Dona Rita, 108 anos - Portal do Envelhecimento e Longeviver
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Dona Rita, 108 anos

Dona Rita trindade de Oliveira , nasceu em Campinas , no dia 21de abril de 1900. É conhecida pelos vizinhos como dona Rita centenária. Dona Rita chegou em São Paulo com a família na década de 30 , procurando emprego de doméstica, foi contratada para trabalhar na casa do Senhor Manoel Vaz de Toledo e Dona Judith.

 

Seu patrão,o professor Manoel, faleceu em 1959 e tem uma praça em sua homenagem: é a Praça Manoel Vaz de Toledo entre as ruas Sena Madureira e Rua Estado de Israel. Dona Judith também já é falecida.

Cheguei à casa de Dona Rita ela estava dormindo. Rita mora no bairro da Vila Clementino. Sua casinha é simples, pequena mas bem equipada. Tem tudo o que Rita necessita para seus cuidados.
Fui recebida por Penha e Jandira.
Assim que cheguei, Penha foi me explicando que ela não fazia um trabalho voluntário.
“ Cuido dela porque ela é uma pessoa muito especial, por quem eu tenho grande admiração e carinho.”.
A filha do senhor Manoel Vaz de Toledo, Penha, é afilhada de Rita.
“Quando Rita foi trabalhar em minha casa, eu nem tinha nascido ainda, ela sempre cuidou de mim, hoje eu cuido dela”

Os Anjos da guarda de Rita

Aguardando Dona Rita acordar, eu me sentei. Fiquei observando Dona Rita, o quarto, a casa e seus anjos da guarda: Penha e Jandira
Penha tem 70 anos. Pessoa culta , bem humorada e afetiva, logo me deixou à vontade. Modesta naquilo que faz, acha que este tipo de ajuda deveria normal entre as pessoas e que ninguém precisaria saber. Aos poucos fui convencendo Penha do significado destes cuidados na velhice. Divagamos sobre a privilegiada genética e forte estrutura de Rita. Hoje vivemos mais. Até 108 anos são poucos. Acredito que a herança genética favorável não teria nenhuma validade se Rita não tivesse os cuidados físicos e emocionais que Penha dedica à ela.

Dona Rita , 93 anos

Penha ia me contando as histórias de Rita, das fotos, das gravuras e dos números de telefones colados na parede do quarto: são homenagens prestadas à Dona Rita, telefones úteis de pessoas conhecidas, telefones do médico, fotos do Clube São Paulo, foto de Rita com Martinho da Vila (que ela admira muito) , um emblema do São Paulo que toca o Hino do Clube, e outros adereços significativos.

Enquanto conversava com Penha, observava o cuidado e o carinho de Jandira, massageando cuidadosamente os pés e a pernas de Rita.
Jandira Viegas, 68 anos é vizinha e amiga de Dona Rita e também amiga de Penha. Ela vai todos os dias à casa de Dona Rita . Enquanto faz massagem conversa com Rita e observa cuidadosamente se apareceu alguma “ novidade” na pele.
Percebo que se trata de uma “especialista” . Ela faz a massagem diária, enquanto vai me explicando o tipo de creme que se deve usar, como massagear com leveza, como enxugar a pele, os materiais para higienização, etc. “Não se deve usar toalha tem que ser fralda de algodão” , “não pode esfregar senão machuca” , “ a pele do idoso é muito sensível” .

Jandira me diz da admiração que tem por Dona Rita: “Aos 104 anos ainda ia à feira “ .
“Sempre gostou de tomar sol na calçada. Dizíamos que era a praia dela. Colocávamos um guarda-sol e ela sentava-se com uma amiga (já falecida). As duas passavam as manhãs sentadas na calçada da rua, sob o guarda- sol, conversando”.

A descoberta – e o prazer de conhecer Rita

Penha acorda Rita e diz que tem visita. Dona Rita conversa pouco, mas está lúcida e ouve bem. Às vezes o silencio nos diz que a memória deve estar zombando dela, mas logo percebemos que ela está prestando atenção a nossa conversa quando troca algumas palavras comigo.
Eu me apresento e pergunto seu nome; ela não titubeia e diz o nome completo. Brinco dizendo que também torço pelo São Paulo. Rita me olha, esboça um sorriso e eu pergunto à ela: Você é são-paulina ?
Ela me responde : “Roxa”!
Rita pede água, e toma com o canudinho sem problemas. Come um pedacinho de queijo branco e pede um pouco de vinho.
Digo a ela que eu também gosto de vinho e ela me pergunta: “Você não trouxe um vinho para mim?”
Eu brinco com ela e digo que a Penha não deixou, mas que da próxima vez eu trago. Ela me olha e diz: “Então trás um garrafão” .

Rita está liberada para tomar um pouquinho de vinho, mas Penha diz que só dá quando ela pede, mas pelo jeito, ela pede todo dia. Penha diz que hoje mistura um pouquinho de água por recomendação medica, mas que Rita está liberada para comer o que sentir vontade e na hora que pedir. E ela pede: “quero vinho”

Penha coloca um pouco de vinho no copo, mistura um pouquinho de água e Rita saboreia tudo. Gosta do vinho docinho. Penha me conta que Dona Rita tomou vinho e cerveja a vida todo. Quando fez 100 anos a latinha de cerveja era em sua homenagem; tinha uma foto de Rita.

