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Alzheimer: ao tocar o outro, me toquei!

A minha concepção sobre trabalhar com idosos demenciados era diferente até conhecê-los. Ao chegar ao grupo imaginei hipoteticamente que encontraria pessoas tristes e desanimadas, que não me reconheceriam de um dia para o outro, mas foi o contrário, me surpreendi.

Simone de Cássia F. Manzaro(*)


Atuei durante três anos como voluntária em um grupo de estimulação cognitiva para idosos com Demência de Alzheimer pela Associação Brasileira de Alzheimer-ABRAz. O nosso principal objetivo era através dos exercícios cognitivos, estagnar ou amenizar os efeitos da progressão da doença por um determinado tempo.

As principais atividades junto a esses pacientes consistiam em festas temáticas, chás da tarde, estimulação da linguagem, memória, raciocínio lógico, arteterapia dentre outras funções, por meio de atividades e exercícios, promovendo também a socialização tanto para os pacientes quanto para os cuidadores, como uma forma de ampliar as relações entre ambos.
A minha concepção sobre trabalhar com idosos demenciados era diferente até conhecê-los. Ao chegar ao grupo imaginei hipoteticamente que encontraria pessoas tristes e desanimadas, que não me reconheceriam de um dia para o outro, mas foi o contrário, me surpreendi.

Percebi que mais do que uma memória falha, era preciso deixar marcas para ser reconhecida. Cada idoso recebia de mim algo diferente, e era isso o que os faziam reconhecer-me.

Havia uma senhora, que só me reconhecia se eu sorrisse, outra, se eu colocasse minha mão suavemente em seu ombro, ainda havia aquela que sabia quem eu era por causa do perfume.

A partir dessas percepções, comecei a criar novas atividades para estimular os idosos, cada dia era uma surpresa diferente ou uma brincadeira, e a atividade que mais rendia histórias era a atividade de memória biográfica, que consistia em um caderno simples com fotografias da família, o qual o idoso escolhia uma foto e falava sobre ela.
Em certa oportunidade, durante a reunião do grupo, pedi que cada idoso escolhesse uma foto bem bonita do seu álbum, e falasse um pouco sobre a pessoa da foto e o que ela representava para eles. Para minha surpresa, das 10 fotografias escolhidas, 7 eram minha.

Ao pedir que cada um mostrasse sua foto e falasse sobre ela, cada um de uma vez, levantou a foto, mostrando-me sorrindo.

Entre os relatos, estavam frases que revelavam um pouco das impressões e sentimentos daqueles idosos com relação a minha presença no grupo:

“Ela parece uma boneca, eu tinha uma boneca assim”, disse O.;

“Você não quer cuidar de mim na minha casa?”, disse R;

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“Eu escolhi essa foto porque ela é muito boazinha”, disse C;

“Eu gosto dela, porque ela é muito very good”, disse E;

“Ela vem sempre aqui, ela é boazinha, eu sempre te espero na minha janela sabia?”, disse C;

“É engraçado como eu conheço ela há muito tempo”, disse M.L;

“Ela é uma pessoa muito bacana, eu gosto”, disse T.
Depois desses surpreendentes relatos, que comoveram não só a mim, mas também os familiares e cuidadores, comecei a entender que mais do que estar ali para estimulá-los e exercitá-los, eu estava ali para tocar e ser tocada.

Não sei dizer se eu mudei a vida das pessoas com Alzheimer, mas com certeza conviver com o Alzheimer, mudou a minha vida!

Como sempre digo, o dia em que eles não mais me reconhecerem, nem pelo meu toque, o que importará é que eu os reconheço e sei o quanto um pouco do meu tempo e do meu carinho pode fazer diferença na vida deles, e principalmente na minha.

Esse pequeno texto mostra a importância do respeito, carinho e paciência no trabalho com idosos com demência. Esses comportamentos podem fazer muita diferença no tratamento e principalmente, podem ajudar a trazer qualidade de vida para esses idosos.


(*)Simone de Cássia F. Manzaro – Psicóloga, Psicoterapeuta de adultos e idosos. Possui experiência em estimulação cognitiva para pacientes com demências, principalmente Demência de Alzheimer; atua também com estimulação cognitiva preventiva; Realiza consultoria gerontológica, orientando familiares e cuidadores, criando estratégias e atividades para lidar com o paciente no dia a dia. Email: simonemanzaro@gmail.com.

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