A solidão é um fato concreto na sociedade contemporânea, cuja exclusão social gera solidão e, ao mesmo tempo, a solidão não exclui ninguém. Ela tornou-se moda e entrou na agenda social e política. Mas ela é uma questão complexa e heterogênea.
Entrevista a Javier Yanguas (*)
A solidão das pessoas idosas é uma questão complexa. Atualmente está tanto na agenda política quanto midiática, mas será que realmente estamos fazendo as coisas certas?, pergunta Javier Yanguas, diretor científico do Programa de Idosos da “Fundação La Caixa” e presidente – até junho passado – da Seção de Ciências Sociais e Comportamentais da Associação Internacional de Gerontologia e Geriatria da Região Europeia (IAGG -EU). Ele analisa a situação atual na Espanha e propõe maneiras de melhorá-la e, assim, aliviar, tanto quanto possível, a solidão.
Na Espanha, consideramos pessoas idosas aquelas com 65 anos ou mais, mas essa classificação não responde à realidade e influencia o design de serviços e recursos. Como você acha que devemos reconsiderar esse problema?
Apesar de vivemos mais anos e estarmos em melhores condições, o que está acontecendo fundamentalmente é que o ciclo de vida está mudando. Em geral, somos crianças por mais tempo (exceto, provavelmente, em casos de exclusão social), adolescentes por mais tempo e jovens por mais tempo, mas os 65 anos continuam sendo o marco da entrada na velhice e que, talvez, não corresponda muito com a realidade vivida hoje. Muitas pessoas hoje com 65 anos nem se sentem pessoas idosas. Na gerontologia tradicional, historicamente, a velhice estava associada a tudo o que tinha a ver com declínio, com perdas, desengajamento social. Hoje, porém, muitas pessoas de 70 anos sentem que seu ciclo de maturação não terminou; para elas, a velhice é um estágio de crescimento e desenvolvimento pessoal. Atualmente, quando completamos 65 anos podemos ter ainda mais duas ou três décadas e isso é muito tempo, o mesmo que entre zero a 20 ou 30 anos. De acordo com alguns demógrafos, a velhice deve ter um limite de entrada móvel em relação à expectativa de vida: a entrada pode ser “x anos a menos” do que a expectativa de vida média da sua geração. Além disso, encontramos realidades muito diferentes para aquilo que chamamos de “velhice”: desde aquelas que acabaram de sair da vida adulta até nonagenários e centenários com características muito diferentes das anteriores, na realidade são “filhos e pais”, embora não podemos esquecer que há também fragilidade e dependência no que chamamos de velhice.
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Acreditamos que existem muitos estereótipos sobre a população idosa que não correspondem à realidade e queremos que você nos ajude a construir uma imagem alternativa. Como está a população idosa hoje?
Se algo caracteriza a velhice como um estágio é sua complexidade e heterogeneidade. Existe uma crença muito frequente que defende que desde a aposentadoria, com a entrada da velhice, o ser humano está totalmente desenvolvido (“terminado”, por assim dizer) e daí vem o declínio. O desenvolvimento humano, de uma perspectiva psicológica, dura enquanto as transações continuam ocorrendo entre o organismo biológico e o contexto sociocultural. O que acontece é que nessa dinâmica – que ocorre ao longo da vida – há perdas e ganhos. Incomoda-me profundamente que a velhice não seja reconhecida como é. Às vezes, as pessoas são marginalizadas por terem uma certa idade ou certos déficits; outras vezes, parece que buscamos o “dom da eternidade da vida adulta” elogiando os comportamentos típicos de adultos e jovens, com uma mensagem subliminar: um “bom envelhecimento” é ser adulto e não velho.
Eu reivindico olhar a velhice livre desses condicionamentos; nem “a velhice é igual à decrepitude e dependência”, nem é “a busca da vida adulta eterna”. Temos que ver o que de fato é esse estágio da vida, onde há perdas e ganhos. Provavelmente a velhice é uma etapa da existência humana em que há mais heterogeneidade no ciclo de vida. Há pessoas em excelentes condições de saúde, pessoas com fragilidade e dependência; gerações diferentes (quase pais e filhos); cuidadores e cuidados …
A solidão tornou-se moda. De um assunto reservado passou à esfera de privacidade da pessoa para entrar na agenda social e política. O que aconteceu?
