O filme A Vida em Si mostra tramas de re-significações vividas e não vividas. Mas também mostra que somos seres de escolhas.
Dulcinéa da Mata Ribeiro Monteiro e Arthur Moreira da Silva Neto (*)
Filme imperdível que nos emociona do princípio ao fim, quase impossível não ter lágrimas nos olhos. Através de histórias que se entrelaçam em quatro gerações a trama-VIDA é tecida, tessitura esta que se faz em altos e baixos, momentos alegres/ glamourosos e momentos tristes e trágicos, encontros e desencontros… A vida em si se faz num contínuo jogo de perdas e ganhos, e isto perfaz todas as idades e todas as gerações… Assim é a vida! Portanto, mister se faz a aceitação do inevitável em nosso peregrinar –vida; nosso possível processo de desenvolvimento exige este aprendizado! “Viver é um rasgar- se e remendar-se”, dizia Carlos Drummond de Andrade.
Debates
No dia 27 de novembro, última 3ª feira do mês, tivemos debates, após as sessões do Itaú Viver Mais Cinema, das 14 horas, em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Salvador e Brasília.
No Rio de Janeiro, sublinhamos que em nossa trajetória, nem tudo depende de nós e, portanto, o imprevisível ou inusitado acontece. Refletimos também sobre a resiliência, os ganhos e perdas inerentes ao longeviver a necessária ressignificação e o aparar das arestas, para ganharmos flexibilidade e encontrarmos o Amor!
Em Curitiba, o público gostou muito do filme e do debate. Falaram sobre as “coincidências” nas histórias, que, na realidade, eram um fio condutor unindo todos os envolvidos. A importância da mensagem de que “a vida continua” mesmo após a morte, pois é importante valorizar as pessoas que existiram antes de nós, e nos preparar para deixarmos boas ideias/lembranças para os que virão. Também mencionaram a importância do amor, que marcou toda história. Algumas pessoas apontaram a importância em discutir sobre a morte e ideação suicida, pois na nossa cultura são assuntos tabus. Muitos ressaltaram também a importância do diálogo e as diferentes formas de se comunicar. Consideraram o cine-debate muito proveitoso.
Em Brasília, houve grande participação de idosos do SESC, instituições geriátricas e idosos cadeirantes. O público ficou muito emotivo e, inicialmente, em silêncio. O Prof. Henrique, do Programa de Gerontologia UCB, e a debatedora incentivaram os participantes a refletir sobre os processos de resiliência presentes em todo o ciclo de vida. Diante dessas reflexões iniciais, os participantes relataram depoimentos pessoais, de histórias que envolviam netos, amigos e familiares. O suicídio e a depressão foram relatados como dilemas contemporâneos e abordou-se a importância de criarmos redes de cuidados e prevenção. Nas discussões, abordou-se também a importância de ter metas, cultivar propósitos de vida e ter uma postura amorosa para avançar diante dos altos e baixos dos eventos que não podemos controlar.
O filme suscita várias reflexões e emoções:
- O narrador de nossas histórias é confiável?
- As coisas têm um momento certo para acontecer?
- A vida engana a gente? Ela prega peças?
- Desejamos uma vida grande, boa e fantástica? como pergunta a menininha ao avô.
- Somos sujeitos de nossas escolhas? Como saber se é Herói ou vilão?
- Os processos terapêuticos ajudam? Poderiam ter sido diferentes?
