado, porque mais tarde eles podem cuidar melhor dos avós.

Solidão

Não sinto solidão. A solidão está dentro da gente. Muitas vezes estamos num lugar cheio de gente e nos sentimos só. Tenho minha casa, meus afazeres, minhas leituras. Gosto muito de ler. Leio até panfleto. O ultimo livro que li foi “O Código Da Vinci”, um romance de Dan Brown.

Gosto de fazer palavras cruzadas, assistir debates na televisão, filmes, novelas. Não saio muito de casa. Às vezes vou até o centro de Sorocaba fazer compras, pagar contas, dar uma volta, mas não consigo andar muito, sinto um pouco de dor nas articulações.

Saúde

Estou bem de saúde. Tenho artrose, mas estou bem. Fiz cirurgia da catarata, sarei e agora vou operar meu olho esquerdo. Tenho uma cicatriz na retina que precisa ser operado. Cuido da minha alimentação. Gosto de frutas, verduras, não fumo, não bebo álcool. Faço um pouco de tudo: cuido da casa, faço comida, cuido da roupa, e tenho uma diarista que vem uma vez por semana e faz o serviço mais pesado.

Religião

Sou católica. Vou uma vez por semana à igreja, tenho um grupo que lê a bíblia. É importante ter fé. Mas pode ser uma religião pessoal também.

Finitude

Não tenho medo da morte, já consegui comprar minha passagem a prestação. Já estou preparada. O que é estar preparada? É que tudo o que eu tinha que fazer, já fiz. O que vier é lucro. Já viajei dentro do Brasil e fora também. O que eu gostaria de fazer atualmente é uma campanha. Tem muita campanha para criança, mas não tem campanha para idosos. As leis precisam sair do papel e ir para a pratica.

Os jovens pensam pouco no futuro. Precisam se preparar mais. Eles têm medo da velhice, mas não se cuidam. Não suportam ficar doentes e ao mesmo tempo têm medo de ir ao medico, e descobrir alguma doença. Fazem exercícios radicais, é muita adrenalina, acho prejudicial à saúde.

Um recado

Para os que ainda vão envelhecer: Aproveitem bem a juventude e procure ser feliz, a felicidade está dentro da gente.

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