Já sabíamos nos anos 80 e 90 que um bom funcionamento social gera saúde. Numerosos estudos indicam isso. Por exemplo, o estudo longitudinal de Harvard, iniciado nos anos 30 do século passado, estabeleceu, sem dúvida, a contribuição das relações sociais para uma velhice sem deficiência e o fato de que a solidão “mata”. O que me parece ter acontecido nos últimos anos é que mudanças demográficas, mudanças nos modos de vida e convivência, globalização, transição de sociedades mais “comunitárias” para sociedades mais individualistas, etc., mudanças que vinham trabalhando furtivamente há muito tempo, encontraram eco nesta sociedade de “liquidez” (nos termos usados por Bauman). No entanto, nesta questão que a solidão se tornou moda, tenho algumas reservas: acho que precisamos nos concentrar e ser rigorosos. Assumir a complexidade da solidão. Não achar que antes não existia solidão ao ponto de, hoje, tudo é solidão e por isso deixar de intervir em outras áreas. Não prestar atenção de que a solidão é a epidemia do século XXI.
Theresa May criou um Ministério para tratar da solidão no Reino Unido. Há alguns dias, a secretária de Estado Ana Lima anunciou o lançamento de um plano global contra a solidão indesejada na Espanha. Você acha que uma estratégia nacional é necessária em nosso país? Qual deve ser o envolvimento das administrações públicas?
Acredito que o que aconteceu no Reino Unido na época da campanha da End Loneliness foi um processo muito diferente, com trabalho no parlamento, comissão, investigação etc. Um bom exemplo para estudar, sem dúvida. Não sou político e, portanto, é difícil para mim opinar sobre a necessidade ou não de uma estratégia nacional e a oportunidade de um possível ministério de solidão. O que eu acredito é que a solidão deve ser abordada próxima às pessoas, de perto, desde o cotidiano, levando em consideração as diferenças e idiossincrasias de cada ser humano e de sua comunidade. Para mim, existem três questões principais: conscientização do público, construção de redes comunitárias de apoio e cuidado e capacitação de pessoas para enfrentar a solidão. Uma última questão: o inverso da solidão “não é a não solidão”, mas que a pessoa tenha um bom funcionamento social, que é onde estão os benefícios pessoais e sociais. Este deve ser o objetivo: recuperar um bom funcionamento social.
A solidão afeta mais homens ou mulheres? Alguns estudos sugerem que os homens estão mais sozinhos, mas não há consenso acadêmico.
Não há consenso. A evidência é díspar. Além disso, parece que os resultados também dependem das amostras incluídas nos estudos, da metodologia, principalmente do tipo de instrumento utilizado para sua avaliação: parece que, quando perguntadas diretamente sobre a solidão, as mulheres obtêm pontuações mais altas do que os homens; e quando se trata de perguntas mais indiretas, essas diferenças são anuladas e até alguns estudos falam de mais solidão nos homens do que nas mulheres. No Programa de Idosos da Fundação Bancária “la Caixa”, realizamos um estudo que anunciaremos em breve, com uma amostra de 15.000 pessoas com mais de 60 anos de idade que frequentam centros sêniores em todo o estado; e um dos resultados que estão surgindo, que eu acho que tem interesse, não é tanto se há mais solidão em homens ou mulheres, mas saber se existem diferenças na maneira de viver a solidão de acordo com o gênero. Nesse sentido, os resultados sugerem que a solidão pode ser mais complexa (com mais nuances) nas mulheres do que nos homens. Nos homens, é uma solidão com um caráter mais “social” e nas mulheres com um tom de “solidão emocional”. Além disso, também parece que a solidão é vivenciada de maneiras diferentes de acordo com a idade. Isso nos leva à necessidade inescapável de pensar em intervenções diferenciadas e aumentar a complexidade das intervenções diante de uma solidão que é diversa em si mesma.
O que devemos considerar para intervir na solidão indesejada?
Eu acho que temos que fazer um esforço para fazer as pessoas se empoderarem. O que livra a pessoa da solidão não é que ela não a sinta, ou exija “companhia” se é o que ela sente falta. Temos que dar ferramentas às pessoas para que elas possam gerenciar a solidão e transformá-la ou, pelo menos, viverem o melhor possível com ela. Como indicamos anteriormente, são necessários três níveis de intervenção: a) as pessoas; b) a comunidade; e c) sensibilização do cidadão.
Numerosos estudos sugerem que existe uma relação entre nível de educação, pobreza e sentimento de solidão: quanto menos educação e recursos, mais solidão indesejada. No entanto, nossa experiência nos mostra que a solidão é transversal e independente do nível de renda e formação. O que você acha?
A exclusão social gera solidão e, ao mesmo tempo, a solidão não exclui ninguém. Cristina Victor, uma das maiores especialistas em solidão, apresenta um modelo de solidão, onde fala de variáveis internas ao indivíduo (intrapessoais, como personalidade, cognição, afetos…) e externas ao indivíduo (presença ou não de serviços, aspectos econômicos, moradias, etc.) que podem ser grandes geradores ou “mantenedores” de situações de solidão. Gosto dessa compreensão transversal da solidão, na qual ela não é banalizada.
