Pactos secretos e machismo apresentados com elegância e sutileza no filme A Esposa pela atuação de Glenn Close e Jonathan Pryce.
Cristiane Magalhães (*)
Baseado no romance da escritora Meg Wolitzer, o filme A Esposa é uma produção independente que retrata a mulher como inferior ao homem. O filme, seguido de debate, foi apresentado na sessão de cinema Itaú Viver Mais de janeiro, em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Brasília e Salvador. O filme traz Joan, mulher da faixa dos 70 anos (Glenn Close), que acompanha o marido Joe (Jonathan Pryce) a Estocolmo, quando este vai receber o prêmio Nobel de Literatura. Esta premiação e situações vividas na viagem revelam que há muito mais por trás da aparente sintonia do casal e da dedicação da esposa ao marido. Joan passa a revisitar cenas do passado e a refletir sobre decisões tomadas que moldaram a vida da família.
O filme é ambientado em 1992, e tem cenas do casal ainda jovem, interpretado pela própria filha de Glenn, Annie Starke. Em entrevista à mídia internacional, Glenn Close contou que se inspirou na figura da própria mãe, uma mulher talentosa, mas que se limitou a servir seu pai e fazer a casa funcionar à perfeição: “quando ficou mais velha, ela costumava dizer que se sentia como se não tivesse realizado nada”. Por isso no filme Close diz que “eu sou uma criadora de reis” ao ser perguntada sobre sua profissão.
Os debates realizados em todos os estados participantes após a exibição do filme foram muito ricos e abordaram temas como o papel do homem e da mulher na sociedade e a responsabilidade de ambos na manutenção de uma cultura machista.
Muitas questões foram levantadas, tais como machismo, cumplicidade, pactos implícitos no casamento, infidelidade conjugal, hipocrisia familiar em geral. O caráter cíclico da nossa (história de) vida também foi destacado.
Várias idosas trouxeram depoimentos sobre situações vividas em que tiveram que optar entre a relação afetiva e a realização profissional. Percebem o quanto “A Esposa” ainda está em cada mulher, principalmente nas que tem hoje mais de 65 anos. Nesse ponto, foi debatida a diferença do que é prioridade para um homem e para uma mulher. Ele é voltado para fora, para a realização na sociedade e na profissão. Ela prioriza o relacionamento afetivo e a família e, havendo conflito disso com sua profissão, a profissão sai perdendo. Isso facilita que a mulher seja ofuscada pelo marido. Embora vejam mudanças nesses aspectos, identificam como uma realidade para a maioria das pessoas e que isso é forçado a se manter. Nesse ponto, trouxeram os casos de feminicídio (assassinatos femininos) recentes.
A desvalorização da mulher no ambiente literário dos anos 50 foi comparada com a situação atual e percebeu-se que algumas mudanças já aconteceram, mas que há muito a ser conquistado para que haja justiça entre os dois gêneros.
O filho do casal foi percebido como uma vítima dos pais, que o privaram da verdade, da atenção da mãe – constantemente ocupada escrevendo – e do incentivo do “escritor” da família.
Em quase todos os estados os debates foram acalorados sobre a postura do marido Joe, que algumas idosas consideraram egoísta e “canalha” (sic) e outros julgaram tão responsável pela situação quanto a esposa Joan. Uma senhora disse: “Ele foi egoísta e ela conivente”. Foi comentado que havia um pacto de que a realização era de ambos e que este foi quebrado quando Joe fala “eu ganhei o Nobel”, puxando apenas para si o mérito da conquista. A quebra do pacto inicia as reflexões de Joan e sua insatisfação com a parte de esposa dedicada que lhe coube socialmente ao longo dos anos.
Uma idosa participante do debate testemunhou que foi preciso tomar a decisão de se divorciar para poder ter espaço nas atividades que fazia porque o marido havia dito no dia do casamento que ela não poderia trabalhar fora. Comentou-se em como as mulheres têm sido desprezadas ou desvalorizadas.
A importância da autovalorização se mostra aí, em situações em que uma outra pessoa, independente do gênero, é colocada como centro de sua vida e todas as concessões são feitas. Há que se perguntar se há alguém que seja mais responsável do que a própria pessoa na condução de sua vida. Um idoso assíduo do projeto em Salvador, abriu sua fala dizendo “estamos no dia 29 de janeiro. Temos mais 336 dias para realizar nossos sonhos em 2019”. Foi importante a chamada para as pessoas reativarem seus sonhos e não delegarem a realização deles a outros.
Data de lançamento: 10 de janeiro de 2019 (1h 41min)
Direção: Björn Runge
Roteirista: Jane Anderson
Elenco: Glenn Close, Jonathan Pryce, Max Irons
Gêneros: Drama, Suspense
Nacionalidades: Suécia, EUA
(*) Cristiane Magalhães é psicóloga e Coach pela Sociedade Brasileira de Coaching (SBC). Reúne mais de 20 anos de experiência em psicoterapia, coaching, treinamento e desenvolvimento de pessoas. É sócia fundadora do Porto do Ser – Espaço Terapêutico. E-mail: cristianecostax@gmail.com.