Rita, comemorando os 100 anos

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A segunda visita

Na segunda visita que fiz à Dona Rita ela tinha acabado de tomar banho, lavado a cabeça e estava um pouco cansada. Estava deitada e acordada
Sento na cama, faço um cafuné em Dona Rita enquanto conversamos um pouco.
Eu pergunto à Dona Rita o que ela gosta de comer e ela responde : “Tudo”
Pergunto também se ela nasceu em Campinas e aos pouquinhos ela me conta que trabalhava na roça, na plantação de café. Diz que também plantavam frutas. Eu pergunto se ela gosta de frutas e ela me diz que gosta até hoje. Pergunto que frutas que ela gosta mais e ela responde: gosto de banana, mexerica, mamão, laranja e cana de açúcar.
Pergunto a Rita se ela tinha mais irmãos e ela responde : “Éramos em 11 irmãos” .

Penha me diz que a família de Rita era longeva, duas de suas irmãs viveram até 100 anos.
Dona Rita tem uma sobrinha, a Nilde, de 78 anos, que também colabora com Penha. Nilde faz “ plantão” na casa de Dona Rita, nos finais de semana. É ela a responsável pelas tradicionais tranças que Rita usa em forma de “coque” sobre a cabeça.

Perguntei se Rita queria sentar um pouco e ela disse que sim.
Colocamos Rita sentada na cama. Ela pede um pouco de água e fica atenta á nossa conversa

Penha me diz;
“ Quando Rita bateu na porta de minha mãe pedindo emprego, disse que não gostava de trabalhar em casa que tivesse crianças. Nessa época eu ainda não tinha nascido. Rita ajudou a criar meu irmão, que já estava com 7 anos. Quando nasci, Rita disse à minha mãe que só ficaria mais uns meses, até eu crescer um pouquinho. Meus pais morreram e Rita ficou sempre conosco. Em 2005 meu irmão faleceu. “

Dona Rita casou-se cedo, e com 30 anos já estava viúva.
Não se casou novamente e não teve filhos, mas criou um sobrinho, que hoje está casado e com filhos.

Penha me conta que Rita teve um câncer de mama aos 99 anos, fez cirurgia e está curada. Ainda toma medicamentos por conta desse episódio. Um médico da família de Penha, o mesmo que operou Rita, orienta quanto aos cuidados necessários.

Aniversário de 102 anos, com Penha sorridente ao seu lado

Ela nunca está só, resistiu muito a aceitar uma acompanhante. Até os 105 anos, morava sozinha , fazia sua comida e cuidava da casa. Gostava de ficar na porta de casa vendo a rua, tomando sol e conversando com os vizinhos.
Em 2005 , não teve mais como se opor à presença constante das cuidadoras sob a supervisão e cuidados constantes de Penha.
Rita tem duas acompanhantes: uma que fica à noite e outra que fica no período da manhã até às 11 horas. Penha fica com Dona Rita todas as tardes até acompanhante da noite chegar. Nos finais de semana há um revezamento da Penha com a Nilde, sobrinha de Dona Rita.

Dona Rita sempre gostou de festas e de passear. Em 2004, foi a um show de Martinho da Vila, levada por Penha e fez questão de conversar com Martinho. Tirou esta foto com ele que serviu de lembrança de seus 105 anos.
Todos os anos no aniversário de Dona Rita, Penha organiza a comemoração com as pessoas amigas mais próximas, com direito à lembrancinha. Quando fez 106 anos os convidados ganharam um marcador de livro com a foto de Dona Rita vestida com a roupa de seu time .

Rita – 106 anos, marcador de livro
“ São Paulo Futebol Clube”

Na comemoração dos 107 anos, o presente era uma garrafinha de vinho, com os dizeres: “Adega da Ritinha – Safra 2007” e com sua foto estampada. Em 2008, foi a vez do bloquinho de notas, onde, segundo Penha, só deve ser anotado coisas boas .
Garrafinha de vinho, 107 anos Bloquinho de notas – Lembrança dos 108 anos

Jandira chega novamente para fazer a massagem e Rita aproveita para fazer um cochilo. Sentindo-me privilegiada de conhecer Dona Rita, fico admirada com todos os cuidados que observo ali e me despeço novamente, prometendo voltar.

A ultima visita que fui fazer à Dona Rita, era começo de noite . Penha me informa que no final de semana Rita não esteve muito disposta , mas que melhorou. Dona Rita estava descansando. Penha e Jandira e eu, nos limitamos a conversar baixinho e com pouca luminosidade, para que Rita não percebesse que tinha visita. Nesse dia fiquei menos tempo.

Fiz um cafuné vagaroso e suave em Dona Rita e me despedi. Ela não percebeu que tinha visita. Fui-me embora refletindo, o quanto nós precisamos ainda aprender sobre solidariedade e respeito ao próximo.

Não consegui ver dona Rita novamente. Ela faleceu no dia 02/08/2008, alguns dias após a minha ultima visita. Morrer de velhice é privilégio de poucos, mas ter alguém que possa nos acolher física e emocionalmente nessa travessia, é raridade. Dona Rita faleceu com dignidade.

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