A melhor maneira de evitar a solidão é criar bairros e comunidades mais atentos, preocupados, próximos e “seguros”, onde os idosos se sintam menos vulneráveis. Que iniciativas você acha que devemos realizar em nossas cidades?
Concordo plenamente, mas gostaria de enfatizar que, além de “criar comunidade”, é essencial fornecer às pessoas os recursos necessários para gerenciar sua solidão e aumentar a conscientização do público. Em uma das pesquisas que realizamos no Programa Caixa Sênior perguntamos às pessoas entre 20 e 90 anos sobre diferentes aspectos da solidão. Pedimos que elas valorizassem a importância da solidão como um problema social. O resultado é que, por um lado, podemos dizer que a solidão é um problema muito importante, especialmente nas pessoas mais velhas, mas não conhecemos ninguém que tenha. Por quê? Porque a pessoa se esconde, vive em silêncio, se disfarça e se estigmatiza. Temos que começar a não fazer julgamentos sobre aqueles que foram deixados sozinhos, a não julgar a razão da solidão sem conhecer as causas; devemos assumir que a solidão é algo que pode acompanhar todos nós, mas nos acompanha de fato.
Dito isto, e respondendo à sua pergunta, ativar a comunidade é estabelecer vínculos de cuidado e ajuda entre as pessoas, compartilhar projetos, colaborar em um objetivo comum… Possibilidades? Infinitas. Na Inglaterra, existe um projeto que chamou minha atenção em que idosos que moram sozinhos fazem comida para estudantes universitários, que correm a buscá-la e que precisam conversar com a pessoa idosa por um tempo. Os alunos comem muito e praticam esportes, e os idosos trabalham para alguém. Assim, o vínculo é fácil de surgir. Este pode ser um exemplo, mas existem milhares. Ativar a comunidade é lançar iniciativas de interesse comum e compartilhado. A partir do exemplo dado, há outra questão que me preocupa: ativar a comunidade não é tão simples, fazer um bom projeto comunitário não é juntar-se para tomar um café (não estou dizendo que não é uma boa ideia tomar café ou preparar comida para outros). Falamos de “fazer comunidade” facilmente, sem entender, às vezes, que a intervenção comunitária precisa de rigor, ferramentas e muito conhecimento. Tenho receio de que se está banalizando o que é comunidade e o que é comunitário.
Qual deve ser o papel das novas tecnologias para enfrentar o desafio da solidão?
As tecnologias são uma possibilidade maravilhosa, mas em termos de relacionamento elas são um meio e não um fim. O problema é que ficamos confusos e, às vezes, elevamos a mídia à categoria de fins. Acreditamos que, com 3.000 seguidores no Instagram, temos 3.000 amigos. Nas relações sociais, é preciso “tocar” o outro, e que quando você precisar de ajuda, pode “apertar as mãos” (multidimensionalmente, isto é, ter carinho, escuta, ajuda instrumental …). As redes sociais às vezes banalizam o profundo significado das relações. As relações sociais são, é claro, muito positivas, como carinho, ajuda, compreensão, confiança; mas também negativas, ficamos frustrados, decepcionados, bravos … As redes sociais “prometem” o bem, sem o mal. Nos oferece relacionamentos onde a mutualidade e o compromisso não são necessários. Você fica bravo com alguém ou não sente vontade de estar com ele e o bloqueia no WhatsApp, por exemplo. Queremos o desejável, sem assumir o que incomoda. As relações sociais são compromisso e reciprocidade e não devemos esquecer isso. Dito isto, as tecnologias podem nos ajudar bastante porque facilitam a conexão, mas não devem estabelecer os padrões de um relacionamento, não precisam direcionar nosso comportamento em um relacionamento e devemos estar atentos a ele. O fácil nem sempre é o melhor. Temos que compartilhar tempo e investir em relacionamentos, assumindo o que nos incomoda.
(*) Entrevista realizada pelo Canal Amigos de Los Mayores a Javier Yanguas, médico em Psicologia Biológica e da Saúde pela Universidade Autônoma de Madri, entre outros. Trabalhou como Técnico de Inovação em intervenções no Centro Gerontológico Egogain (1989-1999) e dirigiu o Mestrado em Gerontologia Psicossocial da Universidade do País Basco (1996-2000). Ele também foi diretor de I&D da Matia Foundation e diretor do Matia Gerontological Institute entre 1998 e 2017. É especialista internacional em novos modelos de atendimento aos idosos. Entrevista publicada em 17 de outubro de 2019. Tradução livre de Beltrina Côrte.