Em quase todas as quatro histórias intergeracionais que se entrelaçam, o tema recorrente é amor e seus percalços, encontros mágicos e, por vezes, fins trágicos. O casal em torno do qual a trama se inicia e desenvolve, Will e Abby se apaixonam e ele parece ser mais dependente dela e se questiona acerca do – momento certo para tomar a decisão e que não teria mais volta… Temos como saber? Só podemos saber que nós humanos, somos seres de ESCOLHA, temos liberdade. Dumbledore, no filme Animais Fantásticos: Os crimes de Grindewald, afirma “São nossas escolhas que revelam o que realmente somos, muito mais que nossas qualidades.” Afirmação que induz a reflexões infindáveis… Afinal somos livres? Até que ponto? Uma afirmação do psicanalista C G Jung vem ao nosso auxílio: “Metade da verdade está aqui em nossas mãos, a outra metade está nas mãos daquilo que é maior do que nós.” Creio que esse seria o ponto essencial para reflexão que o filme nos apresenta; somos figurantes de um filme muito maior. Somos seres de escolhas, ponderamos acerca do momento certo, agora ou nunca, vale a pena e se …? Assim, fazemos nossas escolhas.
Os gregos em sua sabedoria falam da Hamartia, que significa errar o alvo, errar o julgamento… Erro por ignorância ou falta de caráter? De modo geral o errar o alvo advém de nossa ignorância, de ignorarmos nossa identidade, de não nos conhecermos e nos deixarmos enredar por ilusões, traumas, complexos e MEDOS… Will se pergunta se está preparado, se é tempo certo… Somos HERÓI OU VILÃO? Na realidade somos sempre as duas possibilidades, pois somos luz e sombra, daí ser tão importante nosso autoconhecimento. Sócrates afirmou: “Conhece-te a ti mesmo”. E como é difícil esse apossamento de nós mesmos, árdua tarefa de uma vida inteira! O símbolo do alquimista, o que faz a mistura das porções, simboliza o que precisamos ser: – alquimistas de nós mesmos no desvelamento de nossas realidades luminosas e sombrias.
Outro tema abordado foi AMOR – FATI: “amor ao seu destino” de Nietzsche, que pode ser assim compreendido: Seja qual for o seu destino, seja qual for o diabo que ocorra, você diz: “É disto que preciso”. Pode parecer um desastre, mas siga em frente como se fosse uma oportunidade, um desafio. Se você trouxer amor a esse momento – e não o desestímulo – perceberá que a força está ali (…) É nesse ponto que a espontaneidade de sua própria natureza terá a oportunidade de fluir”, explicação de Campbell. Abby presenciou seus pais mortos em acidente de carro e parece ter superado, ego forte; diante do inevitável da vida, o que ela requer de nós é coragem.
(*) Dulcinéa da Mata Ribeiro Monteiro é Mestre em Educação pela UFRJ (1982), Psicóloga pela UFRJ (1985), graduada em Filosofia (1968) e Orientação Educacional (1970). Analista Junguiana, Gerontóloga (Fundação Oswaldo Cruz, 1996), Consultora Organizacional em aposentadoria, Membro da IAAP-International Association for Analytical Psychology, especializada em Psicologia Médica (Instituto Carlos Chagas, 1987) e Psicopedagogia (Fundação Getúlio Vargas, 1979). Licenciatura em Psicologia, Filosofia e História. Professora Convidada da Pós-graduação em Geriatria e Gerontologia da UERJ. E-mail: helidu@terra.com.br
Arthur Moreira da Silva Neto é Doutor em Educação pela Universidade Portucalense-UPT (Portugal, 2010); Especialista em Geriatria e Gerontologia pela Universidade de Aveiro (Portugal, 2004), em Gerontologia Social pela UPT (2007) e em Socioterapia pelo IPSP/FAHUPE (1991); Pedagogo pela UERJ. Professor Convidado da Pós-graduação em Geriatria e Gerontologia da UERJ, da Pós-graduação em Enfermagem Gerontológica e do PACCS da Escola de Enfermagem da UFF. Professor do curso de Educação Social na Escola Superior de Educação de Fafe do IESF (Portugal). Atua em Oficinas Socioeducativas Gerontológicas na UnATI da UERJ e UVA, na GEAP-Rio e na coordenação carioca do Cine Debate do Itaú Viver Mais Cinema pelo Portal do Envelhecimento. E-mail: amsneto1@gmail.com